Valor econômico, v.19, n.4716, 26/03/2019. Política, p. A7

 

Maia cede e Câmara tenta retomar negociação de PEC

Marcelo Ribeiro 

Raphael Di Cunto 

Fabio Murakawa 

Renan Truffi 

26/03/2019

 

 

Após dias de troca de ataques entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), interlocutores dos dois buscaram ontem selar um armistício para votar a reforma da Previdência. Em um gesto de trégua, a Câmara não deve mais suspender a liberação de visto para os americanos, mas divulgará documento dizendo com quais pontos não concorda nas mudanças das aposentadorias.

Maia pretende continuar apenas num "papel institucional" na discussão sobre a Previdência e deixará o governo indicar sozinho o relator para a matéria. Já Bolsonaro afirmou a ministros que não quer brigar com o presidente da Câmara, mas que manterá a estratégia de criticar a "velha política".

Não há, pelo menos por enquanto, nenhuma reunião prevista entre os dois. Bolsonaro se reuniu com os ministros palacianos e com o da Economia, Paulo Guedes, ontem e, segundo apurou o Valor, afirmou a seus assessores que não quer agredir Maia, mas que não arredará o pé da estratégia de criticar o "toma-lá-dá-cá" por avaliar que teve recepção positiva das redes sociais a essa estratégia e que, sem isso, perderá apoio da população.

Fontes no governo afirmam que a forma com que Maia tratou o ministro da Justiça, Sérgio Moro, chamando-o de "funcionário do Bolsonaro", teve resultados negativos para o presidente da Câmara. Moro "é quase uma instituição" e as redes teriam reagido com a lembrança de que Maia está na "lista da Odebrecht". O presidente da Câmara, que nega ter cometido irregularidades, atribui a rede de perfis da campanha de Bolsonaro os ataques.

Apesar da promessa de que não buscaria briga, Bolsonaro saiu da reunião e, pouco tempo depois, publicou no Twitter, a pretexto de denunciar uma articulação da imprensa para deslegitimá-lo, gravação em que o jornalista Alexandre Garcia diz que Maia não é o articulador político do governo e que está bravo porque o "sogro" - o ex-ministro Moreira Franco - estava preso.

Garcia comenta o episódio da provocação do vereador Carlos Bolsonaro a Maia no Instagram sobre o episódio com Moro e defende o filho do presidente. "Primeiro lugar: o Rodrigo Maia está nervoso porque o sogro dele foi preso, o Moreira Franco. Segundo lugar: o que o Carlos Bolsonaro fez foi um apoio a Sergio Moro por causa do pacote anticrime, que todo mundo quer", disse.

Uma fonte que estava com Bolsonaro na hora da postagem diz que o presidente não publicou a gravação, que, contudo, continuava no perfil mesmo após nova repercussão negativa.

Já na Câmara, a tentativa é distensionar a relação. Maia recebeu deputados para um jantar domingo e tentou convencê-los a não sustar a liberação de visto para americanos, dizendo que isso repercutiria mal internacionalmente e poderia afetar o turismo do país. Os partidos estão divididos sobre a proposta. "O Maia é contra pautar a derrubada do decreto, mas ainda há alguns líderes que acham que é necessário enviar um recado ao Planalto", disse o líder do DEM na Casa, Elmar Nascimento (DEM-BA).

Durante o encontro, Maia repetiu que cumprirá papel institucional na reforma da Previdência e que pautará a proposta assim que o governo sinalizar que tem votos suficientes. Disse ainda que o relator na comissão especial deve ser indicado pelo governo, o que aumenta as chances do deputado Eduardo Cury (PSDB-SP) assumir o posto.

Apesar desse afastamento, líderes dos maiores partidos voltaram a se encontrar ontem na casa de Maia e decidiram elaborar um documento com os pontos que todos são contra na reforma, como a mudança no benefício de prestação continuada (BPC). Eles acreditam que declarações separadas dos partidos não tiveram tanta força e, ao divulgar um texto conjunto, já sinalizarão a população o que será excluído do projeto, diminuindo a resistência. Os líderes do PP, PSDB e da maioria negociarão esse texto.

Numa reunião para apaziguar os ânimos, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), almoçou ontem com a cúpula do DEM: Maia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), o presidente do partido, ACM Neto, e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Eles reclamaram aos ministros que Bolsonaro precisa dar sinais mais concretos de que deseja a pacificação e controlar seus filhos.

