O globo, n.31536, 10/12/2019. País, p. 04

 

Independente nas urnas 

André de Souza 

10/12/2019

 

 

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ontem que pretende liberar para julgamento, no primeiro semestre de 2020, o processo que discute se é possível uma candidatura avulsa em eleições, ou seja, sem filiação partidária. Atualmente, um político precisa estar vinculado formalmente a uma sigla para aparecer nas urnas. A previsão do ministro não quer dizer necessariamente que a questão estará resolvida a tempo das eleições municipais do ano que vem porque a agenda de julgamentos é determinada pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.

Barroso ouviu ontem, em uma audiência pública, representantes de instituições, partidos, da sociedade civil e de universidades. O ministro afirmou que o momento é de descolamento entre a classe política e a sociedade, mas destacou que, na democracia, é preciso valorizar a atividade política.

— Uma vez tabulados esse argumentos, faremos um relatório que será encaminhado a todos os demais ministros. A minha ideia é ser capaz de liberar esse tema para a pauta no primeiro semestre do ano que vem — disse Barroso, acrescentando:

— Uma das razões de eu ter considerado especialmente importante esse debate público é que mesmo as lideranças políticas mais relevantes reconhecem que nós vivemos um momento de um certo deslocamento entre a classe política e a sociedade civil.

Barroso destacou que há dois pontos em discussão. Primeiramente, se o tema deve ser definido pelo Judiciário ou pelo Legislativo. Em segundo lugar, se a possibilidade de candidaturas sem filiação partidária é boa para a democracia:

— (É preciso saber) se isso (exigência de filiação partidária) é bom e fortalece a democracia, ou se significa uma reserva de mercado para partidos que muitas vezes não têm democracia interna.

REPERCUSSÃO GERAL

O processo em análise no STF é um recurso do advogado Rodrigo Sobrosa Mezzomo e do empresário Rodrigo Rocha Barbosa, que tentaram ser candidatos respectivamente a prefeito e vice-prefeito do Rio em 2016. Mas o pedido de registro deles foi negado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No STF, o caso tem repercussão geral, ou seja, embora diga respeito a um processo específico, a decisão que for tomada pelo plenário da Corte deverá ser seguida por juízes e tribunais de todo o país.

Entre os argumentos apresentados por Rodrigo Mezzomo está o de que, se é possível alguém já eleito se desfiliar e continuar exercendo o mandato, também não há problema em se eleger sem partido. Segundo ele, foi apenas durante o Estado Novo, período autoritário da Era Vargas, que as candidaturas avulsas foram proibidas. Ele também argumentou que a maioria dos países as permite atualmente.

Majoritariamente, os representantes dos partidos políticos que participaram da audiência, como PT, MDB, DEM, PSDB, PL, PSD e PP, posicionaram-se contra a possibilidade de candidaturas avulsas, assim como representantes do Senado. A deputada Margarete Coelho (PP-PI), representando a Câmara, pregou que a decisão seja tomada pelo Congresso, destacando que já há dois projetos no Senado e quatro na Câmara sobre o tema. Luciana Diniz Nepomuceno, presidente da Comissão de Estudo da Reforma Política da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), argumentou que a permissão vai levar ao aumento do personalismo:

— Foi opção do nosso poder constituinte originário o protagonismo dos partidos políticos, colocados como indispensáveis ao modelo de democracia representativa.

Na audiência, foi distribuí-doum livro do procurador-geral da República, Augusto Aras, favorável às candidaturas avulsas, publicado em 2018, quando ainda não ocupava o cargo. Sua antecessora, Raquel Dodge, também se manifestou no processo a favor das candidaturas.

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Países como EUA, França e Chile preveem regra 

Alice Cravo 

10/12/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Em 97 nações, candidaturas sem filiação a legendas são aceitas para concorrer a presidente e a cargos no Legislativo

 O Brasil está entre os poucos países que hoje proíbem candidaturas avulsas em eleições para presidente e a cargos legislativos. Levantamento do projeto de conhecimento eleitoral ACE Electoral Knowledge Network, lançado em 1998 na ONU, identificou apenas 22 casos entre 245 nações pesquisadas. Entre eles, além do Brasil, estão Argentina, Bolívia, Suécia, Angola e Nigéria.

A maior parte dos países, 97 no total (43%), aceita candidaturas independentes de partidos para os dois Poderes. Na América Latina, as candidaturas avulsas são permitidas em países como México, Chile, Peru, Equador, Colômbia, Paraguai e Venezuela. Também são liberadas na maior parte da Europa. A França, por exemplo, permite que qualquer cidadão do país com mais de 18 anos concorra, desde que tenha o apoio oficial de 500 pessoas eleitas para cargos diversos, como prefeitos, deputados, senadores e conselheiros municipais (o equivalente aos vereadores no Brasil), e que sua candidatura avulsa seja confirmada pelo Conselho Constitucional, que equivale ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Nos Estados Unidos, também não é preciso estar filiado a um partido político para disputar tanto o Legislativo quanto a Presidência. No entanto, as regras para as candidaturas são definidas por cada estado. A participação de candidatos avulsos, porém, costuma ser rara no país. Bill Walker, por exemplo, foi eleito governador do Alaska em 2015 de forma independente, assim como Angus King conquistou uma vaga no Senado pelo estado de Maine em 2012 e em 2018.

MEIO TERMO

Em 25 países, as candidaturas avulsas são previstas apenas para o cargo de presidente da República. Na lista estão Islândia, Moçambique e Malawi. Em outras 86 nações, a disputa sem partido é aceita somente para cargos do Legislativo. Neste grupo estão Canadá, Reino Unido e Alemanha. *Estagiária sob supervisão de Flávio Tabak