Valor econômico, v.19, n.4719, 29/03/2019. Brasil, p. A4

 

Viagem a Israel é aceno à base evangélica 

Malu Delgado 

29/03/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro chegará a Israel, no domingo, num momento de alta tensão da política brasileira e após embates diretos com o Congresso que aumentaram as incertezas sobre a aprovação da reforma da Previdência. A viagem endossa a linha de política externa que o governo Bolsonaro adota, de alinhamento com chefes de Estado de direita, e também tem como objetivo reforçar os elos com o eleitorado evangélico, que foi crucial para a eleição do presidente. Bolsonaro permanecerá em Israel até o dia 3 de abril, em agendas ao lado do primeiro ministro Benyamin Netanyahu, que disputará a eleição na semana seguinte sob um cenário de desgaste e polêmicas.

Entre pesquisadores e estudiosos da cultura judaica, é considerada remota a possibilidade de Bolsonaro anunciar a transferência da embaixada do Brasil em Tel Aviv para Jerusalém, pelo sério impacto econômico e diplomático que a medida provocaria. A expectativa é que Bolsonaro anuncie, no máximo, a abertura de um escritório do país em Jerusalém, sem nenhum efeito prático, só político.

"A mudança de embaixada, hoje, seria uma bomba, em todos os níveis: de política internacional, de política regional do mundo árabe, econômico, de ruptura com a tradição do Itamaraty. Os países não centrais que sinalizaram mudança de embaixada recuaram, como Austrália e Hungria. Recuaram por questões econômicas e de mercado", observa Michel Gherman, coordenador do Núcleo de Estudos Judaicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colaborador do Instituto Brasil-Israel (IBI).

A barreira de contenção para uma medida diplomática deste porte são os militares. Em jantar com a comunidade judaica, promovido pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), há duas semanas, o vice-presidente Hamilton Mourão sinalizou que a mudança não ocorrerá, porque não interessa ao Brasil, segundo apurou o Valor.

"Isso é questão fechada para o setor militar no governo: a embaixada deve ficar em Tel Aviv. Se tem alguém segurando ainda a tradição histórica do Itamaraty, são os militares, que afinal de contas têm uma formação política vinculada à República brasileira. Pelo menos desde a República Velha, as relações do Itamaraty são de equidistância, equilíbrio, negociação, apoio ao multilateralismo. Isso os militares mantêm", observa Gherman.

O professor destaca, ainda, que uma eventual mudança de embaixada colocaria Bolsonaro em rota de colisão com setores do agronegócio e do mercado financeiro, pelas relações comerciais com o bloco árabe. O cenário geopolítico está sob tensão, reforça o professor, após os Estados Unidos terem reconhecido a soberania de Israel sobre as Colinas de Golã, território ocupado pela Síria. O conflito palestino volta ao palco mundial.

Para Gherman, Bolsonaro busca com a viagem a Israel, de fato, fortalecer sua base política, o que é relevante em especial num momento de desgaste interno. Setores pentecostais creem na segunda vinda de Jesus à terra no momento em que os judeus reconquistarem a terra prometida, que é Jerusalém. É neste contexto que Bolsonaro defendeu a mudança da embaixada na campanha eleitoral. Em maio de 2016, quando já planejava sua candidatura presidencial, Bolsonaro foi batizado no rio Jordão, em Jerusalém, pelo deputado Pastor Everaldo Dias Pereira, presidente do PSC (Partido Social Cristão) e membro da Assembleia de Deus.

"Israel personifica uma série de ideias ligadas ao governo Bolsonaro nas dimensões ideológicas, militares e econômicas", enfatiza Daniel Douek, pesquisador do Centro de Estudos Judaicos da USP. Porém, salienta, Bolsonaro prega uma ideia imaginária de Israel, ligada ao conceito de polo de civilização, tecnológico e militar. Ele pondera que Tel Aviv é palco da maior parada gay do mundo, que a legislação sobre aborto no país é bastante liberal - há cerca de 20 mil abortos legais por ano - e que o controle do porte e posse de armas é extremamente rígido, com licenças que dão direito a apenas uma arma e com validade de três anos. Ou seja, realidades muito distantes da agenda de Bolsonaro.

"É mais uma demonstração do novo alinhamento da política externa brasileira com governos de centro-direita", diz o historiador Gabriel Steinberg, professor do Departamento de Letras Orientais na USP. Ele crê que Bolsonaro prossegue com o roteiro iniciado na visita a Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Se a viagem pode ter efeitos positivos no seu eleitorado, o mesmo vale para "Bibi" Netanyahu. Imerso em polêmicas por denúncias de corrupção, seu trunfo para vencer a eleição é a política externa. Bolsonaro será mais uma peça na propaganda eleitoral de "Bibi".