Correio braziliense, n. 20493, 30/06/2019. Política, p. 4

 

Seis meses e várias polêmicas

Rodolfo Costa

Jorge Vasconcellos

30/06/2019

 

 

Poder » O presidente Jair Bolsonaro termina o primeiro semestre com embates em várias frentes e uma difícil relação com o Congresso e o Judiciário. Chefe do Executivo terá de se mostrar mais equilibrado ao longo do mandato

O governo de Jair Bolsonaro completa hoje seis meses de uma gestão marcada por medidas polêmicas nas áreas de educação, meio ambiente, direitos humanos e, sobretudo, por tropeços na relação com o Congresso e o Judiciário—o erro mais grave cometido no período. A partir do momento em que um presidente da República compõe forças com o Parlamento, o próprio Legislativo ajuda o Executivo a corrigir máculas e a defender as políticas de Estado. Não foi o que aconteceu. O capitão reformado tensionou o relacionamento com a criminalização da política, promoveu uma queda de braço com os Poderes e governou isoladamente. Posturas que custaram desgastes e, para alguns, a sensação de que essa será, majoritariamente, a tônica da gestão.

O desafio principal de Bolsonaro é mostrar, ao longo dos próximos seis meses, que pode ser mais equilibrado. Ninguém no Palácio do Planalto, no Congresso, no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Esplanada dos Ministérios espera que o presidente abandone o jeito de ser e de governar, adotando uma imagem mais “light” e “paz e amor”. Está no “DNA” de “italianão” dele, como dizem alguns aliados. Mas a expectativa é que, ao menos, tenha um canal de diálogo mais aberto e franco com o Legislativo e o Judiciário. Se fizer isso, dizem deputados, senadores e magistrados, o governo não será boicotado. Muitos vão querer, e trabalhar, para que a gestão dê certo.

A relação com o STF começou a ser melhor construída no fim do semestre. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, passou a frequentar solenidades no Planalto e a ser convidado para ouvir, opinar e construir diálogo em relação a propostas do governo. É o caso da regulamentação de posse e porte de armas de fogo e munições. O magistrado foi consultado antes da assinatura de outros quatro decretos e de um projeto de lei que versam sobre o assunto. Apesar da análise de insegurança jurídica feita pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre o tema, ter aberto o canal de comunicação com o Judiciário conta pontos importantes.

A principal dificuldade para fazer com que a gestão Bolsonaro “dê certo” reside no relacionamento com o Congresso. No próprio Planalto, é unânime a previsão de que o desafio central para os próximos seis meses é a construção de uma articulação eficaz com os parlamentares. Ao fim desses seis primeiros meses, Bolsonaro parou de tensionar a relação e admitiu que a interlocução feita pela Casa Civil, sob comando do ministro-chefe Onyx Lorenzoni, não funcionou. Transferiu a missão para a Secretaria de Governo, que, a partir de julho, será chefiada pelo general Luiz Eduardo Ramos. Só isso, no entanto, não será eficaz. A mera troca de articulador não resolverá os problemas. Será preciso dar poderes ao militar, estabelecer diretrizes e estar pronto para “retornar ao que era feito em governo anterior”, como disse ele mesmo: dialogar e ceder espaços para indicações de aliados.

O tempo para o presidente mudar a interlocução está contando. Depois que a reforma da Previdência for aprovada na Câmara, o vácuo entre Executivo e Legislativo vai se ampliar. Com o protagonismo que a Casa passará a ter, sob domínio do presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o clima de “parlamentarismo branco” se ampliará, a menos que uma articulação seja bem construída e norteada com apoio de membros do alto clero do Centrão dispostos a rachar o bloco político informal para apoiar o governo. Afinal, o governo não poderá se ancorar por muito tempo na liberação de emendas—que, por sinal, estão atrasadas—depois da aprovação da PEC 34/2019, que torna todas as emendas impositivas.

Base

Os diálogos e acordos precisarão ser bem-feitos. Afinal, seria uma árdua tarefa para a articulação política negociar projeto a projeto com o Congresso enquanto ainda enfrenta crises, como a fritura proposta pela oposição ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, alerta o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO). “Se o governo não fizer a base, vai sangrar pelos próximos três anos e meio. O conselho que eu dou é agir politicamente agora para começar a pavimentar a construção da base, que, efetivamente, deve ficar pronta depois da aprovação da reforma da Previdência”, destaca.

