O Estado de São Paulo, n. 45991, 18/09/2019. Metrópole, p. A14

 

PGR pede federalização do caso Marielle e quer investigar político como mandante

Breno Pires

Fábio Grellet

18/09/2019

 

 

Violência. Se o pedido for aceito pelo STJ, o principal alvo será o conselheiro afastado do Tribunal de Contas Domingos Brazão, que a procuradora também denunciou à Justiça por obstrução do processo; a polícia fluminense não comentou, mas o MP-RJ criticou Dodge

A procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, pediu ontem a federalização do inquérito do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, sob alegação de “ineficiência” na apuração pela esfera estadual. Além disso, solicitou a investigação do conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio Domingos Brazão como suspeito de ser mandante e o denunciou à Justiça por obstrução.

Marielle foi executada em março de 2018. Se aceito o pedido, será aberto um novo inquérito sobre Brazão. Caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir se o caso será deslocado. “Há inércia e dificuldade de investigar e identificar os mandantes, elucidando esta parte da trama criminosa”, justificou a PGR. Procurada, a Polícia Civil do Rio disse que não vai comentar o pedido. O advogado Ubiratan Guedes, que defende Brazão, afirmou estar viajando e só se manifestará após ler a denúncia. Para ele, porém, Dodge faz “sensacionalismo”.

O Ministério Público Estadual do Rio, que também participou da investigação do caso, criticou duramente Dodge, afirmando que a procuradora está obstinada. “Trata-se de atitude reincidente, uma vez que tentativa semelhante foi executada no ano passado, menos de 24 horas após as execuções.”

De acordo com a PGR, Brazão se aliou a um dos funcionários de seu gabinete – Gilberto Ribeiro da Costa –, ao PM Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, à advogada Camila Nogueira e ao delegado da Polícia Federal Hélio Khristian. O objetivo seria fazer as investigações em âmbito estadual “passarem longe dos reais autores do crime”. A reportagem não conseguiu contato com os demais citados. Mesmo se o pedido for negado pelo STJ, a investigação federal sobre Brazão continuará – por denúncia pelo crime de obstrução de justiça, inserir declarações falsas em documento oficial e favorecimento pessoal mediante uso de cargo público.

“Foram engendrados depoimentos que conduziram a Polícia Civil, a um certo tempo, a indicar que os autores eram pessoas que não tinham participado da atuação”, alegou Dodge. A acusação e o pedido de abertura de inquérito não alteram o processo sobre os supostos executores do crime, Ronnie Lessa e Elcio Queiroz, já presos. O caso continuará no Rio de Janeiro.

Um relatório da Polícia Federal aponta Brazão como mentor intelectual do assassinato, com base em depoimentos, interceptações, busca e apreensões e análise de conversas via WhatsApp. A PF cita, ainda, interceptações telefônicas que conectam Domingos Brazão a milicianos do denominado Escritório do Crime – formado por matadores de aluguel.

Histórico. Os obstáculos à investigação do caso Marielle teriam começado em maio, quando Ferreirinha procurou a Polícia Civil para dizer que tinha uma suspeita sobre a autoria do crime. Ele apontou o miliciano Orlando Curicica e o vereador Marcelo Siciliano (PHS) como mandantes. Ferreirinha contou que Curicica e Siciliano teriam se encontrado quatro vezes para discutir o assassinato.

Curicica e Siciliano negaram envolvimento. Em depoimento em novembro de 2018 à PGR, Curicica disse que a Polícia Civil do Rio não tinha interesse em elucidar o caso e haveria pagamento de dinheiro a agentes públicos. As informações levaram a Polícia Federal a iniciar uma “investigação da investigação”, como definiu o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.

A PF chegou à conclusão de que Ferreirinha mentiu com intuito de atrapalhar a investigação e ele foi preso em operação em maio deste ano. No fim de 2017, Ferreirinha teria tido um desentendimento com Orlando Curicica, para quem trabalhou como motorista. Jurado de morte pelo ex-parceiro, teria resolvido montar a farsa contra o desafeto. O que a PGR apura agora é se, além desse motivo, Ferreirinha também agiu para encobrir o mandante do crime.

