Correio braziliense, n. 20493, 30/06/2019. Política, p. 2

 

Brasil e UE terão benefícios no futuro

Hamilton Ferrari

Bernardo Bittar

30/06/2019

 

 

Acordo histórico » Mercosul e União Europeia somam mercado de 780 milhões de pessoas, mas, para o pacto entrar em vigor, ainda precisa ser aprovado nos parlamentos dos 32 países dos dois blocos econômicos

O maior acordo comercial assinado pelo Mercosul repercutiu bem na política e no setor produtivo. A guinada para aumentar o volume de scomércio — exportações e importações — com a União Europeia deve trazer efeitos positivos para as duas regiões econômicas e gera animação entre investidores. De acordo com analistas, o processo de implementação será demorado e o impacto ainda deve demorar a ocorrer, mas ficou acertado que, no longo prazo, haverá redução de mais de 90% nas tarifas impostas aos produtos de ambos os lados.

Para os consumidores, a tendência é de que produtos importados fiquem mais baratos, como, por exemplo, vinhos, queijos e chocolate. Para analistas, o acordo permitirá a entrada de novas mercadorias e serviços, o que incentiva as empresas brasileiras a aumentarem a produtividade e a competitividade, além de forçar o governo federal e o Congresso Nacional a adotarem medidas de desburocratização e a fazerem a reforma tributária.

Juntos, Mercosul e a União Europeia representam cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB mundial) e um mercado de 780 milhões de pessoas. O Ministério da Economia estima que o acordo vai incrementar em US$ 87,5 bilhões o PIB do Brasil em 15 anos. O aumento de investimentos no país, no mesmo período, será da ordem de US$ 113 bilhões.

Antes crítico da União Europeia, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que o bloco econômico “está mudando”. Em 2017, ele chegou a publicar um artigo que dizia que o grupo representava “apenas um conceito burocrático e um espaço culturalmente vazio regido por valores abstratos”. “Em relação à experiência que já tive no passado, hoje vejo como um sistema que está se abrindo, com atitude de compreender mais os outros. Antigamente, a UE negociava como contrato de adesão (impondo aos parceiros as condições). Isso é uma atitude que mudou muito”, disse.

O ministro ressaltou também que o acordo comprova que o governo federal está indo em direção à abertura econômica. “Acho que confirma essa disposição do Brasil de ser um ator mais relevante no comércio internacional, com economia mais aberta e, ao mesmo tempo, confirma nossa posição de referência na América do Sul, de um governo que está se colocando a favor da economia de mercado e da democracia”, destacou.

Mas, para entrar em vigor, o acerto entre os blocos econômicos ainda precisa passar pelo aval de todos os parlamentos dos países envolvidos, que somam 32 ao todo — contando com o Reino Unido, que está em processo de desligamento da União Europeia. Além disso, o acordo ainda passará pelos conselhos de cada clube econômico.

Por isso, o trâmite e os efeitos para os consumidores deverão ser demorados. Vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, Luiz Phillippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) diz que, embora seja positivo, o acordo não trará resultados imediatos ao país. “O negociado ali não foi redução de alíquota ou redução de impostos gerais, foi só uma simplificação de coleta. Precisamos alinhar a expectativa do consumidor, especialmente porque ainda dependemos da reforma tributária para que o acordo passe a ficar vigente de fato”, explica.

Para o parlamentar, faltou fôlego do governo brasileiro ao não insistir em questões mais abrangentes. Bragança salienta que a redução tarifária de importação está longe de conseguir reduzir os preços, como ocorre nos Estados Unidos ou na Europa, onde os produtos custam pouco para o nativo. “Ainda temos uma carga tributária local bem alta”, acrescenta.  “Quando você importa qualquer produto, continua pagando ICMS, ISS, PIS/Cofins. Quando fala de importação a custo zero… Bom, isso não pode ser dito ainda”.

Tarifas

Dias antes da assinatura do tratado, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse que não firmaria nenhuma parceria comercial com o Brasil se o presidente Jair Bolsonaro se retirasse do acordo climático de Paris — como ele havia declarado —, ameaçando colocar uma trava nas negociações comerciais UE-Mercosul. “A Europa, em relação ao Brasil, privilegia a questão ambiental como central nas suas negociações. Então, firmar um acordo entre Mercosul e a União Europeia vai vir com todas as questões ambientais que se possa pensar”, explica o professor de ciência política Felippo Madeira, da Universidade Estadual de Goiás (UEG).

Animado com o acerto, o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes, destaca que, apesar da demora, os benefícios para a economia do Brasil são inegáveis. “Uma vez aprovado o acordo, a redução de tarifas será de forma quase que imediata na União Europeia e, no caso do Mercosul, vai ser gradual, num horizonte de 15 anos”, ressalta. “O Ministério da Economia diz que 24% do que nós exportamos para a União Europeia tem algum tipo de redução tarifária. Várias serão zeradas. Também teremos redução de barreiras sanitárias. É um acordo amplo, até maior que um trato comercial comum que certamente terá o grande benefício de aumento de produtividade”, diz.

Especialistas acreditam que, para as exportações, haverá impactos sobretudo para o setor agroindustrial, a principal seara do comércio internacional do Brasil. No caso das importações, para suportar a entrada de produtos no país, a competitividade das empresas brasileiras terá que melhorar nos próximos anos. As companhias do grupo europeu são mais produtivas, de acordo com os analistas, e devem ocupar espaço do mercado nacional. Por isso, o acordo prevê que a redução das tarifas no Mercosul será gradual.

Com a alta carga tributária e a complexidade das regras regulatórias, os agentes do setor produtivo brasileiro cobram que o país siga uma agenda de estímulos ao ambiente de negócios. “O Brasil tem 1% do comércio internacional e a tendência é aumentar significativamente nos próximos anos”, afirma Bentes. “Com certeza teremos a redução do custo Brasil”, completa. Ainda segundo ele, a relação com a União Europeia vai facilitar a entrada de bens de consumo duráveis, automóveis e alimentos.

Espaço

Especialista em comércio exterior, Welber Barral, sócio-fundador da BMJ, ressalta que o Brasil receberá máquinas, vinhos e produtos têxteis mais baratos. Na indústria, as tarifas do Mercosul vão ser eliminadas progressivamente para veículos (35%), autopeças (14% a 18%), equipamentos industriais (14% a 20%), produtos químicos (até 18%), roupas (até 35%) e produtos farmacêuticos (até 14%). Nos produtos alimentícios, as taxas do Mercosul sobre vinhos (27%), chocolate (20%), licores (de 20% a 35%), peixes enlatados (55%), bebidas gaseificadas (20% a 35%) e azeitonas serão eliminadas.

“Evidentemente, não será positivo para todo mundo, como setores que não são competitivos e terão que se adaptar. Empresas do setor automotivo e de maquinários, por exemplo, terão que se especializar para não perder espaço”, avalia Barral. “O acordo é positivo, mas não vai eliminar as deficiências que o país tem. O Brasil tem que fazer a reforma tributária e aumentar a produtividade”, acrescenta.

O embaixador José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), entende que é um acordo importante pela cobertura. “Em termos institucionais, é um ganho imensurável. O acordo passará por uma tramitação longa e árdua, mas é uma boa notícia para investidores e agentes econômicos em geral. Tudo isso somado, o balanço é altamente positivo”, afirma. Graça Lima foi embaixador na representação do Brasil na Comissão Europeia e o principal negociador comercial do Brasil entre 1998 e 2002, e acompanhou o início das tratativas entre Mercosul e União Europeia.