O globo, n.31534, 08/12/2019. Economia, p. 30

 

Número melhor e horizonte opaco 

Míriam Leitão

08/12/2019

 

 

Os números nas planilhas dos economistas dos bancos começam a ficar ligeiramente melhores para este ano e o próximo. Os dois maiores bancos privados do país na sexta-feira correram para divulgar que mudaram de 2,2% para 2,5% a previsão para o PIB de 2020. Para este ano, o dado se move para 1,2%. A grande pergunta é se entramos numa nova fase da economia que levará a um crescimento sustentado. Ainda não. Projeção não é fato. Em janeiro, a mediana era que o PIB subiria 2,6% em 2019. Mas aconteceu sim um fato que altera o quadro econômico: o fantasma do insolvência do país foi afastado. No meio da recessão de 2015-2016 foi assustador ver o ritmo de crescimento da dívida. Ela era cara, alta e crescente.

O custo da dívida chegou a ser quase 9% do PIB ao ano e hoje está abaixo de 5%. Ela subiu de 52% em 2014 para 79% em 2019. E o déficit primário alimentava esse crescimento. A projeção do Itaú é que sem o teto de gastos e a reforma da Previdência iria para 104% no final da próxima década. Como toda a poupança das famílias, das empresas, dos fundos de pensão, do setor financeiro está lastreada por títulos públicos, as projeções assustavam. O temor não era superar 100% do PIB, nível nunca antes atingido, mas o de, em algum momento, haver uma crise de confiança na capacidade de o Tesouro pagar seus títulos. Os poupadores em geral poderiam achar que o Tesouro não honraria sua dívida e isso geraria uma crise de proporções inimagináveis.

Esse temor está ficando para trás. Por vários motivos. A queda dos juros de 14,25% no começo do governo Temer até os 4,5% que deve chegar na próxima reunião do Copom alterou completamente a equação. A reforma da Previdência reduzirá o ritmo de crescimento do déficit do sistema de pensões e aposentadorias. Se o país crescer, fica mais próximo o horizonte de estabilização da dívida/PIB. Essa é a grande diferença. O afastamento desse fantasma começou no governo passado, continua no atual, mas não é simples distribuir os méritos.

O presidente Jair Bolsonaro nunca se envolve com qualquer pauta de ajuste fiscal. Quando a equipe econômica defende uma reforma ele levanta questões corporativas. Se é reforma da Previdência, ele protege policiais e as Forças Armadas. Se é reforma tributária, ele pune quem fala em cobrar impostos de igreja. E por fim ele acabou empurrando tudo para o ano que vem, usando o argumento de que há riscos de manifestações. Seu ânimo reformista é nenhum. A reforma da Previdência foi aprovada em grande parte pelo esforço do próprio Congresso.

A equipe econômica não apresentou ainda sua proposta de reforma tributária. Quando fala dela são ideias descosidas. Eles querem suspender o subsídio à cesta básica com o argumento de que há nela produtos que são consumidos apenas por quem tem renda mais alta. Poderiam começar tirando da cesta básica os itens do consumo da classe média e dos ricos. Dizem que vão usar R$ 4 bilhões dos R$ 16 bilhões dessa renúncia fiscal para beneficiar diretamente os mais pobres. O problema é se eles saberão fazer isso.

A tentativa de mudança do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e, agora, a proposta de taxar os desempregados para financiar o programa de primeiro emprego mostram falta de intimidade com a questão social brasileira. Falam em acabar com as deduções de saúde e educação no IRPF, mas ao mesmo tempo pararam de falar na redução das grandes transferências de recursos públicos através dos subsídios aos grupos e setores empresariais. Há falta de foco e pouco horizonte para as reformas.

Para que se possa ter mais confiança na retomada da economia será preciso fazer mais ajuste fiscal do que já foi feito. Isso vai contrariar interesses que o governo está demonstrando não querer contrariar, e exige uma compreensão do processo econômico que o presidente não tem, nem mostra disposição para entender.

Além disso, há sombras demais no governo. O ajuste das contas públicas só é bom se tem critério. E sempre será apenas a base de um projeto de país. As políticas ambiental, educacional e cultural — para falar apenas de algumas áreas em que as decisões são mais toscas —mostram que esse governo não entendeu o futuro. O país provavelmente terá um alta do PIB de 2% no ano que vem, mas não é isso que vai garantir o crescimento sustentado.