O Estado de São Paulo, n. 45993, 20/09/2019. Política, p. A4

 

Busca da PF gera embate entre Senado e Supremo

Daniel Weterman

Breno Pires

Rafael Moraes Moura

20/09/2019

 

 

Investigação. Luís Barroso, do STF, autoriza ação da Polícia Federal no gabinete do líder do governo, Fernando Bezerra, acusado de receber propina; Alcolumbre contesta operação

Operação. PF cumpriu mandados de busca e apreensão na Liderança do Governo no Senado

A operação da Polícia Federal, autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, que vasculhou ontem gabinetes do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), abriu uma nova crise entre os Poderes. Após a ação, o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), reagiu e disse que questionará a ofensiva na Corte.

Bezerra e seu filho, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE) – também alvo da operação –, são suspeitos de receberem R$ 5,538 milhões em propinas, segundo a PF.

Alcolumbre, porém, contestou a realização de busca e apreensão nos gabinetes da liderança do governo e do parlamentar – na época dos fatos investigados, Bezerra não tinha mandato de senador. A Procuradoria-Geral da República havia se manifestado contrária a essa medida, solicitada pela PF.

O episódio desgastou as já conturbadas relações entre STF e Senado. Na Casa, parlamentares pressionam Alcolumbre para autorizar a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar ministros do tribunal – a CPI da Lava Toga. Outro foco de tensão são os pedidos de impeachment protocolados no Senado contra integrantes da Corte.

A ação da PF que teve como alvo Fernando Bezerra Coelho pegou de surpresa senadores, que manifestaram preocupação com o futuro da articulação política do Palácio do Planalto na Casa e com uma eventual saída do líder do cargo.

Após colocar o cargo à disposição do presidente Jair Bolsonaro , Bezerra foi até à residência de Alcolumbre para tentar esclarecer os fatos. Os senadores Tasso Jereissati (PSDBCE) e José Serra (PSDB-SP) participaram da conversa. Alcolumbre se disse surpreso com a investigação e com a ação da PF no Senado. E criticou o fato de a busca ter sido determinada individualmente por Barroso.

Bolsonaro não se manifestou sobre o assunto ontem, nem em redes sociais nem na transmissão ao vivo que costuma fazer às quintas-feiras.

Apesar das críticas dos senadores a Barroso, há precedentes na Corte. Ministros do STF já autorizaram em decisões monocráticas operações de busca e apreensão nas dependências do Congresso. Em 2017, o relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, autorizou a atuação de policiais federais nos gabinetes dos então deputados Lúcio Vieira Lima (MDB-BA) e Rocha Loures (MDB-PR).

‘Desnecessária’. “A drástica interferência foi adotada em momento político em que o Congresso Nacional discute a aprovação de importantes reformas e projetos para o desenvolvimento do País. Mostra-se, desse modo, desarrazoada e desnecessária, em especial pela ausência de contemporaneidade, pois os fatos investigados ocorreram entre 2012 e 2014”, disse Alcolumbre, em nota. Mais cedo, em declaração a jornalistas, o Presidente do Senado afirmou considerar a ação de ontem uma “diminuição do Senado Federal”. “Eu não vou deixar que isso aconteça.”

Alcolumbre e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foram avisados da operação pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, e colocaram a Polícia Legislativa à disposição da PF, medida considerada praxe. Os policiais passaram a manhã nos gabinetes de Bezerra Coelho, no Senado, e no de Fernando Filho, na Câmara. No encontro com o senador, Alcolumbre manifestou solidariedade.

‘Republicana’. Em nota divulgada após as críticas de Alcolumbre, Barroso disse que a decisão que autorizou a operação “foi puramente técnica e republicana” e que a investigação de fatos criminosos pela PF e a supervisão de inquéritos policiais pelo STF “não constituem quebra ao princípio da separação de Poderes, mas puro cumprimento da Constituição”.

“A providência de busca e apreensão é padrão em casos de investigação por corrupção e lavagem de dinheiro. Fora de padrão seria determiná-la em relação aos investigados secundários e evitá-la em relação aos principais”, escreveu o ministro.