Assim como o governo admitiu que a liberação de emendas é um instrumento importante de aceno aos parlamentares, ao acenar com o pagamento de R$ 2 bilhões, o Planalto precisará valorizar as bancadas e líderes partidários dispostos a “ser governo”, recomenda Nelto, um dos líderes aliados da articulação política feita pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). “Essa é a boa política. Ele tem que fazer sua base com ela. Fazer tudo com transparência, na verdade. Não pode enganar a sociedade. Não custa explicar que vai construir a base, dizer ‘quem quer participar de ministério aqui ou de empresas aqui’. O governo é de coalizão. Essa é a verdade e a sociedade entende. O que ela não quer é a roubalheira”, sustenta.

A base, insiste Nelto, passa pela construção de pessoas e partidos que queiram participar e não queiram se envolver com propina, “como era no passado”, ressalta o líder do Podemos. “Tudo sabendo que é um governo de direita, liberal, com forte atuação dos militares. O governo tem que chamar e conversar com os partidos. Não faz nada sem eles. Tem que ter uma agenda e fazer isso dentro das discussões das reformas da Previdência, tributária, política, penal, do Pacto Federativo, e da abertura do sistema financeiro”, pondera.

O governo admite que a construção de uma base pré-formatada sem o presidencialismo de coalizão não garante um grande apoio de sustentação, diz Vitor Hugo. No entanto, ele avalia que, melhor do que compor da forma como se compunha antigamente, é compor o mérito dentro do possível. “Nossa meta é chegar a meio-termos que assegurem suporte para a aprovação das matérias. E faremos isso com muito diálogo e respeito com o Parlamento”, afirma.

Frase

"O governo tem que chamar e conversar com os partidos. Não faz nada sem eles. Tem que ter uma agenda e fazer isso dentro das discussões das reformas da Previdência, tributária, política, penal, do Pacto Federativo, e da abertura do sistema financeiro”

José Nelto (GO), líder do Podemos na Câmara

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Emendas são o maior desafio

30/06/2019

 

 

 

 

No processo de aprimorar o relacionamento com o Congresso, o principal desafio do governo será assegurar o pagamento das emendas. Diante da iminente obrigatoriedade em executá-las todas a partir do ano que vem, o Palácio do Planalto precisará atuar para assegurar o repasse, algo que, historicamente, sempre ocorreu na base de entraves.

Por questões burocráticas, a transferência das verbas acaba, muitas vezes, não chegando na ponta. Para isso, o governo vai precisar fazer uma reforma administrativa para enxugar a máquina e desburocratizar os repasses. O processo, por ora, não é unificado. Não há uma diretriz de reforma administrativa em gestação pelo governo. Cada ministério atua em iniciativa própria.

O Ministério da Agricultura, por exemplo, trabalha para eliminar o Banco do Brasil (BB) como intermediário dos recursos da União. A Caixa Econômica cobra juros de 12% de pedágio para gerir e administrar obras municipais. A eliminação do BB na intermediação das emendas para o agronegócio visa facilitar os pagamentos empenhados por prefeitos,  junto aos congressistas.

Em reuniões com bancadas partidárias, como a do próprio partido, o DEM, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que vai pôr fim à vinculação de recursos ao BB. O exemplo da ministra deverá ser a tônica em toda a máquina pública. A instituição financeira, dizem parlamentares, chegou ao ponto de ter poder de decisão sobre quando mandar recursos para a Agricultura.

O desafio do governo em propor uma reforma administrativa é árduo, mas necessário, destaca o deputado Luís Miranda (DEM-DF). “Historicamente sempre aconteceu de o repasse não chegar às bases eleitorais. Vamos fazer com que as coisas andem. A reforma administrativa pode ser feita pelo Parlamento, mas o ideal é que seja feita pelo Executivo, que conhece suas falhas e dificuldades”, pondera. A leitura é endossada pelo deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE). “O governo deve ao Parlamento e terá como responsabilidade cumprir com o acordo e certificar-se da destinação do dinheiro”, ressalta.

A articulação não deve ser feita em cima de emendas, mas com discussão, achando pontos de convergência, pondera o deputado Marcelo Moraes (PTB-RS). Ainda assim, é mais um que concorda sobre a necessidade de uma reforma administrativa capaz de reduzir o inchaço do Estado. “Se não fizermos isso, continuaremos apenas recolhendo e transferindo impostos, sem melhoria efetiva para o bem-estar da população”, enfatiza.

