Valor econômico, v.19, n.4721, 02/04/2019. Política, p. A6

 

Bolsonaro receberá deputados todos os dias para negociar reforma 

Malu Delgado 

02/04/2019

 

 

Em seu segundo dia de visita a Israel, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que irá atender de forma diária aos parlamentares, para negociar a aprovação da reforma da Previdência. "Estou pronto ao diálogo, na medida do possível eu atendo aos parlamentares. Vamos a partir de agora deixar pelo menos meio dia da minha agenda no Brasil aos congressistas".

Segundo o presidente, pontos como o BPC e a aposentadoria rural poderão ser modificados no Congresso. "A bola está com eles. A bola está com o Legislativo, agora", disse, em entrevista à TV Record. Bolsonaro justificou a mudança nas regras de aposentadoria rural, com aumento de idade e de contribuição para se ter o benefício, como um mecanismo para se combater fraudes. O presidente criticou ainda a metodologia utilizada pelo IBGE para medir o desemprego, que teve uma alta no último mês. "É uma coisa que não mede a realidade", queixou-se.

Horas antes da entrevista, o presidente voltou a enfatizar que as Forças Armadas já deram uma importante cota de contribuição quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reestruturou a carreira militar em 2001, com a Medida Provisória 2215. Ele negou que a nova proposta de reformulação da carreira, enviada juntamente com a proposta de reforma de Previdência dos militares, possa prejudicar a tramitação da emenda constitucional sobre o tema.

"Nada a ver. Militar não é Previdência. Eu sou suspeito para falar, porque sou capitão do Exército. Mas a vida é completamente diferente. Militar trabalha 24 horas por dia, tem situações extraordinárias da tropa, GLO, missões, as mais variadas possíveis (...) A única reforma da Previdência feita em 2000 foi a nossa (...) Ele mandou a nossa via medida provisória", disse o presidente, ao voltar de um jantar em Israel, sem conhecimento da imprensa. Bolsonaro comeu pizza, segundo integrantes da delegação.

O presidente reservou horários à noite para agendas particulares. Seus assessores não divulgam seu paradeiro.

Ao destacar a possibilidade de investimentos de Israel no Brasil, Bolsonaro aproveitou para mencionar a necessidade de aprovação da reforma. "Agora, o Brasil tem que mostrar que está fazendo o dever de casa, ter nossas contas equilibradas. E a reforma da Previdência é necessária para isso. Reequilibrando as nossas contas investimentos irão para o Brasil."

O presidente disse que nesta quinta-feira, receberá líderes partidários. Ele vê chances de a reforma ser aprovada na Câmara até junho. "Não temos outra alternativa. Chegou a esse ponto. A Previdência está deficitária realmente e temos que fazer essa reforma. Espero que o Congresso aprove sem que ela seja muito desidratada", disse o presidente.

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que faz parte da comitiva presidencial, afirmou, ao chegar a Israel, que tanto ele quanto o deputado Eduardo (PSL-SP), seu irmão, agirão "como soldados" em favor da aprovação da reforma. Ontem, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que também foi convidada por Bolsonaro para integrar a comitiva, demonstrou otimismo com a entrada do ministro da Economia, Paulo Guedes, na articulação política. "Paulo Guedes, quando abre a boca e fala, não tem quem não se convença", afirmou.

Segundo a parlamentar, a avaliação dos aliados do presidente é que "o clima está muito bom" e que a reforma da Previdência vai ser aprovada rapidamente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Kicis atuou para aproximar Bolsonaro e Guedes, antes da campanha eleitoral. A entrada de Paulo Guedes na articulação política foi uma necessidade do governo diante da crise das últimas semanas, em que aumentou a hostilidade do Congresso com Bolsonaro e o governo.

O Palácio do Planalto tentou montar uma operação de armistício entre os Poderes assim que a crise afetou a credibilidade de investidores e empresários sobre a aprovação da reforma. A instabilidade foi agravada por troca de críticas e provocações entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

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Presidente chama dirigentes do Centrão

Fabio Murakawa 

Carla Araújo 

Marcelo Ribeiro 

Raphael Di Cunto 

Edna Simão

02/04/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro se reunirá na quinta-feira com presidentes de cinco partidos no Palácio do Planalto, em um esforço para alavancar apoio das legendas à reforma da Previdência. Pressionado pelos partidos, e em meio a dificuldades na articulação política, o governo ensaia abandonar o discurso da "velha política versus nova política", que marcou a campanha presidencial em 2018.

