O globo, n.31533, 07/12/2019. País, p. 06

 

Sinal vermelho 

Gustavo Maia 

Bruno Góes 

07/12/2019

 

 

Deputados retomam exigência de cadeirinha infantil e exame toxicológico no texto enviado pelo presidente

Fluxo contrário. Deputados mudaram curso de plano do governo para alterar normas do Código de Trânsito Brasileiro (CBT). Em junho, Bolsonaro fez questão de entregar o projeto pessoalmente ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia

 Levado pessoalmente ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro há pouco mais de seis meses, o projeto que alterava regras do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) deve ser votado em comissão especial com 101 mudanças em relação ao texto original. As modificações contrariam o propósito de Bolsonaro de flexibilizar as normas para acabar com o que chama de “indústria das multas”. Em vez de dobrar para 40 pontos o limite para perder a carteira, como proposto pelo Planalto, agora há uma escala que leva em conta as infrações gravíssimas. A ausência de cadeirinha para crianças volta a ser passível de multa, e foi retirado item que acabava com exame toxicológico obrigatório para motoristas profissionais.

Na esteira de uma série de derrotas do governo Jair Bolsonaro no Congresso, a Câmara dos Deputados deve provocar mais um embaraço ao presidente nos próximos dias: deve aprovar uma versão desfigurada do projeto que flexibilizaria regras do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) contra a chamada “indústria da multa”. O texto foi levado pessoalmente por Bolsonaro à Casa há pouco mais de seis meses e deve ser votado em comissão especial com 101 emendas e mudanças nos principais itens, suavizados no parecer do relator, o deputado federal Juscelino Filho (DEM-MA).

Com uma articulação política que é constante alvo de críticas no Legislativo, o Planalto ainda deve ter outros insucessos em votações de medidas anunciadas com pompa. Na lista de iniciativas visadas por parlamentares consta por exemplo, a medida provisória que extingue o DPVAT, seguro obrigatório para indenizar vítimas de acidentes. Nesse contexto, a Câmara aprovou esta semana o pacote anticrime, principal bandeira do ministro da Justiça, Sergio Moro, com uma série de modificações feitas pelo grupo de trabalho que analisou o tema.

A proposta chegará ao Senado sem seus principais dispositivos, como excludente de ilicitude, prisão após condenação em segunda instância e plea bargain (negociação entre acusação e defesa pelo estabelecimento de penas antes de julgamento). Contrariando o desejo do governo, a análise do projeto pelos senadores deve ficar para 2020. Além disso, líderes de partidos do centrão e de outras legendas dão como certa a derrubada do projeto enviado no mês passado pelo governo que prevê a criação de um excludente de ilicitude para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Parlamentares contrários à proposta avaliam que ela pode criar “uma licença para matar”, inclusive na repressão de manifestações.

COM CADEIRINHA

Na comissão da Câmara, o projeto que muda regras de trânsito praticamente triplicou de tamanho e ganhou nuances opostas às intenções do governo. No relatório, Juscelino Filho diz que é impossível manter o texto original, fruto do discurso da disputa eleitoral, se considerada a finalidade de “promover e garantir da segurança no trânsito”. O colegiado analisa a proposta de forma conclusiva e, em caso de aprovação, o projeto seguirá diretamente para o Senado. Ponto crucial do plano, o aumento de 20 para 40 no limite de pontos para a suspensão do direito de dirigir foi substituído por uma escala com três limites de pontuação. A suspensão ocorreria, em gradação, com 20 pontos (se houver duas ou mais infrações gravíssimas); 30 pontos (com apenas uma infração gravíssima) ou 40 pontos (sem nenhuma infração gravíssima). A justificativa foi manter o objetivo do texto original de tornar o sistema mais operacional, mas sem descuidar da segurança. No polêmico caso das cadeirinhas de criança, Juscelino Filho apontou que o projeto do governo “claramente retroage ao estabelecer que o descumprimento dessa obrigatoriedade seja punido apenas com advertência por escrito”. O parecer propõe que os dispositivos sejam obrigatórios para crianças de até dez anos de idade ou que atinjam 1 metro e 45 centímetros de altura e mantém a penalidade prevista no CTB em caso de descumprimento. Criticada nas reuniões da comissão, a ideia de acabar com a exigência do exame toxicológico ficou fora do texto final. O substitutivo mantém a obrigatoriedade do exame a motoristas que exercem atividade remunerada e desejem obter ou renovar a CNH. Presidente do colegiado, o deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP) disse acreditar que não haverá rejeição ao parecer. Segundo ele, o documento contemplou a vontade da maior parte dos integrantes após audiências e reuniões com entidades ligadas ao trânsito.

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Irritado, Alolumbre se recusa a receber ministros 

Naira Trindade 

07/12/2019

 

 

O desalinhamento político entre governo e Congresso ficou mais evidente esta semana depois de o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ter se recusado a receber dois ministros do núcleo duro do Palácio do Planalto. Irritado com descumprimentos de acordos políticos, Alcolumbre ameaçou não pautar nenhum projeto, inclusive a proposta que reestrutura a carreira e a altera a previdência dos militares. Para que a votação da reforma da Previdência dos militares ocorresse, na quarta-feira, o governo precisou recuar e reenviar, por meio de um projeto assinado pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, um artigo que o próprio presidente Jair Bolsonaro havia vetado. Nele, o governo dá autonomia para que parlamentares escolham emendas com prioridade de investimento.

Em vez de derrubar o veto, na semana retrasada, os senadores o mantiveram e provocaram mal-estar entre Senado, Câmara e Planalto. O deputado Domingos Neto (PSD-CE) justifica que o próprio governo já havia concordado com um acordo que atendesse aos anseios dos parlamentares.

— O PLN foi feito exatamente para corrigir a confusão que eles (senadores) tinham feito nos vetos. Havia um acordo de derrubada dos vetos. Tanto o governo entendeu que houve erro que mandou o PLN para corrigir —afirma Domingos Neto. O desconforto de Alcolumbre se intensificou depois de ele ter sido derrotado pelos próprios senadores em votação que manteve o veto de Bolsonaro à recriação da propaganda partidária semestral na televisão e no rádio. Atuais conselheiros políticos do presidente do Senado, Renan Calheiros (MDBAL) e Jader Barbalho (MDB-PA) sequer foram ao plenário. Alcolumbre também não teve votos com os quais contava, como o de Dário Berger (MDB-SC) e os de senadores do PSDB. Traído por aliados, Alcolumbre culpou o governo e esbravejou a deputados que não atenderia a ligações de Bolsonaro, nem receberia os ministros Ramos e Onyx Lorenzoni (Casa Civil). Segundo interlocutores, a avaliação de Alcolumbre é que os colegas lhe impuseram a derrota porque o governo não cumpriu acordos que envolvem liberação de recursos e indicações políticas.