O Estado de São Paulo, n. 45994, 21/09/2019. Política, p. A4

 

Centrão quer 'quarentena eleitoral' para magistrados

Renato Onofre

Vera Rosa

Rafael Moraes Moura

21/09/2019

 

 

Líderes de partidos na Câmara articulam proposta que obrigaria desembargadores e juízes que se lançarem candidatos a deixar cargo pelo menos dois anos antes da disputa

Depois de tentarem articular uma CPI para apurar vazamentos de investigações da Operação Lava Jato, líderes de partidos do Centrão pretendem desengavetar proposta que cria uma “quarentena eleitoral” para juízes, integrantes do Ministério Público e até policiais. A ideia é que integrantes dessas categorias interessados em disputar eleições sejam obrigados a deixar o cargo no mínimo dois anos antes do pleito. Nos bastidores, a estratégia é batizada de “plano anti-Deltan”, em referência ao procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Na prática, a possibilidade de juízes e procuradores migrarem para a política – como fez o ministro da Justiça, Sérgio Moro, ex-juiz da Lava Jato – acendeu o sinal vermelho no Congresso. A nova ofensiva ganhou força após deputados aprovarem a Lei de Abuso de Autoridade, vista como “troco” da classe política a medidas de combate à corrupção. O assunto foi tratado em recente reunião de dirigentes do Solidariedade, DEM e MDB, entre outros partidos. “Uma quarentena de cinco anos está bom. Menos que isso é pouco”, afirmou o deputado Paulo Pereira da Silva (SP), presidente do Solidariedade.

Atualmente, para que possam se candidatar, magistrados e membros do MP precisam se desligar de suas funções seis meses antes da eleição, como qualquer outro ocupante de cargo público. Este é o prazo estabelecido pela lei para que os postulantes a vagas no Executivo e Legislativo se filiem a um partido para lançar a candidatura.

Moro abandonou 22 anos de magistratura para ser titular da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, mas nunca concorreu a eleição. À época, tudo parecia acertado para que ele assumisse uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir do fim de 2020, quando haverá a aposentadoria compulsória de Celso de Mello, o decano da Corte. A hipótese ainda é considerada, mas, após recentes atritos com o ministro, Bolsonaro disse não ter assumido qualquer compromisso com ele.

No Congresso, a aposta é a de que Moro quer ser candidato à Presidência, em 2022, podendo ocupar a vaga de vice de Bolsonaro, caso ele concorra à reeleição. A portas fechadas, deputados e senadores também prometem se empenhar para barrar possíveis pretensões políticas de Deltan Dallagnol.

Em mensagens por celular capturadas por um hacker e divulgadas pelo site The Intercept Brasil, Dallagnol admitiu planos de disputar eleições. Numa conversa ocorrida há dois anos, o procurador disse a uma colega do MP que estaria sendo “pressionado” a se candidatar ao Senado, em 2018. Depois, no entanto, o procurador afirmou que não concorreria naquele ano, mas deixou em aberto a possibilidade no futuro.

“Acho justo que juízes, procuradores, delegados e até militares tenham quarentena para disputar eleição”, disse o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do DEM na Câmara. “Nós, dirigentes políticos, precisamos esperar 36 meses, se quisermos ocupar um cargo em estatal. Por que, então, os magistrados e integrantes do Ministério Público não podem ter isso? É uma questão de isonomia.”

Prazo. Criada originalmente para impedir que detentores dos mais elevados cargos na administração pública usem informações privilegiadas em benefício de interesses privados, a quarentena tem, em geral, prazo máximo de 180 dias.

O Conselho de Ética da Presidência da República estabelece que ministros, presidente, vice e diretores de autarquias, fundações e empresas públicas ou sociedades de economia mista fiquem no máximo seis meses sem exercer atividade compatível com a área em que atuavam. É o caso, por exemplo, de um presidente do Banco Central que queira ir para a iniciativa privada. Pela lei, ele precisa aguardar um período para iniciar a nova atividade, mas, nesse tempo, é remunerado pelo Estado.

O Congresso já havia discutido proposta de quarentena eleitoral em 2015. O Senado chegou a aprovar um projeto do senador Fernando Collor (PROSAL), que fixava prazo de dois anos de desincompatibilização para magistrados e integrantes do MP que quisessem concorrer a cargos eletivos. O texto teve como relator o presidente do MDB, Romero Jucá (RR) – ex-senador investigado pela Lava Jato – e foi encaminhado à Câmara, mas acabou arquivado no fim do ano passado.

O Supremo já entendeu que mudanças podem retroagir, ou seja, produzir efeitos sobre fatos passados, como na Lei da Ficha Limpa. Para que novas regras entrassem em vigor já na corrida de 2020 às prefeituras, porém, seria preciso garantir a aprovação do projeto no Congresso e a publicação da lei até 3 de outubro, um ano antes do próximo pleito.

“Obviamente, o Congresso tem a prerrogativa de estabelecer os prazos de desincompatibilização, mas, hoje, o maior prazo existente para vários cargos é de seis meses, inclusive para os governantes, como diz a Constituição. Não me parece que haja motivo para um prazo maior”, disse o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Henrique Neves.

- Isonomia

“Acho justo que juízes, procuradores, delegados e até militares tenham quarentena para disputar eleição. Nós, dirigentes políticos, precisamos esperar 36 meses, se quisermos ocupar cargo em estatal. Por que magistrados e integrantes do MP não podem? É uma questão de isonomia.”

Elmar Nascimento

LÍDER DO DEM NA CÂMARA

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Senadores criticam uso de emendas em troca de voto

Felipe Frazão

21/09/2019

 

 

Um grupo de senadores divulgou um manifesto contra a liberação de recursos do Orçamento pelo governo como forma de garantir apoio nas votações no Senado. No documento, os parlamentares afirmam que o governo deve atender a todos, sem discriminação entre base aliada e oposição.

Como mostrou o Estado, a ideia do Planalto é usar até R$ 2 bilhões dos R$ 15 bilhões do Orçamento que devem ser desbloqueados para pagar emendas prometidas quando a reforma da Previdência começou a ser discutida, mas as negociações, segundo senadores ouvidos pela reportagem, incluiriam agora uma espécie de adesão a um “pacote” de interesse do governo.

“Esperamos que tal processo tenha plena transparência, atendendo a todos os senadores independentemente de filiação partidária ou de posicionamento em votações”, diz o manifesto, liderado pelo bloco Muda, Senado, que faz contraponto ao presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

A carta, lida na quarta-feira pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS), será enviada ao Planalto. “Se houver qualquer proposta de alguma emenda suplementar, deve ocorrer para todos, e não haver distinções”, disse Lasier. Segundo ele, o movimento reúne 35 parlamentares – a lista de nomes não foi divulgada, mas a maior parte deles vota com o governo Bolsonaro.

Um deles é o senador Eduardo Girão (Podemos-CE). Ele lembrou que foi bandeira da campanha de Bolsonaro “uma nova forma fazer política, sem barganha, sem toma lá, dá cá”.

Ex-PSL, a senadora Juíza Selma Arruda (Podemos-MT) disse que todos os Estados e municípios precisam de recursos. “Isso eu não sei que nome tem, emenda não é”, afirmou. “Se vai haver algum tipo de benefício, que seja dividido entre todos.”