O Estado de São Paulo, n. 45993, 20/09/2019. Política, p. A6

 

'Gabinete do ódio' tensiona planalto

Vera Rosa

Tânia Monteiro

20/09/2019

 

 

Em família / Carlos Bolsonaro lidera grupo que produz relatórios e influencia decisões do presidente

Filhos. A estratégia para comunicação do presidente Jair Bolsonaro nas redes opõe os irmãos Carlos (à esq.) e Flávio

O Palácio do Planalto abriga um núcleo de assessores que tem forte influência sobre o presidente Jair Bolsonaro e é conhecido como “gabinete do ódio”. Defensores da pauta de costumes, eles produzem relatórios diários, com suas interpretações, sobre fatos do Brasil e do mundo e são responsáveis pelas redes sociais da Presidência da República. Essa ala ideológica faz a cabeça de Bolsonaro e o incentiva a adotar um estilo beligerante no governo.

Com a senha das redes do pai, o vereador licenciado Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o “02” do presidente, dá ordens para os assessores Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. Os três são da confiança do vereador e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL- SP) – o filho “03”, que Bolsonaro quer emplacar na embaixada dos Estados Unidos. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), primogênito, tem horror ao trio.

Filipe Martins, o assessor para Assuntos Internacionais de Bolsonaro, também faz parte desse grupo. Tércio, José Matheus, Diniz e Filipe despacham no terceiro andar do Planalto, ao lado do presidente. Outro integrante do núcleo é Célio Faria Júnior, que Bolsonaro trouxe da Marinha e hoje é chefe da Assessoria Especial da Presidência.

Com carta branca para entrar no Planalto, o assessor parlamentar Leonardo Rodrigues de Jesus, o Leo Índio, primo dos filhos de Bolsonaro, virou uma espécie de “espião voluntário” do governo. Léo Índio já produziu dossiês informais de “infiltrados e comunistas” nas estruturas federais, como revelou o Estado. O então ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, comprou briga com Carlos e com ele. Foi demitido.

Quando Flávio saiu de férias e viajou para a Bahia, em meados de julho, auxiliares de Bolsonaro no Planalto ficaram preocupados. A portas fechadas, no segundo andar daquele prédio erguido com colunas “leves como penas pousando no chão”, como gostava de comparar o arquiteto Oscar Niemeyer, um assessor chegou a dizer que, sem Flávio em Brasília, o “gabinete do ódio” ficaria incontrolável.

O comentário reflete a tensão que tomou conta do Planalto. Nos bastidores, essa “repartição” é vista como responsável pelo afastamento cada vez maior entre Flávio e Carlos, apelidado de “Carluxo”. Considerado o “pit bull” da família, Carlos cria estratégias para as mídias digitais do pai e sempre defendeu a tática do confronto para administrar, em oposição a Flávio, dono de estilo conciliador.

Na prática, mesmo quando não está em Brasília, o vereador comanda o núcleo ideológico, emite opiniões polêmicas, chama a imprensa de “lixo” e lança provocações contra aliados do pai, como o vice-presidente Hamilton Mourão, tido por essa ala como “traidor”.

Secom. A equipe do “gabinete do ódio” não aceita interferências dos profissionais da Secretaria de Comunicação. Segue ordens de Carlos, que atua sob a inspiração do escritor Olavo de Carvalho, e várias vezes já convenceu Bolsonaro a adotar posição mais dura, como no fim de julho, quando ele desistiu de receber o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, e depois apareceu em uma “live” cortando o cabelo, em um estilo “gente como a gente”.

Flávio, vira e mexe, pede para o pai baixar o tom. Às vezes é ouvido, fato que provoca a ira do “02”. Mesmo investigado no caso de Fabrício Queiroz – o ex-assessor suspeito de comandar um esquema de “rachadinha” na Assembleia do Rio –, o senador tem atuado como articulador político do Planalto, ao lado do general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo.

Em jantares com senadores, Flávio leva o irmão Eduardo a tiracolo, diz que o conhecimento do caçula sobre os EUA vai muito além do hambúrguer e tenta apaziguar atritos provocados por Carlos nas redes sociais.

“Esse núcleo ideológico atrapalha muito nossa vida aqui no Congresso”, disse o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP). “Desse jeito, o PSL vai acabar sofrendo uma derrota atrás da outra.”

Nos últimos dias, um tuíte de Carlos azedou o clima na Câmara, no Senado e no Supremo Tribunal Federal. O vereador escreveu que “por vias democráticas, a transformação que o Brasil quer não acontecerá no ritmo que almejamos”. Bolsonaro apoiou o filho. Flávio ficou em silêncio. O primogênito disse a um amigo que, se fizesse algum comentário, exporia uma crise.

Além do senador, a primeira-dama Michelle também consegue fazer o marido amenizar os tuítes, de vez em quando. Foi ela, por exemplo, quem pediu para o presidente apagar comentário feito por ele em um post de internauta dizendo que a mulher do presidente da França, Emmanuel Macron, era feia. Michelle considerou a mensagem machista e deselegante.

‘Atrapalha’

“Esse núcleo ideológico atrapalha muito nossa vida aqui no Congresso.”

Coronel Tadeu (PSL-SP)

DEPUTADO FEDERAL

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PSL deixa grupo de debate sobre pacote anticrime

Renato Onofre

20/09/2019

 

 

A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) afirmou ontem que o partido do presidente Jair Bolsonaro está fora da discussão do grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro. O gesto ocorre após o relator da proposta e aliado do governo, deputado Capitão Augusto (PL-SP), fazer críticas públicas à base. Segundo Augusto, os deputados governistas “não se apresentam” para defender a proposta de Moro. “Cadê os deputados do governo? Não tem ninguém aqui. Quero que registre em ata as ausências”, disse Augusto no início da sessão.

Nenhum deputado da base estava presente na hora da crítica. Quase meia hora depois da fala de Augusto, Carla Zambelli chegou e pediu a palavra. “O governo não vai ficar discutindo, discutindo, discutindo num grupo que não representa o plenário. Estar aqui é só compactuar e validar algo com que não concordamos”, afirmou a deputada, abandonando a reunião.

Desde o início da discussão do pacote, deputados governistas reclamam da composição do grupo. Formado em março pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em resposta a cobranças de Moro para acelerar a proposta, o grupo não seguiu a regra de proporcionalidade da Casa que daria ao PSL mais cadeiras. A divisão foi feita a critério de Maia, que optou por um grupo de parlamentares mais críticos à Lava Jato.

‘Democracia’. A atitude de Carla Zambelli incomodou os integrantes do grupo. “Ninguém pode ficar ofendido porque a sua ideia não foi majoritária. Perdi vários pontos aqui que queria endurecer o crime, mas isso é a democracia”, afirmou o presidente da sessão, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG).

O grupo encerraria os trabalhos nesta semana, mas o prazo foi adiado por mais 30 dias. A previsão é de que Maia leve o texto final direto ao plenário.