O Estado de São Paulo, n. 45994, 21/09/2019. Política, p. A8

 

Planalto já avalia substituto para Bezerra

Daniel Weterman

Rafael Moraes Moura

21/09/2019

 

 

Líder do governo pôs cargo à disposição após ser alvo de ação da PF; Bolsonaro deve se manifestar só após voltar dos EUA, diz porta-voz

Líder. Gabinetes de Bezerra Coelho foram vasculhados pela PF, anteontem, em investigação sobre pagamento de propinas

O Palácio do Planalto já avalia dois nomes para substituir Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) da liderança do governo no Senado, apesar do apoio de parlamentares à sua permanência no posto. Bezerra colocou o cargo à disposição anteontem, após ter se tornado alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal, que vasculhou dois gabinetes do emedebista em uma investigação sobre suspeitas de que ele e seu filho, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), receberam R$ 5,5 milhões em propinas.

Os dois nomes cogitados para ocupar o cargo de Bezerra devem ser discutidos por aliados com o presidente Jair Bolsonaro quando ele retornar dos Estados Unidos, onde participa da Assembleia-Geral da ONU na próxima semana. “Essa questão ele (Bolsonaro) vai abordar, se assim desejar, no retorno dessa viagem”, afirmou ontem o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, quando questionado sobre a permanência de Bezerra na Liderança do Governo. “O presidente hoje tem foco. O foco é Nova York. Nova York é importante para o nosso país”, completou.

Enquanto agentes da Polícia Federal ainda faziam buscas nas dependências do Senado, anteontem, Bezerra Coelho recebia apoio do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e dos senadores Eduardo Braga (MDB-AM), José Serra (PSDB-SP) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) em reunião na residência oficial do Senado.

“Seria muito injusto neste momento o presidente (Bolsonaro) abandonar o Fernando, porque na hora que eles mais precisaram o Fernando foi muito leal a eles”, disse Braga, que é líder do MDB no Senado e chegou a ter o nome citado por colegas como possível substituto de Bezerra. O líder da bancada, porém, rechaçou essa hipótese.

Senadores classificaram Bezerra como um líder que permitiu ao Planalto ter uma articulação política no Senado, apesar do perfil de Bolsonaro de não se aproximar dos congressistas, e destacaram que o emedebista tem bom trânsito entre os parlamentares, inclusive os de oposição. “O senador transita bem na Casa, mas cabe a ele, primeiro em foro íntimo, e ao presidente da República essa escolha”, disse o vice-líder do Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), auxiliar de Bezerra na liderança. “Ele tem sido um bom líder, tem conduzindo bem a articulação e dialogado com todas as correntes”, afirmou o líder do PSD na Casa, Otto Alencar (BA), crítico do governo.

Após a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que autorizou a operação da PF, Alcolumbre anunciou que a Casa vai questionar a medida na Corte. Na segunda-feira, o Presidente do Senado e aliados devem se reunir com advogados da Casa para traçar a estratégia jurídica. “Já imaginou se vira usual um delegado pedir diretamente a um ministro do Supremo busca e apreensão no Senado?”, afirmou Braga.

Integrantes do Supremo consideraram que a decisão de Barroso tensionou a relação entre o Judiciário e o Legislativo, mas avaliam que, por ora, não há risco concreto de o Senado retaliar o tribunal com a abertura da CPI da Lava Toga. O entendimento é o de que o episódio não abalou a relação entre o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, com as cúpulas do Senado e da Câmara, o que reduz as chances de abertura de uma investigação sobre os magistrados. Após a operação contra Bezerra, Alcolumbre manteve o tom crítico em relação à CPI.

Segundo o Estado apurou, Barroso não informou previamente a Toffoli o aval dado para que policiais federais entrassem no Senado – o presidente do Supremo passou a semana na Colômbia, em um encontro anual de Cortes da América Latina.