O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), afirma que o Planalto é sensível ao assunto e assegura que as próprias discussões de projetos para a revisão do Pacto Federativo propostas vão no sentido de garantir alguma reforma administrativa. “Hoje, há algum gatilho que possibilita a União centralizar ou não os recursos para os estados e municípios. O que propomos é inverter a arrecadação, deixando 30% com a União e 70%, com os governadores e prefeitos. São eles que conhecem os gargalos e vão atuar para resolver os problemas”, sustenta. (RC e JV)

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Concentração na Previdência

30/06/2019

 

 

 

Com 13 milhões de desempregados (índice de 12,3% em maio) e redução da previsão feita pelo Banco Central de crescimento do PIB de 2% para 0,8%, o país aguarda do presidente Jair Bolsonaro a adoção de medidas concretas para sair da estagnação econômica, enquanto o fantasma da recessão voltou a assustar.

Nesses seis meses, o governo se concentrou em reduzir o tamanho dos gastos públicos e aprovar a reforma da Previdência, medidas importantes mas insuficientes para evitar uma nova recessão no país. Além disso, os efeitos das mudanças nas aposentadorias devem levar um bom tempo para serem sentidos.

O temor de uma nova recessão é alimentado pelos números divulgados pelo BC na semana passada: no primeiro trimestre de 2019, a economia brasileira encolheu 0,2% e, recentemente, por meio da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a previsão é que o PIB só “deve apresentar desempenho próximo da estabilidade no segundo trimestre” deste ano. Ou seja, o registro de dois trimestres seguidos de queda no PIB caracteriza “recessão técnica”.

E a situação nos seis meses restantes de 2019 fica ainda mais incerta porque, segundo o BC, a perspectiva de crescimento anual, reduzida a 0,8%, está condicionada ao cenário de continuidade das reformas, de ajustes necessários na economia e de recuperação da atividade em ritmo crescente ao longo do restante do ano.

Com isso, o BC está estimando desaceleração no ritmo de crescimento da economia brasileira neste ano, pois, em 2018, o PIB cresceu 1,1%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A indústria brasileira, já estagnada, também teve sua perspectiva de crescimento diminuída, de 1,8%, em março, para apenas 0,2% em junho.

Enquanto o país espera uma reação do governo, o presidente Bolsonaro diz que cabe aos empresários, e não a ele, promover o crescimento da economia. Como ele disse, em 11 de junho, a representantes de uma boa fatia do PIB brasileiro, reunidos em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): “Os senhores podem até sobreviver sem governo, mas o governo sucumbirá sem os senhores. Para parafrasear Margaret Tatcher, quem deve conduzir o destino da nação são os senhores, o povo, vocês que têm que dar um norte para nós. O que temos obrigação de fazer? Não atrapalhá-los, coisa muito comum há pouco tempo”. (R.C e J.V).

Frase

"Para parafrasear Margaret Tatcher, quem deve conduzir o destino da nação são os senhores, o povo, vocês que têm que dar um norte para nós”

Jair Bolsonaro, presidente da República

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Especialistas são céticos sobre base

30/06/2019

 

 

 

O início da construção de uma base de sustentação pelo governo é encarado com desconfiança por especialistas. É o sentimento de “ver para crer”. O sociólogo e cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que o presidente Jair Bolsonaro continuará radicalizando o discurso de campanha, sobretudo depois de ter dado sinalizações de que concorrerá às eleições de 2022, o que, para o acadêmico, é uma pré-candidatura.

A previsão de Baía é por um tensionamento constante entre o Executivo e os demais Poderes, reforçado pelo apoio de cerca de 32% da população. “Vai ter do lado do governo uma provocação permanente de desqualificação e enfrentamento do governo com o Legislativo e o Judiciário, com manifestações de rua, como ocorrem hoje. O que veremos é a radicalização da pauta em campanha”, analisa.

O cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, projeta um cenário semelhante. “O governo vai continuar patinando porque é o perfil do presidente ser mais truculento”, pondera. Para ele, mantendo a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), e o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), a perspectiva é de que a interlocução conflitante permaneça.

