Valor econômico, v.19, n.4701, 01/03/2019. Política, p. A10

 

Bolsonaro diz que pode reduzir idade mínima para mulheres na reforma 

Monica Gugliano 

01/03/2019

 

 

Em um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro reconheceu que há alguma "gordura" para queimar no projeto da reforma da Previdência, enviado ao Congresso e citou como um dos pontos passíveis de mudança a redução da idade mínima de 62 anos para as mulheres - prevista no texto - para 60.

Outro ponto seria a regra do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A proposta da equipe econômica prevê que idosos pobres só passariam a receber salário mínimo ao completar 70 anos. A partir dos 60, receberiam R$ 400 por mês. Hoje, o benefício do mínimo é pago a partir dos 65 anos.

Ao lado do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e de alguns ministros como o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e do porta-voz José do Rêgo Barros, o presidente recebeu, na manhã de ontem, um grupo de 15 jornalistas. Bem-humorado, o presidente disse que esse seria o primeiro de uma série de encontros que pretende ter com representantes dos principais veículos da comunicação do Brasil.

Ainda que as mudanças na Previdência tenham sido mencionadas como imprescindíveis, Bolsonaro frisou que de forma nenhuma irá ceder ministérios ou cargos para facilitar a aprovação da emenda constitucional porque esse tipo de comportamento de troca tem que "acabar no Brasil". Ele contou que ao receber no Palácio da Alvorada líderes de partidos e parlamentares fez questão de deixar isso muito claro e que pediu "humildemente" aos políticos que "pensem no futuro da Nação". Também assegurou que ele mesmo se engajará nesse trabalho de convencimento, ao lado dos ministros e líderes do governo no Congresso. O presidente disse que pretende ficar durante o Carnaval em Brasília, inclusive, fazendo esse contato por telefone, corpo a corpo, com os parlamentares, com os líderes partidários.

Bolsonaro disse que não mudará a forma como vem fazendo a divisão de cargos no governo, que segundo ele se dá por meio de critérios técnicos. O presidente disse que poderão até acontecer indicações de políticos, desde que elas respeitem preenchidos as exigências necessárias para o exercício da função.

Ao ser perguntado se aceitaria conversar com o presidente Nicolás Maduro, Bolsonaro disse que sim, desde que a conversa tivesse por finalidade abrir um caminho que conduza a Venezuela à democracia. "Eu posso. Eu posso ter um contato com o Nicolás Maduro, se ele quiser, se ele assim o desejar, desde que seja para tratar da redemocratização, da volta da democracia à Venezuela, com a instituição de eleições livres, com observação internacional e a retomada da democracia na Venezuela, com a participação ampla numa eleição."

E, em tom de brincadeira, o presidente comentou: "Se até o presidente Donald Trump se encontrou com o presidente norte-coreano, por que eu não posso falar com Nicolás Maduro, se for do interesse da Venezuela e do interesse do povo brasileiro?" Pouco depois da entrevista, Bolsonaro receberia o autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, que está no Brasil desde ontem (ver também página A2).

Ainda falando sobre relações internacionais, o presidente destacou a importância de o Brasil retomar o protagonismo que sempre teve no mundo e observou que a intenção de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém está "em banho-maria". "Essa não é uma questão tão fundamental na relação entre os dois países", disse.

A intenção de promover a mudança da embaixada que chegou a ser anunciada nos primeiros dias do governo, segundo ele não é algo tão fundamental neste momento. Bolsonaro também contou ouviu um apelo da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para "pensar direito" sobre o tema. Os países árabes, importantes compradores de carne brasileira reagiram muito mal à ideia da transferência. E Bolsonaro, que deve fazer uma visita a Israel ainda em março, disse que antes disso receberá representantes da comunidade árabe no Brasil.

Bolsonaro disse que determinou ao ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, que pedisse desculpas pelo episódio em que solicitou às escolas que gravassem e enviassem para o governo imagens de estudantes cantando o Hino Nacional. Em carta enviada as escolas, Vélez também pediu a leitura de um texto que finalizada com o slogan usado por Bolsonaro na campanha eleitoral ("Brasil acima de tudo, Deus acima de todos"). Após a má repercussão do caso, Vélez recuou.

Segundo Bolsonaro, a ideia de incentivar estudantes a cantarem o Hino foi objeto de uma conversa dele com Vélez alguns dias antes. "Aí o Vélez apareceu com aquela mensagem", disse. "O objetivo não era esse", completou.

Mesmo assim, o presidente disse que, em sua opinião, o tema não merecia tanta repercussão. Ele mencionou uma lei de 2009 que já trata da execução do Hino nas escolas. Citou que a norma foi assinada pelo então presidente em exercício, José Alencar (vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), e pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad, seu rival na eleição de 2018.

Prestes a completar dois meses de governo, o presidente disse que sente falta do "aconchego" de sua casa em um condomínio na Barra da Tijuca (RJ). Observou que no Palácio do Alvorada tudo é muito grande, que às vezes "caminha 30 metros para ir até o banheiro e que, em alguns momentos, têm a sensação de ser "um preso sem a tornozeleira eletrônica".

Também falou sobre o relacionamento com os filhos e afirmou que eles "não mandam" em seu governo. Bolsonaro lamentou o episódio que resultou na demissão do ex-ministro Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência que caiu em meio a uma troca de acusações com o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o filho do meio do presidente.

Ao comentar sobre sua expectativa de que o caso envolvendo Adélio Bispo, que o esfaqueou durante a campanha em Juiz de Fora, seja solucionado ainda no mês de março, Bolsonaro lembrou que teve muito medo de morrer. Com os olhos marejados, disse que, num primeiro momento, não se deu conta do tamanho e da gravidade da agressão que havia sofrido. Mas que, ao chegar ao hospital onde recebeu o primeiro atendimento, e perceber que corria um risco real de morte pensou na filha Laura de apenas oito anos. "Tive muito medo de ir embora e deixá-la sem um pai", contou, emocionado.

Embora reconheça que durante a campanha e ainda agora a comunicação do governo tenha estado mais focada nas mídias sociais, Bolsonaro assinalou que gostaria de estimular e ampliar o contato com os jornalistas. Segundo ele, o trabalho da imprensa é fundamental no esclarecimento da opinião pública e dos próprios parlamentares sobre a imprescindível reforma da Previdência. "A população e o Congresso devem ter claro que sem a reforma não há solução para os grandes problemas nacionais e tampouco perspectiva para nosso País e que para isso é preciso muito mais do que redes sociais. Preciso do apoio de vocês", afirmou.