O Estado de São Paulo, n. 45991, 18/09/2019. Política, p. A8

 

Juízes mantêm ações com dados do Coaf

Ricardo Brandt

Caio Sartori

18/09/2019

 

 

Bretas e desembargador entendem que despacho de Toffoli não beneficia maior parte de recursos em operação que levou a caso Queiroz

A Justiça Federal no Rio, em primeira e segunda instâncias, negou para réus da Operação Furna da Onça a maior parte dos pedidos de extensão da decisão que suspendeu a investigação sobre suspeita de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa. Operação que deu origem ao caso Queiroz, a Furna apura pagamento de “mensalinho” a integrantes da base aliada dos ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos do MDB. Pelo menos dez parlamentares e ex-parlamentares fluminenses foram presos nos últimos dois anos.

Em julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, acatou pedido da defesa do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro e mandou parar investigações em todo País em que houve compartilhamento de dados da Receita Federal, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e do Banco Central com o Ministério Público sem prévia autorização judicial.

Desde então, pelo menos oito – dos 29 réus da Furna da Onça – pediram a extensão da decisão de Toffoli. Desses oito, cinco tiveram o benefício negado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio – responsável pela Lava Jato no Estado –, e pelo desembargador Paulo Espírito Santo, da 1.ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região.

Foi na Furna da Onça que surgiu o relatório do Coaf com movimentações suspeitas do ex-assessor Fabrício Queiroz, que trabalhou no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia. Revelado pelo o relatório deu origem, em 2018, a uma investigação do Ministério Público do Rio contra o hoje senador – a principal suspeita é a de prática da chamada “rachadinha”, quando o servidor repassa parte ou totalidade de seu salário para o político que o contratou.

As defesas dos réus têm usado o despacho de Toffoli como argumento para trancar seus processos, além de alegarem falhas de procedimento e prolongamento excessivos de prisões cautelares decretadas por Bretas.

O entendimento, no entanto, foi o de que a decisão de Toffoli tem restrições a serem consideradas e não pode ser estendida automaticamente a todos os casos que tenham relatórios de inteligência financeira como os elaborados no caso Queiroz.

Um dos pontos em discussão é se o relatório do Coaf detalha movimentações consideradas atípicas e se foi usado para abrir investigação sem autorização judicial. Outra questão é se o caso envolve réu preso provisoriamente. “Não há possibilidade de suspender a persecução com relação a réu que se encontra preso provisoriamente, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal”, disse o desembargador Espírito Santo.

No próximo dia 26, os seis desembargadores da 1.ª e da 2.ª Turmas Especializadas da Corte vão analisar pedidos de suspensão de processos dos deputados Luiz Martins (PDT) e Marcos Abrahão (Avante). Reeleitos, os dois foram presos na Furna da Onça, em novembro de 2018, e não tomaram posse.

O Ministério Público apresentou parecer contra os pedidos. Para os procuradores, “a decisão da presidência do STF não teria relação com a ação da Furna da Onça” e os casos do Rio envolvem o compartilhamento de dados da Receita com autorização judicial. “Não há dúvidas quanto à gravidade dos fatos nem quanto ao risco de continuidade delitiva. Não há que se falar, portanto, em suspensão das ações, pois o risco de reiteração da conduta permanece.”

Alcance. O ex-vereador Daniel Barbiratto de Almeida – suposto operador financeiro do deputado Luiz Martins – foi o único a conseguir, até agora, a suspensão do processo usando a decisão de Toffoli. A liminar foi concedida em agosto e Almeida passou para o regime domiciliar.

O desembargador do TRF-2 afirmou que, nesse caso, o documento do Coaf “não se ateve apenas a identificar dados cadastrais genéricos” e serviu de “base tanto para a deflagração da ação penal quanto para a decretação da custódia preventiva”. Após essa decisão, o ex-deputado Edson Albertassi (MDB), o ex-secretário Affonso Henrique Monnerat e três assessores entraram com recurso solicitando o trancamento de seus processos. Todos foram rejeitados.

PARA ENTENDER

Operações miram Alerj

- Operação Calicute

Em novembro de 2016, a Lava Jato no Rio prendeu o ex-governador Sérgio Cabral (MDB). Um esquema de desvios e corrupção foi revelado, com suspeitas de crimes na Assembleia.

- Operação Cadeia Velha

Em novembro de 2017, nova operação prendeu o então presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, e os deputados Paulo Melo e Edson Albertassi – todos do MDB.

- Operação Furna da Onça

Em novembro do ano passado foi deflagrada a operação que deu origem ao caso Queiroz e que apura a suspeita da prática de “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia.

- Denúncia

O Ministério Público denunciou 29 pessoas criminalmente na Furna da Onça. Os processos foram abertos na 7ª Vara Criminal Federal do Rio, nos casos em que os alvos não tinham foro privilegiado, e no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), para os deputados com mandato.

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No último dia na PGR, Raquel contesta decisões de Bolsonaro

Rafael Moraes Moura

18/09/2019

 

 

Em parecer e ações, procuradora-geral ataca bandeiras do presidente, como porte de armas e Escola sem Partido
 

Despedida. Raquel Dodge encerrou ontem seu mandato de dois anos no comando da PGR

No último dia do seu mandato, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ontem um parecer pedindo que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a inconstitucionalidade de seis decretos do governo Jair Bolsonaro que alteraram as regras de porte e posse de armas. Em outra frente, Raquel apresentou também três ações ao Supremo que contestam outras iniciativas do governo federal: o Escola sem Partido e mudanças promovidas nas composições dos conselhos nacionais do meio ambiente (Conama) e dos direitos da criança e adolescente (Conanda).

Nas últimas semanas, Raquel fez gestos de aproximação com o Palácio do Planalto, mas ainda assim Bolsonaro decidiu não reconduzir a procuradora-geral para mais dois anos de mandato. O presidente escolheu o subprocurador-geral da República Augusto Aras para suceder a Raquel no comando do Ministério Público Federal (MPF) – o nome de Aras ainda precisa ser aprovado pelo Senado.

No caso das alterações das regras de posse e porte de armas, por exemplo, Raquel afirmou que os decretos assinados pelo presidente Bolsonaro afrontam “o princípio da separação dos Poderes” e substituem o papel do Poder Legislativo “na tomada de decisão acerca da política pública sobre porte e posse de armas de fogo”.

O parecer da procuradora foi encaminhado no âmbito de uma ação ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade em maio deste ano.

Liminar. Já na ação que mira o projeto Escola sem Partido – uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro – Raquel pediu que o Supremo conceda imediatamente uma liminar para suspender qualquer ato do Poder Público “que autorize ou promova a realização de vigilância e censura da atividade docente com base em vedações genéricas e vagas à ‘doutrinação’ política e ideológica” e “à abordagem de questões relacionadas a gênero e sexualidade no ambiente escolar”.

“Não será esterilizando o processo educativo à reflexão e ao embate ideológico que se obterão melhores resultados no desenvolvimento dos alunos”, escreveu Raquel na ação encaminhada ao Supremo. “Entre a vedação apriorística de conteúdos e a liberdade de ensino, esta é preferível”, completou.