Título: Argentina impõe prejuízos ao Brasil
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 23/10/2012, Economia, p. 11

Ao mesmo tempo em que se desdobra para minimizar os efeitos da crise que solapa os Estados Unidos e a Europa, o governo de Dilma Rousseff tem voltado seus olhos para a Argentina, o mais importante do parceiros comerciais vizinhos. Desde que decidiu encampar uma pesada perseguição a produtos importados, a presidente argentina, Cristina Kirchner, tornou-se um estorvo para os empresários brasileiros. Ao impor barreiras aos negócios, para tentar conter a saída de dólares, ela transformou a fronteira entre os dois países em um depósito de produtos encalhados e prejuízos monumentais. O que mais assusta os industriais é o fato de Brasília se manter calada, apesar de reconhecer que o parceiro está passando dos limites, com constantes bravatas do superministro Guilhermo Moreno.

fatura é pesada para o empresariado nacional. Tanto que, de janeiro a setembro deste ano, as exportações brasileiras para a Argentina encolheram 20,2% quando comparadas com as do mesmo período de 2011. Caíram de US$ 16,8 bilhões para US$ 13,4 bilhões. Como consequência, a participação do país vizinho na pauta de exportações do Brasil também reduziu, de 8,9% 7,5%. Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, esse quadro é pior quando se leva em conta o perfil das vendas do país à nação vizinha. "Depois da perda de participação dos Estados Unidos, que sempre o foram o nosso principal comprador, a Argentina tornou-se o melhor mercado para os nossos manufaturados. Ao mundo inteiro, exportamos commodities. Mas, para a Argentina, são produtos de maior valor agregado. É bom termos eles como parceiros", diz.

É por essa razão, raciocina o presidente da AEB, que o governo tem adotado uma política classificada por empresários brasileiros como "muito amigável" na resolução da controvérsia com os argentinos. "É claro que, sob a ótica do setor empresarial, a forma como o governo tem administrado esse conflito não é a melhor possível, mas Brasília tem mostrado ponderação. Mas acredito que é preciso fazer com que a Argentina cumpra as regras internacionais de comércio, e não que nos dê qualquer favor", afirma Castro.

Calçados defasados Nem mesmo os acordos com Mercosul, que agrega os dois países mais o Uruguai, a Venezuela e o Paraguai, estão sendo respeitados por Kirchner. "Até setembro, tínhamos cerca de 2,2 milhões de pares calçados em trânsito para a Argentina ou presos na zona alfandegária. Felizmente, nos últimos 12 dias, foi autorizado um carregamento grande, e conseguimos reduzir o encalhe para 560 mil pares. Mas há licença comemorando aniversário de um ano sem liberação", conta o diretor executivo da Associação da Indústria de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein. Mas não é só: a indústria de máquinas e equipamentos elétricos já deixou de faturar US$ 750 milhões neste ano e as empresas do setor automobilístico e aeronáutico, US$ 1 bilhão.

Pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), o tempo máximo que uma mercadoria pode ficar à espera do visto de entrada em um país é de 60 dias. No caso da Argentina, no entanto, esse prazo tem ultrapassado um ano para alguns produtos. No caso dos calçados brasileiros, vêm sendo necessários, em média, 260 dias para que um par do produto calce os pés de argentinos. Esse é apenas o tempo padrão, o que quer dizer que existem mercadorias que ficam ainda mais tempo aguardando a autorização de entrada no país vizinho.

Há ainda o problema da desconfiança com a garantia de entrega do produto nacional. "Se o comprador não tem certeza de que vai receber a mercadoria a tempo, ele acaba ficando com receio de importar de nós. E isso gera um problema grande, porque estamos começando a perder mercado para outros produtos, como os chineses, por exemplo", lembra o diretor da Abicalçados. Em 2012, ao passo que as exportações brasileiras para a Argentina despencaram mais 20%, os desembarques de produtos chineses no país de Kirchner recuaram metade disso, na ordem de 10%, segundo projeção da AEB. "Considerando que nosso potencial de exportação para a Argentina é de 25 milhões de pares por ano, e que, neste ano, nós venderemos menos que a metade disso, sabemos que teremos um prejuízo que não há mais como ser revertido", diz Klein.

Para técnicos do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, o governo brasileiro tem tentado solucionar o problema com a Argentina por meio do diálogo e da diplomacia. No fim de junho, uma cúpula envolvendo representantes dos dois órgãos se reuniu em Mendonza, no país vizinho, para tratar da política protecionista de Kirchner. As conversas foram retomadas um mês depois, em Brasília, mas nenhuma solução ainda foi encontrada.

» Natal frustrante

Com a barreira imposta pelo governo argentino, muitos produtos encalhados na fronteira estão ficando ultrapassados e perdendo valor. Em boa parte dos casos, a operação não é mais viável. "Calçado é moda. Se sair de temporada, perde a serventia para o varejo", explica o diretor executivo da Abicalçados, Heitor Klein. Ele diz que milhões de pares que deverão abastecer as lojas argentinas para o Natal devem chegar naquele país em até três semanas. Caso contrário, serão dados como perdidos. "Aí, só em 2013", afirma.