O Estado de São Paulo, n. 45991, 18/09/2019. Política, p. A4

 

Sob pressão, Senado recua de aliviar punição a partidos

Daniel Weterman

Mariana Haubert

18/09/2019

 

 

Congresso. Senadores retiram de projeto regras que flexibilizavam prestação de contas e controle das siglas, mas deixam brecha para ampliar fundo público que financia campanhas

Plenário. Após repercussão negativa, senadores deixaram de fora do projeto trecho que dificultava fiscalização a partidos

O Senado aprovou ontem projeto que permite aumentar o valor destinado ao fundo eleitoral, principal fonte de recursos para as campanhas políticas. O texto também amenizava punições e dificultava a fiscalização de partidos, mas, diante da repercussão negativa, os senadores recuaram e desistiram de aprovar as mudanças na legislação. Caberá agora à Câmara decidir se retoma o pacote de benesses às legendas ou se mantém o projeto sem essas alterações.

O senador Weverton Rocha (PDT-MA), relator da proposta, disse que houve compromisso de deputados e senadores de destinar “apenas” R$ 1,71 bilhão ao fundo, o mesmo valor de 2018. O acordo, no entanto, está apenas apalavrado, pois não consta no texto aprovado ontem.

À noite, um grupo de deputados se reuniu com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e manifestou disposição de aprovar ainda hoje modificações no projeto, para que seja mantido o texto original. Antes, a proposta reduzia a fiscalização sobre a prestação de contas dos partidos, abrindo brecha para o caixa dois nas campanhas.

O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse esperar que o Congresso não aumente o valor do fundo eleitoral para as eleições de 2020. “Quando a gente afirma categoricamente uma coisa que depende dos votos (e não cumpre), pode parecer que a gente falou uma coisa e fez outra”, afirmou Alcolumbre, sobre o compromisso verbal, assumido pelo Senado, de que o fundo não seria ampliado.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI), presidente da Comissão Mista de Orçamento, disse que fará “de tudo” para que o acordo seja respeitado, mas cobrou empenho dos líderes partidários para convencimento de deputados e senadores. Parlamentares tentam aumentar o valor do fundo para R$ 3,7 bilhão.

Na prática, o fundo eleitoral é a principal fonte de recursos das campanhas desde a eleição passada. Foi criado como uma alternativa à proibição da doação empresarial para candidaturas. Esse movimento foi feito em 2015, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em resposta à Operação Lava Jato, que revelou o uso de caixa dois em uma série de campanhas políticas.

O projeto foi aprovado ontem pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário do Senado em um intervalo de duas horas e meia, tempo recorde para a discussão de temas polêmicos na Casa. Se a Câmara retomar o texto original, derrotado ontem, o desgaste de vetar recairá sobre o presidente Jair Bolsonaro.

O governo tentou fazer um acordo com senadores para aprovar o projeto a tempo de valer para as eleições de 2020, mas, por causa da pressão de redes sociais e de entidades de transparência nas contas públicas, isso não foi possível. Para entrar em vigor na disputa municipal do ano que vem, Bolsonaro terá de sancionar o texto até o dia 4 de outubro, um ano antes da eleição. Para não expor o voto dos senadores, o escrutínio foi simbólico, quando os parlamentares não precisam se posicionar. Mais midiática, a bancada do PSL, partido do Bolsonaro, registrou voto contra. A exceção foi o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que está em viagem oficial à China.

Da mesma forma fizeram os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Plinio Valério (PSDB-AM), Rodrigo Cunha (PSDB-AL), Styvenson Valentin (Podemos-RN), Reguffe (sem partido), Lasier Martins (PSD-RJ), Jorge Kajuru (Patriota-GO), Leila Barros (PSB-DF), Arolde Oliveira (PSD-RJ), Antonio Anastasia (PSDB-MG), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Jorginho Mello (PL-SC) e Oriovisto Guimarães (Podemos –PR).

“Mostramos que estamos aqui para servir ao povo, não para nos servir. Espero que eles aprendam a lição. Nós somos uma Casa revisora, não uma Casa carimbadora”, afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS).

