O Estado de São Paulo, n. 45990, 17/09/2019. Economia, p. B1

 

Crescimento das despesas obrigatórias 'pagaria' até nove anos de Bolsa Família

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli

17/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Orçamento apertado. Em 2020, as gastos obrigatórios vão atingir 93% do Orçamento, segundo estimativas da equipe econômica; já as despesas com custeio da máquina e investimentos, chamadas de discricionárias, cairão R$ 35,9 bilhões no mesmo período

O crescimento das chamadas despesas obrigatórias, aquelas que o governo não pode deixar de pagar, vai superar o avanço do teto de gastos até 2020. De 2016, quando foi criada a regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação, até o ano que vem, essas despesas vão avançar R$ 266,2 bilhões, de acordo com previsão da equipe econômica obtida pelo ‘Estadão/Broadcast’.

O aumento nos gastos obrigatórios daria para pagar nove anos do programa Bolsa Família. A explosão dessas despesas, que incluem os salários dos servidores e aposentadorias, comprime o espaço para os outros tipos de gastos, como investimentos e recursos para bolsas de estudo, por exemplo.

Com o avanço, as despesas obrigatórias vão atingir 93% do Orçamento em 2020. Na direção oposta, as despesas com custeio e investimentos, chamadas de discricionárias, cairão R$ 35,9 bilhões no período.

De 2016 a 2020, as despesas com o pagamento de pessoal sairão R$ 257,87 bilhões para R$ 336,62 bilhões, uma diferença de R$ 78,75 bilhões. Com isso, os gastos com a folha estão consumindo uma fatia maior no orçamento, de 22,75%. O valor é 2,1 pontos porcentuais maior que em 2016, quando estava em 20,64%. A proporção em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) também subiu de 4,1% para 4,5% no mesmo período.

Com a reforma da Previdência já perto de ser aprovada pelo Congresso, o governo quer atacar as despesas com pessoal, a segunda maior do Orçamento.

Uma proposta de reforma administrativa está em fase final de elaboração pela equipe econômica e tem apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele defende, inclusive, alteração na estabilidade do servidor público no emprego (ou seja, permitir que os novos funcionários públicos sejam demitidos). Essa reforma, porém, é de iniciativa exclusiva do Executivo e não pode partir de um texto do Parlamento.

Os gastos com pessoal também são os principais alvos dos chamados “gatilhos”, medidas do ajuste fiscal, que o governo quer acionar mais rapidamente para frear o avanço das despesas obrigatórias. O principal instrumento seria a possibilidade de reduzir jornada e salário de servidores, medida que tem posição contrária no Supremo Tribunal Federal (STF).

A avaliação nos bastidores é que a aprovação da medida precisaria de amplo apoio, o que dificulta seu avanço no Congresso devido ao poder de pressão das categorias do funcionalismo. Por enquanto, só governadores e equipe econômica estão empenhados na tarefa.

Pelos dados do governo, a fatia das despesas previdenciárias dentro do teto avançará 5,5 pontos porcentuais no período de 2016 a 2020, pulando de 40,6% para 46,1%. No período, passam de R$ 507,87 bilhões para R$ 682,68 bilhões. Essas despesas o governo começou a atacar com a reforma da Previdência, mas ainda vê a necessidade de complementar o ajuste com a tentativa de restringir a correção automática pela inflação.

Os dados do governo, produzidos com base em informações do Tesouro e na proposta de Orçamento de 2020, mostram um preocupante aumento dos gastos com o pagamento de sentenças judiciais e precatórios (pagamentos devidos pela União após sentença definitiva), que aumentarão no período R$ 13,9 bilhões, sem contar os relacionados à Previdência e salários de servidores. Nesse caso, os gastos aumentarão R$ 22 bilhões , valor que assusta a área econômica pelo impacto e pelo “ativismo” do Judiciário nessas questões.

Avanço

682

bilhões de reais é para quanto devem avançar as despesas previdenciárias em 2020; em 2016, esse valor era de R$ 507,87 bilhões

Diferença

De 2016 a 2020, as despesas com o pagamento de pessoal sairão R$ 257,87 bi para R$ 336,62 bi, uma diferença de R$ 78,75 bilhões

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Sem correção do salário mínimo, economia pode ir a R$ 37 bilhões

Barbara Nascimento

17/09/2019

 

 

Equipe econômica quer que em momentos de desequilíbrio fiscal haja condições de congelar até aumentos nominais

Plano. Pedro Paulo propõe regulamentar a regra de ouro

A equipe econômica estuda retirar da Constituição a previsão de que o salário mínimo seja corrigido pela inflação. O congelamento poderia render uma economia entre R$ 35 bilhões e R$ 37 bilhões, segundo fontes da equipe econômica ouvidas pelo Estadão/Broadcast.

A ideia é que, em momentos de grave desequilíbrio fiscal, como o atual, haja condições de congelar mesmo os aumentos nominais (ou seja, dar a variação da inflação) da remuneração por alguns anos, até que a saúde das contas seja encaminhada.

Oficialmente, porém, a proposta de orçamento para o ano de 2020 prevê aumento do salário mínimo dos atuais R$ 998 para R$ 1.039 a partir de janeiro do ano que vem, levando em conta a variação da inflação. Há quem defenda, no entanto, não dar nem mesmo a inflação como reposição salarial para abrir espaço no Orçamento para despesas de custeio da máquina pública e investimentos.

Como o Estado mostrou, o Orçamento de 2020 pode começar com um alívio de R$ 202,6 bilhões, entre redução de despesas, aumento de receitas e diminuição da dívida pública, caso o Congresso Nacional aprove uma proposta que aciona mais rapidamente medidas de contenção dos gastos já previstos na Constituição e cria novos freios para as contas.

A ideia tem sido costurada com os deputados Pedro Paulo (DEM-RJ) e Felipe Rigoni (PSB-ES), respectivamente autor e relator de uma proposta que regulamenta a regra de ouro e tenta limitar o crescimento dos gastos obrigatórios. “Podemos apresentar uma proposta que preveja, por exemplo, não ter o reajuste por um ou dois anos em momentos de dificuldades fiscais. E isso abriria espaço para que outros benefícios também não sejam corrigidos”, disse uma fonte do governo.

Hoje, a Constituição prevê que é direito social do cidadão ter acesso a um salário mínimo “com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. Assim, o governo se vê obrigado a, todos os anos, recompor ao menos a inflação. Até o ano passado, a política de reajuste fixava uma correção pelo Índice de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior mais o Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Com o vencimento desse modelo, o governo se debruça sobre uma mudança.

A política de aumentos reais (acima da inflação) vinha sendo implementada nos últimos anos, após ser proposta pela então presidente Dilma Rousseff e aprovada pelo Congresso.

Os reajustes pela inflação e variação do PIB vigoraram de 2011 a 2019, mas nem sempre o salário mínimo subiu acima da inflação.

Em 2017 e 2018, por exemplo, foi concedido o reajuste somente com base na inflação porque o PIB dos anos anteriores (2015 e 2016) teve retração. Por isso, para cumprir a fórmula proposta, somente a inflação serviu de base para o aumento.

Segundo o próprio Ministério da Economia, cada R$ 1 a mais de aumento no salário mínimo gera um gasto adicional de R$ 302 milhões ao governo. Isso porque uma série de benefícios sociais, como o benefício de prestação continuada (BPC) e o abono salarial, é indexada ao salário mínimo e tem, por isso, um aumento proporcional.