Valor econômico, v.19, n.4715, 25/03/2019. Empresas, p. B1

 

Vale e MP divergem sobre acordo definitivo no caso Brumadinho

Francisco Góes 

Marcos de Moura e Souza 

25/03/2019

 

 

Vale está empenhada em chegar ainda este ano a um acordo de reparação integral pelos danos causados na tragédia de Brumadinho (MG), que completa hoje dois meses e deixou 212 mortos e 93 pessoas desaparecidas, de acordo com os últimos dados disponíveis. A mineradora tem interesse em definir a curto prazo os objetivos das reparações sociais e ambientais definitivas e qual será a melhor maneira de implementá-las. Integrantes da força-tarefa de Brumadinho dizem desconhecer, porém, negociações para se chegar a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) definitivo com a Vale, como apurou o Valor.

O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Geraldo Emediato de Souza, coordenador da força-tarefa do órgão que trata das indenizações definitivas às famílias dos trabalhadores, disse que não há "nenhuma negociação" em curso relativa a um TAC amplo que englobaria, entre outros temas, as indenizações. Tanto o Ministério Público do Estado de Minas Gerais quanto o Ministério Público Federal, em Belo Horizonte, também dizem desconhecer discussões para um TAC final com a Vale.

A Vale, por sua vez, assume que é responsável por uma "solução" para o desastre de Brumadinho, o que é diferente de considerar-se culpada, e quer estabelecer um modelo de colaboração "inédito" com os atingidos e com as autoridades em Minas Gerais e no governo federal, segundo fontes da companhia. A ideia da mineradora é avançar com as autoridades em um acordo final, sem litígio, tentando definir previamente tudo o que for possível. "O que não for possível definir de antemão terá um sistema de conciliação [entre a empresa e as autoridades] no próprio acordo", disse uma fonte.

Três pontos são considerados pela Vale para estabelecer as bases para um TAC com as autoridades. Uma das frentes de discussão é social e envolve indenizações pelos danos individuais e coletivos. Há ainda outros dois pilares: um de reparação ambiental e outro relacionado às obrigações sobre a operação futura da mineradora em Minas Gerais, incluindo novos critérios e controles que a companhia terá que adotar para que não haja repetição de casos como o de Brumadinho e Mariana no futuro.

A situação em Minas Gerais, porém, continua delicada. Na sexta-feira, sirenes foram acionadas em Barão de Cocais (MG) por força da condição crítica de estabilidade da barragem Sul Superior da mina Gongo Soco, da Vale. Foi um reforço de medida preventiva, uma vez que a evacuação da área próxima à barragem já havia ocorrido em 8 de fevereiro. Essa é uma das dez barragens inativas a montante - iguais à de Brumadinho e Mariana - que a Vale se comprometeu a desativar ao longo de três anos.

No sábado, o Ministério Público de Minas Gerais pediu que a Justiça determine a interdição de barragens de quatro complexos minerários da Vale no Estado. O MP encaminhou à Justiça pedido para que a empresa pare de lançar rejeito de minério de ferro na barragem de Gongo Soco e também nas barragens de Vargem Grande, do complexo minerário Vargem Grande, na cidade de Nova Lima; nas barragens B3 e B4, do complexo minerário Mar Azul, também em Nova Lima; e nas barragens do Grupo Forquilhas, do Complexo Mina de Fábrica, em Ouro Preto.

Os promotores requereram também que a Vale volte a ser proibida de lançar rejeito na barragem de Laranjeiras, do complexo de Brucutu, a maior mina da Vale em Minas. A Justiça de Minas havia determinado a paralisação de Laranjeiras, mas a Vale conseguiu reverter a decisão. No pedido, o MP requereu ainda que sejam bloqueados R$ 120 milhões nas contas da Vale para que sejam custeadas "a auditoria técnica necessária para garantir a segurança das barragens." Ontem, a juíza plantonista Cláudia Costa Cruz Teixeira Fontes aceitou parcialmente o pedido do MP, determinando que a Vale seja proibida de produzir "incremento de risco" apenas na barragem de Barão de Cocais. Segundo a assessoria do MP, isso significa que a Vale fica proibida de lançar rejeitos nessa barragem. Quanto às outras barragens citadas no pedido, a juíza deixou para que o tema seja analisado pelo juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública de Minas, onde corre a ação. Ela tampouco tomou uma decisão sobre o pedido de bloqueio de recursos da Vale.

Hoje o MPT de Minas Gerais deve ajuizar ação contra a mineradora na qual exigirá que cada família que perdeu parentes no desastre com a barragem de rejeito na cidade de Brumadinho receba uma indenização que poderá variar entre R$ 8 milhões a R$ 9 milhões. A informação foi antecipada ao Valor, na sexta-feira, pelo procurador do MPT, Geraldo Emediato de Souza. A quantia toma como referência um documento produzido há alguns anos pela própria Vale no qual estabelece que US$ 2,6 milhões deveriam ser provisionados para arcar com eventuais custos de cada vítima fatal de um desastre com barragens.