Valor econômico, v.19, n.4714, 22/03/2019. Política, p. A6

 

Temer é preso por suspeita de liderar organização criminosa 

André Ramalho

Rodrigo Polito 

Rafael Rosas 

André Guilherme Vieira 

22/03/2019

 

 

O ex-presidente Michel Temer (MDB) foi preso preventivamente, ontem, pela "Operação Descontaminação", deflagrada pela Lava-Jato no Rio de Janeiro, por suspeita de obstruir investigações sobre atos de corrupção e lavagem.

Temer é apontado como líder de uma organização criminosa que movimentou, segundo o Ministério Público Federal (MPF), R$ 1,8 bilhão, em valores prometidos, pagos ou desviados. O montante se refere a um somatório de propinas que seriam recebidas pelo grupo do ex-presidente, ao longo de vários anos, identificadas em 10 diferentes frentes de investigação, segundo o MPF.

Além de Temer, que teve oito telefones celulares judicialmente interceptados na véspera da prisão, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, determinou a prisão preventiva de outras sete pessoas, incluindo o ex-ministro de Minas e Energia Moreira Franco e João Baptista Lima Filho, o Coronel Lima, amigo de décadas de Temer e suposto operador financeiro dele.

Os pedidos de prisão ocorreram em decorrência de investigações sobre pagamento de propina que envolveria as obras da usina nuclear de Angra 3, da Eletronuclear, controlada pela estatal Eletrobras.

O juiz Bretas decidiu que, por uma questão de "tratamento isonômico ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva", preso em sala da PF de Curitiba, Temer ficará na PF do Rio, atendendo a pedido da defesa do emedebista. Ele foi detido em São Paulo, a 800 metros de sua casa, no Alto de Pinheiros. Moreira Franco foi preso no aeroporto do Rio, após chegar de Brasília.

A Descontaminação é um desdobramento de outras três operações, a Pripyat, Irmandade e Radioatividade. Nesta última, em julho de 2015, foi identificada a atuação de uma organização criminosa nas obras de Angra 3, que levou à condenação, dentre outros, do então presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, e de um dos sócios da Engevix, José Antunes Sobrinho - que firmou a delação premiada que originou a "Descontaminação".

Além de Temer, de Moreira e do Coronel Lima, foram decretadas as prisões preventivas de Maria Rita Fratezi, entre outros. A Polícia Federal (PF) informou ontem que dois mandados não foram cumpridos, sem especificar quais.

O procurador da República Eduardo El Hage, um dos integrantes da força-tarefa, disse que Othon, "foi colocado na Eletronuclear por obra do Michel Temer e como contrapartida pela sua indicação, foi exigida a contratação da empresa Argeplan pela Eletronuclear". A Argeplan, empresa da qual Lima é sócio, foi então subcontratada pelo consórcio vencedor da licitação para serviço de engenharia em Angra3, "uma tarefa que ela [Argeplan] não tinha a menor capacidade de executar".

O contrato com a Eletronuclear do qual a Argeplan participa foi assinado pela empresa da Finlândia AF Consult Ltd, em 2012, dois anos após a abertura de concorrência internacional no valor de R$ 162,2 milhões, na época. Esse contrato exigia que a multinacional subcontratasse parceiras brasileiras. As escolhidas foram AF Consult Brasil Ltda, constituída em 2006, e a Engevix, do coronel Lima. A Argeplan entrou no negócio como sócia da AF Consult Brasil.

El Hage disse que a Argeplan foi contratada para verter dinheiro público para Temer. "Isso está muito bem comprovado na ação cautelar, pela quebra do sigilo telemático e dos e-mails encontrados no computador do Othon em 2015, que comprovam que os valores que a Eletronuclear pagou para a Argeplan eram vantagens indevidas por serviço não executado".

O conteúdo dos e-mails apreendidos pelos investigadores reforçou as suspeitas de que haveria propinas nos contratos. O caso acabou sendo enviado à Justiça Federal em 2015. Depois a investigação foi remetida ao Supremo TRibunal Federal (STF) por envolver Temer, que detinha foro presidencial. Com o fim do mandato acabou também o privilégio de foro e os autos foram para o juiz Bretas.