“A bateção de cabeça continuará. Como não operaram em fazer a negociação com o Congresso e com Rodrigo Maia (presidente da Câmara) cada dia mais forte junto aos congressistas, a tendência é que o governo continue indo a reboque do Legislativo e não como parceiro na agenda econômica, somente colocando pautas de costumes e morais que não resolvem a situação do país”, avalia Ribeiro. (RC e JV)

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Acordo com UE é guinada radical

Rodolfo Costa

Jorge Vasconcellos

30/06/2019

 

 

 

Poder » Presidente chegou irritado a Osaka, pelo constrangimento da apreensão de 39kg de cocaína em avião da FAB, mas deixou o evento animado com o livre comércio com a União Europeia. Na saída, falou sobre o encontro das drogas: “Pena que não foi Indonésia”

A assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE), durante a cúpula do G20, representou importante recuo de um governo que, desde a posse, tem pregado a rejeição ao globalismo, por considerar que a interligação planetária está a serviço do “marxismo cultural”, qualificado como um “sistema anti-humano e anticristão”, nas definições usadas pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em um blog pessoal. No discurso de posse, ele avisou: “não mergulharemos nessa piscina sem água que é a ordem global”.

Aos seis meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou um acordo que vinha sendo negociado havia 20 anos, e o fez depois de algumas concessões, sobretudo na questão ambiental, um dos principais temas da reunião do G20.

Com a promessa de “eliminar o viés ideológico” da diplomacia brasileira, Bolsonaro, em sua sanha antissocialista, promoveu uma guinada radical na política externa. Para executar a missão, preteriu servidores experientes do Itamaraty e escalou Araújo como chanceler, que foi indicado pelo guru do governo, o controvertido Olavo de Carvalho.

Um dos primeiros movimentos do governo foi buscar uma aproximação com Israel, simbolizada pela promessa de Bolsonaro de transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, a cidade santa historicamente disputada por judeus e palestinos. Assim, o Brasil caminha para abandonar as fileiras da comunidade internacional, que defende que a solução do impasse seja buscada pelos dois lados em conflito.

A reação não demorou. Países árabes condenaram as posições do governo e ameaçaram com retaliações, sobretudo em relação à importação da carne brasileira. Foi preciso a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, alertar sobre os riscos para o agronegócio, para Bolsonaro mudar o discurso e, durante viagem a Israel, anunciar que apenas abriria um escritório comercial em Jerusalém, ainda sem data prevista.

Dogmas

Na Organização das Nações Unidas (ONU), outra mudança radical. Ao trocar o “viés ideológico” por uma diplomacia com fortes influências cristãs e conservadoras, o governo se posicionou contra o uso da palavra “gênero” em qualquer contexto, além de vetar a expressão “direitos reprodutivos” e sair em defesa de dogmas religiosos que alimentam as desigualdades entre homens e mulheres. Assim, passou a ser apoiado por nações que pregam o que há de mais medieval no mundo, em termos de tratamento ao gênero feminino.

“A política externa do governo Bolsonaro, com o chanceler Ernesto Araújo, representa uma ruptura não apenas com os governos anteriores, mas com toda uma tradição do Itamaraty. O Brasil sempre buscou o papel de mediador e de equilíbrio, defendendo valores e princípios que, inclusive, estão positivados no artigo 4º da Constituição de 1988”, afirmou Günther Richter Mros, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

“Desde o início do ano, a política externa brasileira perdeu o status de política de Estado para defender ideias do grupo que está momentaneamente no poder. Trouxeram para as relações internacionais do Brasil temas ultraconservadores ligados aos costumes, como a abordagem de políticas de gênero, por exemplo”, acrescentou o docente, alertando que “levará muito tempo para se reconstruir uma imagem equilibrada e profissional do Itamaraty quando esse governo acabar”.

