O Estado de São Paulo, n. 45977, 04/09/2019. Economia, p. B3

 

Riscos políticos de 'apagão' motivam mudança no teto

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli

Tânia Monteiro

04/09/2019

 

 

Onyx teria dito em reunião que parlamentares apoiariam alteração na regra dos gastos, mas Rodrigo Maia descartou apoio à medida

Posição. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, nega que seja defensor da flexibilização

Diante do aperto nas contas públicas, a Casa Civil e os militares pressionam para que o governo flexibilize a regra do teto de gastos – instrumento que limita o crescimento das despesas do Orçamento à inflação. A possibilidade de alterar a norma divide as alas política e econômica da gestão do presidente Jair Bolsonaro.

O assunto chegou a ser discutido em reunião da Junta de Execução Orçamentária (JEO), quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou sua posição contrária às mudanças. A JEO é formada por Guedes e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

A preocupação com o aperto fiscal no grupo político e militar ao redor do presidente cresceu porque, mesmo que o governo consiga ampliar a arrecadação e reduzir o rombo das contas públicas nos próximos anos, o teto de gastos apertado e o avanço das despesas obrigatórias (como o pagamento de salários e aposentadorias) reduzirão o espaço para investimentos em obras e programas do governo, dificultando a estratégia do presidente de deixar a sua marca.

No fim de semana, após a equipe econômica apresentar uma proposta orçamentária para 2020, que pode impor um apagão à máquina pública, o presidente Bolsonaro admitiu que o arrocho nas contas poderá atrapalhar uma tentativa de reeleição em 2022.

Disputa. Diante desse cenário, o forte bloqueio das despesas e a perspectiva de um Orçamento ainda mais apertado para 2020 estão alimentando a pressão por mudanças no teto. Essa movimentação tem levado integrantes da equipe econômica a saírem em defesa da manutenção da regra criada no governo do ex-presidente Michel Temer. Já está prevista uma possibilidade de revisão do teto em 2026.

Para a equipe econômica, a própria norma tem saídas em caso de descumprimento, os chamados “gatilhos”, que permitem ao governo, por exemplo, vetar reajustes a servidores e aumentos acima da inflação ao salário mínimo. Ontem, o Estado antecipou que o governo também estuda incluir outras medidas, além das previstas no teto, para acelerar o ajuste.

Posição. Segundo apurou o Estado, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em uma das reuniões da JEO, chegou a afirmar que os congressistas apoiariam a mudança. Procurado, Lorenzoni nega, no entanto, que seja defensor da flexibilização do teto.

A discussão sobre a mudança no teto de gasto na JEO não evoluiu porque o governo começou a discutir um conjunto de medidas para ampliar o espaço do teto de gastos com a revisão de despesas obrigatórias, o que exigirá apoio do Congresso. A intenção da equipe econômica é abrir um espaço entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões. Com isso, o governo consegue ampliar os gastos de custeio e investimentos, chamados de “discricionários”.

Para um integrante da equipe econômica, que falou na condição de anonimato, o debate sobre o teto é “normal”, mas ele é maior fora do que dentro do governo. De acordo com essa fonte, a questão toda é que qualquer flexibilização do teto significará que o ajuste fiscal, que já é gradual, se tornará mais gradual ainda com riscos nessa estratégia.

Arrecadação. No entendimento da equipe econômica, para flexibilizar o teto e manter a programação da queda nos rombos sucessivos das contas públicas seria necessário contar com aumento da arrecadação, via crescimento maior do Produto Interno Bruto (PIB), ou aumento de carga tributária com elevação de impostos. Oficialmente, o Ministério da Economia preferiu não se posicionar.

Ao BRPolítico, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que é contra “mudar o teto de gastos”. Para ele, a melhor maneira de combater as dificuldades causadas pela falta de recursos é fazer uma reforma administrativa e cessar os gastos excessivos da máquina pública. “O problema é o aumento das despesas e não o teto”, disse Maia.

O relator da proposta orçamentária para 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE), também disse que a solução para desafogar o Orçamento passa longe de mexer no teto de gastos. “Não prosperará no Congresso uma flexibilização do teto, porque essa seria a solução mais fácil, mas estamos procurando outro tipo de solução para elevar as despesas discricionárias”, afirmou Neto.

Cenário

“Não prosperará no Congresso uma flexibilização do teto, porque essa seria a solução mais fácil.”