A investigação que resultou nas prisões de ontem envolve a suspeita de pagamento de R$ 1,1 milhão em propina em troca do contrato com a Argeplan. Segundo o MPF, os pagamentos foram "solicitados por João Baptista Lima Filho e pelo ministro Moreira Franco, com anuência de Michel Temer".

O procurador Sergio Pinel disse que Moreira Franco recebeu pagamentos da Engevix, sendo um deles feito por transferência bancária. Segundo Pinel, o delator Sobrinho prestou contas do pagamento ao Coronel Lima e a Moreira, com registro de ligação telefônica. A PF também encontrou indícios de outras operações ilícitas, que caracterizam a existência de organização criminosa, segundo o MPF.

"A organização criminosa investigada teria um núcleo político, o qual tornaria possível o benefício a empresas e empresários dispostos a pagar vantagens", disse o superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi.

Ele explicou haver "núcleos empresariais dispostos a pagar vantagens ilícitas para ter vantagens" e ainda "um núcleo financeiro que cuida do recebimento, distanciamento, ocultação e integração dos valores, e em algumas oportunidades, um núcleo administrativo que faria a ligação entre o núcleo político e o núcleo empresarial".

A procuradora Fabiana Schneider disse que o Coronel Lima e Temer atuam juntos desde a década de 1980. "Ambos se conheceram quando Michel Temer ocupou a secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e o Coronel Lima era o seu assessor militar. A gente verificou que, na mesma época, Lima passou a atuar na empresa Argeplan, que vem atuando ao longo das décadas em diversos contratos públicos", disse ela.

Ainda de acordo com Fabiana, áudios coletados sobre a entrega da mala de dinheiro ao deputado Rocha Loures, em 2017, revelam que o Coronel Lima intermediava as ligações para entrega de dinheiro a Temer. Segundo a procuradora, planilhas revelaram promessas de pagamentos registradas no codinome MT, de Michel Temer.

"A reforma na casa de Maristela Temer [filha de Temer] não deixa dúvidas de como a organização atuava e como o dinheiro entrava na Argeplan e saía em lavagem de dinheiro em benefício da família Temer", disse. "Maristela Temer recebeu um benefício econômico de pelo menos R$ 1,6 milhão através de obra capitaneada pela Maria Rita Fratezi, esposa do Coronel Lima", destacou. Fotos de celular da Maria Rita revelam que ela realizava a supervisão e pagamentos dos fornecedores dessa obra.

Ontem, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) recebeu o pedido de habeas corpus feito pela defesa de Temer. O recurso foi distribuído para o desembargador federal Ivan Athié, que já era o relator da operação Pripyat. Até o fechamento desta edição o TRF-2 não havia recebido pedido de habeas corpus de Moreira Franco. Na decisão em que decretou a prisão de Temer, Bretas disse indiretamente que eventual pedido de liberdade do emedebista não deve ser relatado por Gilmar Mendes, do STF - sem citar o ministro.

A opinião de Bretas é compartilhada pelos procuradores da força-tarefa. Segundo El Hage, um eventual habeas corpus no STF deveria ficar nas mãos de Edson Fachin ou Luis Roberto Barroso. El Hage explicou que Gilmar Mendes é o relator no STF de todos os casos conexos com a Calicute, mas que a operação de hoje não é um desdobramento dessa operação, e sim da Radioatividade, que ficou com Fachin. E Barroso, por sua vez, foi o ministro que homologou a delação de Sobrinho, da Engevix.

Segundo José Augusto Vagos, procurador regional da República no Rio, a decisão de Bretas é clara sobre não haver conexão com crimes eleitorais.

Em nota, o advogado de Temer, Eduardo Carnelós, disse que a prisão "constitui mais um, e dos mais graves, atentados ao Estado Democrático e de Direito no Brasil". Afirmou ainda que os fatos da investigação foram relatados por delator, e remontam ao primeiro semestre de 2014. "Dos termos da própria decisão que determinou a prisão, extrai-se a inexistência de nenhum elemento de prova comprobatório da palavra do delator".

Advogado do Coronel Lima, Maurício Silva Leite disse "estar perplexo com a prisão" e que a Procuradoria-Geral da República já se posicionou sobre esses fatos e concluiu não haver razão para prisão.