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, telefonou ontem para os presidentes de MDB, PSD, DEM, PP e PRB. São todas siglas integrantes do agrupamento chamado de "Centrão" na legislatura passada. Romero Jucá, Gilberto Kassab, ACM Neto, Ciro Nogueira e Marcos Pereira visitarão o Palácio do Planalto um dia depois do retorno de Bolsonaro de sua viagem oficial a Israel.

No Congresso, parte do Centrão pressiona por mudanças em pontos polêmicos da reforma proposta pelo governo - como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria já na Comissão de Constituição e Justiça -, enquanto a maior pare dos líderes acredita que essas alterações devem ser feitas em uma etapa posterior.

Prefeito de Salvador, ACM Neto deve almoçar com o presidente. Devem tratar da adesão formal do DEM à base do governo, algo controverso dentro da própria legenda, e o apoio do partido à reforma da Previdência. ACM Neto deve levar ao presidente a sensação que impera na legenda de que ainda há "pontos soltos" na reforma da Previdência encaminhada ao Congresso. O partido - dirá ele a Bolsonaro - quer aprovar um texto que diminua regalias sem um peso tão grande aos mais pobres.

O DEM defende alterações em pontos como a aposentadoria rural e as mudanças propostas nos Benefícios de Prestação Continuada (BPC), direcionados às camadas mais vulneráveis da população.

ACM Neto insistirá com o presidente que encerre o discurso que contrapõe a "velha política" à "nova política". Esse mesmo pedido será levado ao presidente da República por Marcos Pereira, do PRB.

"Eu vou lá para ouvir. A única coisa que tenho a dizer ao presidente é que o governo tem que dialogar, tem que conversar, tem que parar com esse negócio de 'velha política' contra 'nova política'", disse Pereira ao Valor. "Conversar com os partidos, isso não é toma lá da cá, isso é política. Não tem esse negócio de velha e nova política. Nova e velha política foi na campanha", afirmou.

Líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO) teve reunião ontem com o ministro Onyx e disse que a estratégia do governo será pedir apoio, "reconhecendo a importância dos partidos e dos líderes partidários".

"Já foi feito no Alvorada há algumas semanas uma aproximação com os líderes e vamos fazer uma aproximação mais real", afirmou.

Presidente nacional do PSD, Kassab disse em entrevista ao Valor que o diálogo com os partidos até agora é "inexistente", mas elogiou a iniciativa de Bolsonaro de chamá-lo ao diálogo. "É um gesto positivo do presidente essa disposição de conversar com o Congresso, os parlamentares e líderes." Ele disse achar improvável que alterações no texto da reforma da Previdência ocorram na CCJ.

O colegiado começa a discussão do texto na semana que vem. Na CCJ, a análise é apenas da admissibilidade, ou seja, se nenhum dos dispositivos fere cláusulas pétreas. A maioria dos grandes partidos não vê possibilidade de mudança nessa etapa. O líder do PR na Câmara, Wellington Roberto (PB), é um dos poucos a defender que se retire, já na CCJ, as mudanças na aposentadoria rural e BPC. Para ele, isso permitiria focar o debate na comissão especial em outros pontos.

Já a maioria dos líderes dos outros grandes partidos não vê essa possibilidade. "Não acho que sejam cláusula pétrea, é assunto para a comissão de mérito", afirmou o representante da bancada do PP, deputado Arthur Lira (AL). Mesmo no PR, há resistências a essa tese de desidratar a proposta na comissão de admissibilidade.

Presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR) disse ontem não ver motivos para a supressão de quesitos da reforma no colegiado. Para ele, tampouco há sinalização de alteração do texto nessa etapa da tramitação.

Relator da reforma na CCJ, Marcelo Freitas (PSL-MG) também disse que não há ideia de desmembramento ou fatiamento da proposta no colegiado. "Neste momento, não se vislumbra a constitucionalidade da questão do BPC. Essa e outras questões devem ser levadas para a comissão especial."