Alcolumbre afirmou que Maia e Bolsonaro exageraram, mas a situação já está resolvida. "Acho que isso é uma matéria superada, os embates acontecem todo dia na vida pública. Naturalmente o presidente Rodrigo Maia e o presidente da República exageram tanto de um lado como do outro, mas é natural da política", disse.

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Especialistas não conseguem dimensionar consequências de embate 

Cristian Klein 

26/03/2019

 

 

Entre uma crise institucional, grave, e uma crise política, que opõe personagens importantes da República, mas é contornável para a aprovação da reforma da Previdência. Entre um conflito que pode ser pontual e uma turbulência de caráter permanente, pelo perfil dogmático de Jair Bolsonaro. Dois especialistas consultados pelo Valor divergem sobre o significado do embate entre o presidente da República e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia - tensão que acendeu o alerta no mercado.

Para o cientista político e sócio da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, a contenda entre Bolsonaro e Maia ainda não pode ser caracterizada como crise institucional entre Poderes. Seria mais uma crise política, pela tentativa do chefe do Executivo de realizar uma deslegitimação da política como arena de resolução de conflitos. Embora tenha sido parlamentar por mais de 30 anos, Bolsonaro busca preservar a imagem de um não político, construída nas eleições, e ao cometer erros de execução da estratégia flerta com o embate institucional.

"O que mais chama atenção é a falta de responsabilização do presidente em relação à condução da agenda econômica. Ele não utiliza o capital político acumulado para fazer a coordenação", destaca Cortez. Na troca de farpas com Maia, Bolsonaro afirmou que o papel de articular os votos para a reforma da Previdência caberia ao Congresso, num comportamento atípico a presidentes da República.

Para Celso Barros, doutor em sociologia pela universidade de Oxford, trata-se de cálculo. Bolsonaro está esticando a corda "de propósito" e provoca uma crise institucional que "ainda pode piorar bastante". Pensar o contrário - que ele seja "normal" e queira aprovar a reforma levantando-se contra o Congresso - só levaria à conclusão de que é "estúpido", "débil mental" ou o "pior governante da história". Barros, porém, vê intencionalidade na ação. "Ele quer enfraquecer as instituições, tensioná-las, para depois vender a ideia de que não governa ou aprova nada porque o Congresso é repleto de ladrões e que o Supremo Tribunal Federal fica soltando corruptos", diz.

No longo prazo, fomentar essa narrativa contra os demais Poderes - com o discurso de que defende uma "nova política" - é mais importante para Bolsonaro do que aprovar a reforma da Previdência, argumenta Barros. Em sua opinião, o presidente se comporta como se quisesse governar ditatorialmente. "Muitos governantes tentam o autogolpe, quando estão com alta popularidade, como foi Hugo Chávez, na Venezuela. Mas Bolsonaro está com popularidade em declínio. Isso pode dar errado, o que não significa que ele não vai tentar, pois as instituições estão muito desmoralizadas", diz.

Para Rafael Cortez, o que está na raiz do confronto com Rodrigo Maia é que o núcleo do governo Bolsonaro não acredita na partilha do poder com o Congresso, uma regra do presidencialismo de coalizão brasileiro. A controvérsia "pessoal" é precedida pela montagem de "um governo praticamente unipartidário" diante de um Congresso pulverizado. Sem uma base aliada, Bolsonaro faz um governo superminoritário. Conta apenas com o seu partido, o PSL. O cenário que o presidente deve evitar é o de paralisia decisória ou o quadro conflituoso entre a ex-presidente Dilma Rousseff e o então presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Cortez, no entanto, vê três diferenças em relação à atual conjuntura. A primeira é que o conflito se dá dentro do mesmo espectro político, de centro-direita, e não pela dinâmica governo versus oposição, com um projeto de poder divergente. A segunda é que o problema fiscal se tornou ainda mais sistêmico e atinge governos subnacionais. A terceira é que há ganhos para todos os atores mais importantes em torno da reforma da Previdência. "Mas Bolsonaro precisa fazer uma inflexão em sua estratégia", diz. Para Celso Barros, porém, o presidente avaliza a influência do "extremismo fanático ideológico" do escritor Olavo de Carvalho, ao qual dois dos seus três filhos políticos "foram convertidos": "Eles não querem jogar dentro das instituições".