Frase

"Trouxeram para as relações internacionais do Brasil temas ultraconservadores ligados aos costumes, como a abordagem de políticas de gênero, por exemplo”

Richter Mros, professor de Relações Internacionais da UFSM

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Brasil virou preocupação mundial

Rodolfo Costa

Jorge Vasconcellos

30/06/2019

 

 

 

Acordo Histórico » Mercosul e União Europeia somam mercado de 780 milhões de pessoas, mas, para o pacto entrar em vigor, ainda precisa ser aprovado nos parlamentos dos 32 países dos dois blocos econômicos

A reunião do G20, realizada na última semana em Osaka, no Japão, expôs a preocupação internacional com as mudanças de rumo na política ambiental conduzida pelo governo de Jair Bolsonaro. As críticas da chanceler alemã, Angela Merkel, ao desmatamento de florestas brasileiras, respondidas com irritação pelo presidente, representam a maior repercussão negativa até o momento, em nível mundial, da política de flexibilização das normas ambientais e de esvaziamento das estruturas de fiscalização, patrocinada por Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Na visão do presidente, a atuação desses órgãos é um importante obstáculo ao desenvolvimento do país.

Durante a reunião do G20, 340 ONGs europeias e sul-americanas, incluindo o Greenpeace, pediram que os líderes mundiais refletissem sobre a conveniência de assinar um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, em razão das preocupações com os rumos da gestão ambiental no Brasil. No entanto, com o aval da própria Merkel, para quem o problema, embora importante, não deveria inviabilizar o acordo, o pacto acabou sendo firmado. Ao mesmo tempo, Bolsonaro, pressionado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, concordou em fazer algumas concessões, a principal delas, o compromisso de que o Brasil não deixará o Acordo de Paris.

Uma frase dita por Bolsonaro durante evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em 11 de junho, reflete, de forma cristalina, o tipo de tratamento dedicado pelo governo aos órgãos de fiscalização, em nome do incentivo governamental à expansão das atividades agrícolas, industriais e turísticas no Brasil.

“Eu falei para ele: ‘mete a faca em todo mundo no Ibama”, discursou Bolsonaro, referindo-se à missão dada ao ministro Ricardo Salles. O mesmo ministro que, desde a posse, vem cumprindo à risca a ordem recebida, tendo, inclusive, sido acusado por servidores do Ibama de adotar “práticas de assédio coletivo”, conforme denúncia recém-protocolada no Ministério Público Federal (MPF).

“Há um temor entre a sociedade, sobretudo aqueles que se preocupam com a preservação do verde e de outros recursos naturais, diante dos avanços que estão sendo feitos pelo governo para enfraquecer a proteção contra o desmatamento”, disse o presidente da Comissão de Direito Ambiental da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Flávio Ahmed. “O governo brasileiro está adotando uma visão de desenvolvimento incompatível com a visão mundial, já que um país não se desenvolve se não houver sustentabilidade, preservação da qualidade de vida da população e respeito à Constituição”, disse o representante da OAB-RJ. (R.C e J.V).

Frase

"O governo brasileiro está adotando uma visão de desenvolvimento incompatível com a visão mundial”

Flávio Ahmed, presidente da Comissão de Direito Ambiental da seccional da OAB

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O estigma da ideologia

30/06/2019

 

 

 

Os seis meses do governo do presidente Jair Bolsonaro na educação produziram mudanças cujos efeitos devem ser sentidos por muitos anos, mais precisamente no orçamento do setor, na atuação dos professores e na autonomia das universidades federais. Com o repetido argumento de que é necessário “eliminar o viés ideológico” na Esplanada dos Ministérios, o governo tem promovido uma guinada conservadora nas salas de aula, inclusive estimulando os alunos a denunciarem professores que falarem de política, sexualidade ou outros temas que o governo considera “de esquerda” ou “comunistas”.

A presença, no Ministério da Educação, de seguidores do guru Olavo de Carvalho, principal inspiração de Bolsonaro, transformou um dos mais importantes e tradicionais órgãos do país em um ring de disputas de poder. O ministro Ricardo Vélez Rodríguez, após sucessivos desgastes, foi demitido por Bolsonaro três meses após assumir o cargo.

Rodríguez foi substituído por Abraham Weintraub, até então secretário executivo da Casa Civil da Presidência. O que se vê desde então é uma radicalização conservadora ainda maior, com direito à utilização do orçamento para intimidar as universidades federais.

No fim de abril, Weintraub anunciou um corte de 30% nos orçamentos da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA), acusadas por ele de fazerem “balbúrdia”. Dias depois, estendeu o corte para todas as universidades federais.

Nesse contexto, o ministro também pediu para denunciar os professores que estimularem os alunos a participarem de manifestações.

Enquanto isso, a educação brasileira vive um momento de paralisia e de incertezas sobre o futuro (R.C e J.V).