O Estado de São Paulo, n. 45990, 17/09/2019. Política, p. A4
Raquel 'segura' casos da Lava Jato por até 21 meses
Rafael Moraes Moura
17/09/2019
Operação. Ministro Edson Fachin, relator dos processos no Supremo, questionou ritmo das apurações que envolvem políticos; procuradora-geral da República deixa o cargo hoje
Lava Jato. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que teve sua atuação contestada por Edson Fachin, do STF
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “segurou” casos da Lava Jato por um ano ou até mais. A desaceleração nos ritmos de trabalho da investigação levou o ministro Edson Fachin, relator da operação no Supremo Tribunal Federal, a questionar, no mês passado, a chefe do Ministério Público Federal sobre o andamento das apurações, conforme documento obtido pelo Estado. Raquel deixa hoje o cargo e apresentará uma prestação de contas sobre os dois anos de sua conturbada gestão.
Fachin listou 14 casos que estavam, na época, aguardando um posicionamento da Procuradoria, de dezembro de 2017 até hoje – uma soma que chega a 21 meses. Um dos mais emblemáticos é um inquérito que investiga o ex-presidente do Senado Eunício Oliveira (MDB-CE). A apuração foi aberta a partir do acordo de colaboração premiada celebrado pelo Ministério Público com Nelson José de Mello, ex-diretor institucional do grupo empresarial Hypermarcas, que relatou valores repassados ao emedebista. Encaminhado à Procuradoria em março de 2018, o inquérito até hoje não retornou ao Supremo para ser analisado por Fachin.
Em dezembro do ano passado, os advogados Aristides Junqueira e Luciana Moura, defensores de Eunício, reclamaram do ritmo das investigações e pediram o arquivamento do processo. “A última vez que o inquérito esteve nesse Supremo Tribunal Federal foi no início de março de 2018. A partir dessa data, os autos não mais saíram da PGR, eis que este procedimento, desde o início, tem sido conduzido pelo Ministério Público Federal. A insistência em prolongar as investigações viola as regras de duração razoável do processo com exposição e desgaste indevidos do requerente (Eunício)”, criticou a defesa do ex-senador.
Outro caso mencionado pelo relator da Lava Jato é uma apuração preliminar sobre o repasse de valores pela JBS a parlamentares em troca de apoio político à eleição do deputado cassado Eduardo Cunha (MDBRJ) à presidência da Câmara, em 2014. O caso está parado na Procuradoria há quase um ano.
Um inquérito que investigava o senador Renan Calheiros (MDB-AL) também ficou quase um ano parado na Procuradoria até retornar, no início deste mês, ao STF – depois, portanto, que Fachin enviou o ofício a Raquel. O caso acabou arquivado pelo relator da Lava Jato.
Em março, o magistrado enviou à Procuradoria um inquérito que apura se o ex-senador Edison Lobão (MDB-MA) recebeu vantagem indevida entre 2011 e 2013 – quando ocupava o cargo de ministro de Minas e Energia no governo de Dilma Rousseff (PT) –, em virtude de contratos celebrados para a construção da usina de Belo Monte.
Na época, Fachin fixou um prazo de cinco dias para que a Procuradoria se manifestasse se seria o caso de apresentar denúncia, arquivá-lo ou de prosseguir com as apurações. Até hoje não recebeu resposta.
No despacho obtido pela reportagem, Fachin cumprimentou Raquel pelo “brioso” trabalho, mas observou que “se encontram na PGR inquéritos, bem como ações cautelares e petições (...) no aguardo de diligências e respectivos trabalhos, em lapso superior ao prazo”.
Raquel disse que a maior parte das peças (manifestações) ajuizadas no STF está sob segredo de Justiça. “No tempo próprio elas expressarão o empenho com que eu trabalhei no enfrentamento da corrupção, naquilo que me cabe de atuação”, afirmou ela, na semana passada.
Debandada. A crise na Procuradoria levou, recentemente, um grupo de trabalho da Lava Jato a abandonar os postos, em sinal de desaprovação à conduta de Raquel na delação da OAS .
A procuradora se colocou à disposição do presidente Jair Bolsonaro para ser reconduzida ao cargo por mais dois anos, mas acabou preterida pelo subprocurador Augusto Aras, que lançou candidatura avulsa, sem disputar uma vaga na lista tríplice da categoria. Aras já defendeu uma “disruptura” no Ministério Público, fez críticas a métodos de investigação “personalistas” da Lava Jato e prometeu atuar para destravar a economia. A indicação ainda precisa ser aprovada pelo Senado.
Raquel enfrentou resistência no Planalto por ter denunciado, no ano passado, Bolsonaro por racismo e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, por ameaçar uma jornalista. O entorno do presidente também critica a atuação de Raquel na Lava Jato sob o argumento de que ela não deu prioridade ao combate à corrupção.
APURAÇÕES
Eunício Oliveira (MDB-CE)
O inquérito que investiga se o ex-senador foi beneficiado com valores repassados pelo grupo Hypermarcas foi enviado à Procuradoria em 2 de março de 2018.
Edison Lobão (MDB-MA)
Lobão é investigado por corrupção e lavagem envolvendo contratos de Belo Monte. Em março, Fachin enviou o inquérito à PGR para que, em 5 dias, se manifestasse, mas não houve resposta.
Eduardo Cunha (MDB-RJ)
Apuração envolve repasse de valores pela JBS a parlamentares em troca de apoio à eleição de Cunha à presidência da Câmara, em 2014. O caso está na PGR desde 21 de setembro de 2018.
Renan Calheiros (MDB-AL)
Caso investigava pagamento de propina por meio de dinheiro desviado de contrato para a construção de navios-sonda. O caso ficou quase um ano na Procuradoria. Depois, foi arquivado.
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Fachin arquiva trechos da delação de Léo Pinheiro
Rafael Moraes Moura
17/09/2019
O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, arquivou trechos da delação premiada do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro que mencionavam o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro, e um dos irmãos do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli.
Segundo o Estado apurou, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, alegou ao Supremo que, nesses casos, não havia elementos suficientes para justificar a abertura de uma investigação. O acordo de colaboração premiada entre Pinheiro e o Ministério Público Federal foi homologado por Fachin na semana passada.
O entendimento da procuradora sobre a delação do ex-presidente da OAS provocou no início deste mês a maior baixa de sua gestão na Procuradoria com a entrega coletiva de cargos entre procuradores que investigam casos da Lava Jato. O episódio marcou mais uma crise interna na gestão de Raquel, que se tornou alvo de insatisfação no Ministério Público.
Em julho, o ex-coordenador da Lava Jato, José Alfredo, havia abandonado o posto, também em desacordo com a atuação da procuradora-geral. Em março, os procuradores Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha, que eram chefes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, haviam também pedido desligamento da função.
‘Juízo Final’. Léo Pinheiro foi preso pela primeira vez na Operação Juízo Final, 7.ª fase da Lava Jato, em novembro de 2014. O empresário foi para a prisão domiciliar, por ordem do Supremo, mas voltou para o regime fechado em 5 de setembro de 2016. O empreiteiro tem cinco condenações na Lava Jato.