‘Autonomia’. Em resposta às críticas à operação no Senado, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, defendeu ontem as atribuições e a autonomia da PF. “A Polícia Federal é uma instituição com autonomia e suas ações são controladas pela Justiça, não tendo o ministro da Justiça qualquer envolvimento em investigações específicas”, afirmou Moro ao Estado.

Anteontem, a defesa de Bezerra disse que a operação da PF foi uma “retaliação” pela atuação do senador contra “abusos” de órgãos de investigação. “É uma retaliação no contexto político de tudo que está acontecendo”, afirmou o advogado do parlamentar, André Callegari.

Injusto

“Seria muito injusto o presidente abandonar Fernando, porque na hora que eles mais precisaram o Fernando foi muito leal.”

Eduardo Braga

LÍDER DO MDB NO SENADO

“Essa questão ele (Bolsonaro) vai abordar, se assim desejar, no retorno desta viagem.”

Otávio do Rêgo Barros

PORTA-VOZ DA PRESIDÊNCIA

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'Gabinete de ódio é falta de patriotismo'

Mateus Vargas

21/09/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que é “impressionante a falta de patriotismo” da imprensa ao divulgar notícias sobre tensão no Planalto. “A gente vê aqui (escrito) ‘gabinete do ódio’. O que é isso? Por que inventam esse negócio? Pelo amor de Deus. Qual a intenção?”, disse Bolsonaro, em referência à reportagem publicada pelo Estado. “Eu gostaria um dia de, ao vivo, conversar com vocês. Porque gravando, assim, (se) deturpa tudo na imprensa. Impressionante a falta de patriotismo.” O termo “gabinete do ódio” é usado no próprio Planalto por auxiliares de Bolsonaro quando o assunto gira em torno do núcleo de assessores responsável pelas redes sociais da Presidência. O grupo, liderado pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o filho “02”, incentiva Bolsonaro a adotar um estilo beligerante.

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Flávio recorre outra vez ao Supremo no caso de Queiroz

Luiz Vassallo

Ricardo Galhardo

Fausto Macedo

21/09/2019

 

 

Ministro Gilmar Mendes é sorteado para ser relator da reclamação contra decisões da Justiça no Rio de Janeiro

Tramita em segredo de justiça no Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, uma nova reclamação do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) contra decisões da Justiça do Rio nas investigações do caso Queiroz – que apura suposto esquema de “rachadinha” (quando um servidor repassa parte ou a totalidade de seu salário ao político que o contratou) no gabinete do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro à época em que exercia mandato na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Na reclamação, o advogado Frederick Wassef volta a requerer a “imediata suspensão de todos os atos e procedimentos em curso” na investigação que chegou a quebrar o sigilo do senador. A defesa argumenta que a Justiça do Rio vem descumprindo a determinação ministro Dias Toffoli, presidente do STF, que suspendeu investigações com base em relatórios do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) obtidos sem autorização judicial. Procurado ontem, Wassef não foi localizado.

As investigações estão suspensas desde 16 de julho em razão da decisão de Toffoli, que acolheu pedido liminar da defesa de Flávio. No entanto, o advogado do senador afirmou ao Supremo que o Tribunal de Justiça do Rio incluiu habeas corpus relacionados ao caso na pauta, sob a alegação de que a decisão de Toffoli “não se aplica ao caso”.

A defesa ressaltou que a pendência de julgamento dos embargos de declaração opostos pela Procuradoria Geral da República contra a decisão de Toffoli “não seria justificativa a impedir a suspensão da tramitação das investigações sobre o parlamentar”.

Para Toffoli, em decisão tomada no dia 2 de setembro, como a defesa apontava “suposto descumprimento de decisão” com repercussão geral por ele adotada, o correto seria redistribuir os autos a outro ministro, na forma de uma reclamação – recurso cabível nesses casos. No dia seguinte ao despacho do presidente do Supremo, o caso foi distribuído ao ministro Gilmar Mendes.