Defensor de Moreira Franco, Antonio Pitombo, declarou "inconformidade" com a prisão e disse que o ex-ministro estava "em lugar sabido, estava à disposição nas investigações em curso, prestou depoimentos e se defendeu por escrito quando necessário". Ele também questionou a competência do juízo para julgar o caso.

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Ex-presidente é alvo de dez inquéritos judiciais 

Luísa Martins 

22/03/2019

 

 

Preso preventivamente ontem no âmbito da Operação Lava-Jato, o ex-presidente Michel Temer responde a dez inquéritos na primeira instância da Justiça.

O caso que o levou à detenção é relacionado ao suposto recebimento de propina pela construtora Engevix, em troca de contrato para um projeto da usina Angra 3, da Eletronuclear. A investigação está na 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

Em sua delação premiada, o dono da Engevix, José Antunes Sobrinho, narrou ter pago R$ 1 milhão em vantagens indevidas, a pedido do ex-ministro Moreira Franco (também preso ontem) e do coronel João Baptista Lima Filho, amigo de Temer.

Segundo os investigadores, a Argeplan, de propriedade atribuída à Lima, tinha Temer como o real dono. A empresa teria entrado no consórcio de Angra 3 junto à Engevix, com o objetivo de repassar dinheiro ao ex-presidente - e também está no centro de outros inquéritos contra ele.

Um deles tramita na Justiça Federal de São Paulo e trata sobre um contrato supostamente irregular entre a Argeplan e a Fibria Celulose S/A, no valor de R$ 15,5 milhões. São investigadas, ainda, 58 transações financeiras entre a Construbase Engenharia e a PDA Projeto e Direção Arquitetônica, outra empresa atribuída ao coronel Lima, envolvendo a cifra de R$ 17 milhões.

Em São Paulo também corre um inquérito que apura possível superfaturamento em contrato de R$ 100 milhões firmado entre a Argeplan e o Tribunal de Justiça do Estado, para a construção de 36 fóruns, com desvios para Temer; e outro em que ele é suspeito de lavagem de dinheiro ao reformar o apartamento da filha, Maristela, por meio da Argeplan - a obra teria custado cerca de R$ 2 milhões, metade financiada com propina do grupo J&F.

A investigação sobre a fraude no chamado decreto dos Portos, na Justiça Federal de Brasília, também envolve a Argeplan. Com base nas delações de executivos da J&F, Temer acabou denunciado por corrupção passiva e lavagem ao beneficiar empresas na edição do decreto. As vantagens indevidas teriam sido recebidas por meio de empresas de fachada, entre elas a construtora do coronel Lima.

Em mais um inquérito sobre portos, há suspeitas do envolvimento do ex-presidente em um contrato fictício de prestação de serviços da empresa Pérola S/A no porto de Santos, no valor de R$ 375 mil.

Também pesa contra o emedebista denúncia por corrupção passiva no caso da mala de R$ 500 mil flagrada com o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB), seu ex-assessor. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o dinheiro seria propina da J&F a Temer.

Em outra investigação, apura-se se o ex-presidente, por intermédio de Loures, ofereceu ao empresário Joesley Batista, do grupo J&F, indicações de nomeações para órgãos como o Banco Central, a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Temer é alvo, ainda, do inquérito conhecido como "quadrilhão do MDB", em que é denunciado por liderar organização criminosa dentro do partido. O grupo - formado também por Loures, pelo ex-deputado Eduardo Cunha e os ex-ministros Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha e Moreira - teria recebido mais de R$ 587 milhões em propina desviada de diversos órgãos públicos, como Petrobras e Caixa Econômica Federal.

Essa investigação também abarca a denúncia de obstrução de Justiça contra o ex-presidente, relativa à ocasião em que ele foi gravado incentivando Joesley a comprar o silêncio de Cunha, preso pela Lava-Jato em Curitiba.

Temer ainda é alvo de um inquérito que apura o recebimento de R$ 10 milhões da Odebrecht, em troca de favorecimento aos interesses da empreiteira no governo. O dinheiro foi negociado em 2014 durante um jantar no Palácio do Jaburu - na ocasião, o emedebista era vice-presidente da República.

O ex-presidente nega as acusações, às quais costuma qualificar como "ilações". Diz não ter cometido irregularidades, nem concedido benefícios a empresas ou agentes públicos.