Freixo. O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), de quem Marielle foi assessora antes de se eleger vereadora, classificou como “estranha” a solicitação de Dodge. “Esse caso é muito emblemático e mereceria da procuradora algo menos açodado, feito com a responsabilidade que o caso merece. Se alguma prova leva ao ex-deputado (Brazão), que seja apresentada e ele responda.”

Federalização. A federalização de investigação é possível graças ao Incidente de Deslocamento de Competência, instrumento criado após mudança constitucional de 2004. Segundo esse dispositivo, o procurador-geral da República pode pedir deslocamento da Justiça Estadual para a Federal, quando houver grave violação de direitos humanos. Por ser conselheiro do TCE, Brazão teria ainda foro privilegiado no STJ.

O pedido de federalização pode ser feito em qualquer fase do inquérito e, como justificativa, a PGR tem usado evidências de que os órgãos do sistema estadual não demonstram condições de continuar no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso. Até 2015, segundo o último relatório do Ministério da Justiça sobre o assunto, houve quatro pedidos de deslocamento de competência no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por parte do PGR.

Em pelo menos dois registros, a investigação foi federalizada. Foram os casos do ex-vereador e ativista de direitos humanos Manoel Mattos, morto a tiros no interior paraibano em 2009, e do assassinato do promotor Thiago Farias, no interior de Pernambuco, em 2013.

PONTOS – CHAVE

STJ definirá competência de investigação

- Pedido de mudança

A procuradora-geral da República Raquel Dodge pediu federalização das investigações sobre a morte de Marielle Franco, ocorrida em 14 de março de 2018.

- Nova suspeita

Raquel Dodge ainda solicitou a investigação do conselheiro afastado do TCE do Rio Domingos Brazão como suspeito de ser o mandante do crime.

- Decisão

Caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir se a investigação será deslocada. O deputado Marcelo Freixo cobrou responsabilidade nas apurações.

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Bolsonaro sanciona a posse ampliada de arma em área rural

Julia Lindner

18/09/2019

 

 

É a primeira norma pró-armas aprovada no Congresso desde o início da atual gestão, que tem o tema como bandeira

O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem a posse estendida de arma de fogo em áreas rurais. A nova regra, aprovada pelo Congresso em agosto, permite carregar a arma por toda a propriedade, e não apenas na sede do imóvel rural, como era previsto até agora. É a primeira norma pró-armas aprovada no Congresso desde o início da gestão de Bolsonaro, que tem esse tema como bandeira.

Em processo de recuperação após uma cirurgia, Bolsonaro sancionou a proposta em evento fechado no Palácio da Alvorada. Entre os participantes da cerimônia estavam os ministros Fernando Azevedo, da Defesa, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, o deputado Affonso Hamm (PPRS), relator da medida na Câmara, e o senador Marcos Rogério (DEM-RO), autor do texto.

A justificativa de Marcos Rogério é de que esse projeto corrige um equívoco do Estatuto do Desarmamento, de 2003. Essa lei restringe a posse de arma de fogo no interior das residências e no local de trabalho, mas não particulariza a situação dos imóveis rurais. Há cerca de 5,9 milhões de propriedades desse tipo no País, segundo balanço até 31 de maio no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Nos últimos anos, entidades do agronegócio têm reclamado que a insegurança no campo eleva os custo da produção e leva à perda de competitividade dos produtores.

“O presidente fez questão de assinar para marcar o compromisso com o povo do campo”, disse Hamm. Segundo o deputado, Bolsonaro fez um apelo para que seja votado em breve o projeto que amplia para 40 pontos o limite da Carteira Nacional de Habilitação, mas não comentou o projeto na pauta do plenário da Câmara sobre o registro, posse e porte de armas.

Na reunião de líderes, parlamentares decidiram que votarão na próxima semana projeto de lei que abre possibilidade para ampliar as categorias profissionais com direito ao porte de armas (andar armado nas ruas). Hoje, o porte só é permitido para categorias descritas no Estatuto, como militares das Forças Armadas, policiais e guardas prisionais.

O relatório do deputado Alexandre Leite (DEM-SP) já foi apresentado ao plenário. Uma das mudanças propostas é a retirada do trecho que previa a concessão do porte para algumas categorias por meio de regulamento, como decretos, sem ser necessário uma mudança na lei. O texto original foi enviado por Bolsonaro ao Congresso em junho, após os decretos que haviam sido editados pelo governo sobre o tema terem sido derrubados pelo Legislativo.