A ação autorizada por Barroso foi deflagrada com base em diversos elementos, incluindo delações de investigados na Operação Turbulência – entre eles, o empresário João Lyra, dono da aeronave envolvida no acidente aéreo que matou o ex-governador de Pernambuco e então presidenciável Eduardo Campos (PSB) em 2014.

A PF apresentou registros de transações bancárias para demonstrar a transferência de recursos aos investigados, bem como elementos de prova que indicam o recebimento dos valores, entre 2012 e 2014, pagos por empreiteiras, em razão das funções públicas exercidas pelos parlamentares. Também foi juntada gravação de conversa entre um delator e um operador que discutiam a forma de pagamento de um empréstimo. Barroso determinou a realização de buscas em 52 endereços.

Defesa. O advogado André Callegari, que defende Fernando Bezerra e Fernando Filho, disse que “causa estranheza que medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos que não guardam qualquer razão de contemporaneidade com o objeto da investigação”.

Para o advogado, a operação foi “retaliação” pela atuação do senador contra “abusos” de órgãos de investigação”. “Primeiro, teve uma declaração dele (Bezerra) sobre o Moro ser esquecido”, disse Callegari, ao citar frase do senador ao Estado segundo a qual, uma vez fora do governo, o ex-juiz poderia ser esquecido em 60 dias. “O senador tem defendido a não abertura da CPI da Lava Toga, tem sido incisivo em pontos relativos a investigações sem prova robusta, tem criticado a atuação de auditores da Receita em relação a fatos aos quais eles não têm atribuição”, afirmou.

‘Desintegração’

R$ 5,5 mi

é o valor que o senador Fernando Bezerra e seu filho, o deputado Fernando Coelho, teriam recebido em propina, diz a PF.

52

endereços de empresários, intermediários, operadores, “laranjas” e outros citados na investigação foram alvo de buscas determinadas por Barroso, do STF.

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Líder do governo na Casa coloca cargo à disposição

Julia Lindner

Daniel Weterman

Mateus Vargas

20/09/2019

 

 

O Palácio do Planalto ainda avalia se manterá Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) como líder do governo no Senado. Após ter o gabinete vasculhado por policiais, Bezerra disse ter colocado o cargo à disposição. “Tomei a iniciativa de colocar à disposição o cargo de líder do governo para que o governo possa, ao longo dos próximos dias, fazer uma avaliação se não seria o momento de proceder uma nova escolha ou não”, afirmou.

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que vai conversar com o presidente Jair Bolsonaro sobre o assunto no fim de semana. “A posição do nosso governo é aguardar os acontecimentos”, declarou Onyx. No Planalto, a ordem é, por enquanto, não falar sobre o assunto. Bolsonaro orientou ministros a não procurarem parlamentares para não alimentar especulações.

Apesar de o próprio Bezerra ter colocado o cargo à disposição, a substituição na liderança do governo no Senado é considerada improvável, porque poderia criar dificuldades na articulação, no momento em que há pautas caras ao Planalto em tramitação, como as reformas da Previdência e tributária, além da indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, como embaixador nos Estados Unidos.

Desde o início, a escolha de Bezerra para a função foi considerada arriscada por aliados, pois o senador, que foi ministro de Dilma Rousseff e líder do governo de Michel Temer no Senado, tem a imagem associada à “velha política” e é investigado por suspeitas de corrupção. Na Câmara, a opção de Bolsonaro foi por parlamentares em primeiro mandato, como o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) e Joice Hasselmann (PSL-SP).

A despeito das suspeitas, o trabalho dele é bem avaliado pela base governista, com a justificativa de que tem diálogo com senadores de todo o espectro ideológico e experiência na Casa. Um aliado do presidente lembrou que há poucos senadores com perfil parecido e citou nomes que teriam de ser consultados pelo Palácio, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), Esperidião Amim (PP-SC) e Eduardo Braga (MDB-AM).