Na semana passada, Flávio obteve uma vitória. A procuradora de Justiça Soraya Taveira Gaya deu parecer favorável para que o senador tenha foro especial no caso. A manifestação da procuradora, no entanto, foi criticada por promotores que investigam Flávio. Segundo eles, em 1999 “foi abolida do direito brasileiro a perpetuação do foro por prerrogativa de função após o término do mandato eleitoral”. “Portanto, há pelo menos duas décadas os deputados estaduais não são mais julgados originariamente pelos Tribunais de Justiça depois de cessado o exercício da função.” 

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Fachin afirma que 'democracia é feita também de conflitos'

Pepita Ortega

Fausto Macedo

21/09/2019

 

 

Em evento no Tribunal de Justiça de SC, ministro do Supremo diz ainda que juiz ‘não se seduz por argumentos de ocasião’

Corte. Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin

O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, disse ontem que “a democracia não é feita apenas de consensos, mas também de conflitos”. Segundo ele, “a democracia é o lugar de desacordos morais razoáveis”. “Ela se abre ao dissenso e apreende com o pensamento diferente.”

Em Santa Catarina, onde participou do evento no Tribunal de Justiça do Estado, o ministro do Supremo falou sobre a missão dos juízes, a Constituição, a autonomia dos Poderes e a democracia. “Juiz não assume protagonismo retórico da acusação nem da defesa, não carimba denúncia nem se seduz por argumentos de ocasião. Juiz não condena nem absolve por discri-cionarismos pessoais. Sua consciência são os limites racionais do ordenamento jurídico, seus deveres prestam contas na fundamentação de suas decisões, na coerência de seus julgados, jamais fazendo da teoria normativa um tablado de teoria política”, afirmou Fachin, sem citar nomes em sua mensagem.

Anteontem, um colega de Fachin, o ministro Luís Roberto Barroso, se tornou alvo de críticas do Congresso porque autorizou a Operação Desintegração, que anteontem realizou buscas e apreensão nos gabinetes do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e do filho dele, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), por suspeita de propina de R$ 5,5 milhões. Os dois negam.

O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), reagiu à operação autorizada por Barroso e falou em “drástica interferência”. “Essa medida de extrema gravidade (busca a apreensão no Senado) exige a apreciação pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, e não por um único de seus membros, em atenção ao princípio da harmonia e separação dos Poderes. No estado democrático de direito nenhum agente público está acima da Constituição ou das leis”, disse Alcolumbre anteontem. O Presidente do Senado afirmou ainda considerar a ação nos gabinetes uma “diminuição do Senado Federal”.

Barroso se defendeu afirmando que sua decisão sobre a operação contra Bezerra foi “puramente técnica e republicana”.

A operação da PF desgastou ainda mais a relação entre Supremo e Senado. Na Casa, parlamentares pressionam Alcolumbre para autorizar a criação de uma CPI – a da Lava Toga – para investigar ministros da Corte. Outro foco de tensão são os pedidos de impeachment protocolados no Senado contra integrantes do tribunal.

‘Divergência’. Ontem, ao falar sobre democracia no TJ de Santa Catarina, Fachin observou. “Para funcionar, (a democracia) depende de regras que garantam a divergência, a possibilidade de pensar e ser outro.” E, ainda segundo o ministro, a democracia “faz isso por meio de uma complexa rede de instituições políticas”.

“A Constituição garante autonomia aos Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Garante independência ao Ministério Público e às Cortes de Contas para fiscalizar os agentes e atos públicos”, afirmou o ministro do Supremo. Para ele, “há dissensos, mas não há bloqueios aos direitos fundamentais, à ordem econômica, à liberdade e à democracia”. “Este é o país que temos, com íntegro funcionamento de sua Corte Constitucional.” 

'Dissensso'

“A democracia é o lugar de desacordos morais razoáveis. Ela se abre ao dissenso e apreende com o pensamento diferente. Para funcionar, depende de regras que garantam a divergência, a possibilidade de pensar e ser outro.”

Edson Fachin

MINISTRO DO SUPREMO