 

Projeto. Entre outros pontos, o texto aprovado pelos deputados e rejeitado ontem no Senado afrouxava regras para sanção a partidos. A aplicação de multas por desaprovação das contas, por exemplo, só ocorreria se ficasse comprovada a intenção de cometer a irregularidade. A exigência poderia dificultar a punição a partidos que cometerem irregularidades no uso dos recursos públicos. O projeto também previa anistia a multas aplicadas aos partidos em casos de processos ainda com julgamentos pendentes na Justiça Eleitoral.

Outra alteração proposta que causou polêmica permitia que cada partido utilizasse um sistema diferente para prestação de contas e ampliava as possibilidades de uso dos recursos públicos. O projeto permitia, por exemplo, a contratação de advogados para bancar a defesa de filiados acusados de corrupção. O Estado apurou que a Câmara quer encaixar novamente esse trecho no projeto.

O texto que havia recebido sinal verde da Câmara também permitia ao partido pagar passagens aéreas de pessoas não filiadas para participação em palestras, reuniões, convenções e palestras. Autorizava, ainda, o retorno da propaganda partidária, extinta na reforma eleitoral aprovada em 2017, para que os gastos pudessem ser revertidos para o financiamento de campanhas.

“Achamos que deve ser mantido o entendimento que foi feito na Câmara”, disse à noite o deputado Augusto Coutinho (PE), líder do Solidariedade. “Vamos trabalhar para isso.”

'Estratégia'

“A Câmara dos Deputados definirá se confirma a nossa estratégia. Há uma declaração pública do colégio de líderes de que irão votar o valor absoluto da eleição do ano passado. R$ 1,7 bilhão é o que será votado na CMO (Comissão de Mista de Orçamentos Públicos) neste ano.”

Weverton Rocha (PDT-MA)

RELATOR NO SENADO DA PROPOSTA QUE ALTERA REGRAS ELEITORAIS

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Juíza Selma fez emenda que poderia beneficiá-la no TSE

Thiago Faria

Daniel Weterman

Breno Pires

18/09/2019

 

 

A senadora Juíza Selma (PSL-MT) apresentou uma emenda ao projeto de lei dos partidos que abria brecha para beneficiá-la em processo eleitoral que pode resultar na cassação do seu mandato. Após ser questionada pelo Estado sobre a inclusão, a senadora recuou e retirou a sugestão da emenda.

Se a proposta da senadora fosse acatada, não apenas os partidos, mas também os candidatos seriam beneficiados com regras mais brandas de punições e fiscalização pela Justiça Eleitoral. Os candidatos, por exemplo, poderiam refazer suas prestações de contas enquanto eventual processo contra eles não tiver sido julgado em última instância.

A senadora teve o mandato cassado pelo TRE do Mato Grosso por suspeita de caixa 2 no valor de R$ 1,2 milhão na última campanha eleitoral. O caso, porém, ainda não foi julgado pelo TSE, o que permite que ela continue exercendo o mandato. Na semana passada, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a dar parecer pela cassação da senadora – que é juíza aposentada e se elegeu com a alcunha de “Moro de saias”.

‘Sem sanção’. O Estado consultou dois advogados, dois procuradores eleitorais e um especialista em contas partidárias sobre a emenda proposta pela senadora. Todos disseram que, da forma como foi a apresentada, a emenda poderia favorecêla, uma vez que as novas regras alcançariam contas já prestadas, mas que ainda não tiveram julgamentos encerrados. Uma autoridade a par do processo, sob condição de anonimato, traduziu: “É como se tudo que fosse considerado caixa 2 pudesse ser incluído como caixa 1 ‘sem cominação de sanção a partido ou candidato’”.

Selma negou que a mudança teria impacto no processo que responde no TSE. Segundo a assessoria de imprensa da ex-juíza, ela havia sugerido a inclusão da emenda “com o objetivo de dar um sentido geral ao texto”.

A deputada afirmou, ainda, que o fato de apresentar uma emenda não significa concordância com o conteúdo do polêmico projeto de lei.