Domingos Neto (PSD-CE)

RELATOR DA PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA

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Felixibilizar a regra do teto de gastos é uma boa medida?

04/09/2019

 

 

FABIO GIAMBIAGI

FLEXIBILIZAR A REGRA DO TETO DE GASTOS É UMA BOA MEDIDA?

SIM

É importante, mas não agora. Recentemente fiz um texto de discussão com o economista Guilherme Tinoco sobre o assunto, em que propomos corrigir o teto de gastos pela inflação e com aumento real. Mas quero esclarecer que não estamos propondo aumentar nada agora. O teto para 2021 e 2022 seria exatamente o atual. Entendemos que para o período 2023-2026 é impossível manter do jeito que está pela dinâmica dos gastos e despesas discricionárias. A gente pode não fazer nada agora, mas o próximo governo vai ter de mexer nisso porque vai ser insustentável. Minha visão é que este governo pode ter como benefício principal deixar os alicerces para que a economia tenha um bom desempenho ao longo da década de 2020. Nossa proposta é de aumento real de 1% ao ano de 2023-2026; 1,5% ao ano nos quatro anos seguintes; e 2% nos seis anos finais. No curto prazo, o que está pressionando é o teto do déficit primário, não é o te- to de gastos. Na verdade, hoje temos um teto e estamos operando razoavelmente abaixo. Ele- var agora é inócuo em relação à política fiscal.

É ECONOMISTA DO BNDES

 

 

ZEINA LATIF

FLEXIBILIZAR A REGRA DO TETO DE GASTOS É UMA BOA MEDIDA?

NÃO

Acho que não é uma boa ideia. Abre um precedente ruim. A regra do teto foi elemento-chave para conquistarmos esse ambiente de Selic baixa. Ela foi essencial, porque dá uma perspectiva de ajuste fiscal e contribui com o trabalho do Banco Central para ancorar as expectativas. Abrir esse precedente é o equivalente ao sujeito que é viciado e fala: ‘só mais um traguinho’. Tem de insistir na agenda de redução de despesas estruturais, mudando as regras que vinculam gastos à inflação. Tem de ir para outras medidas de corte de despesas. Entendo a preocupação com o risco de se paralisar as atividades, mas o Brasil não tem maturidade para flexibilizar a regra, pelo menos até que se tenha uma trajetória de dívida como proporção do PIB sob controle. E não é trivial você flexibilizar a regra para deixar de fora investimentos. Quais investimentos? Tem investimento que a gente faz e não tem um retorno adequado. A gente gasta muito mal. Nem sempre são boas ideias. Tem uma questão técnica aí de o que se poderia incluir nessa flexibilização no caso de deixar de fora os investimentos.

É ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

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Senado aprova verba extra do pré-sal para o Rio

Daniel Weterman

Anne Warth

04/09/2019

 

 

Casa definiu divisão de recursos do megaleilão de petróleo com Estados e municípios; Maia pediu repasse extra para RJ

O Senado aprovou, ontem, em dois turnos, proposta que divide os recursos do megaleilão do petróleo com Estados e municípios. Os senadores aprovaram ainda um repasse extra de R$ 2,19 bilhões do leilão para o Rio de Janeiro. O pedido atende a uma demanda do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Maia havia criticado o fato de o Rio receber valores menores do que Estados não produtores na divisão dos recursos. Como o texto aprovada na Câmara foi alterado, a PEC terá de retornar para análise dos deputados federais.

O acordo da chamada “cessão onerosa” foi fechado pela Petrobrás com a União em 2010 e permitiu à estatal explorar 5 bilhões de barris de petróleo em campos do pré-sal na Bacia de Santos (SP), sem licitação. Em troca, a empresa pagou R$ 74,8 bilhões.

O governo estima, porém, que a área pode render mais – entre 6 bilhões e 15 bilhões de barris – e fará um megaleilão, marcado para novembro, que pode render R$ 106,5 bilhões aos cofres públicos.

Pela proposta aprovada no Senado, a divisão dos R$ 106,5 bilhões que podem ser arrecadados com o megaleilão do pré-sal será assim: R$ 33 bilhões serão descontados para cobertura de uma dívida do governo federal com a Petrobrás; R$ 10,95 bilhões (15%) serão repassados a Estados, seguindo os critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE); outros R$ 10,95 bilhões (15%) serão distribuídos para os municípios, de acordo com os critérios do Fundo de Participação dos Municípios (FPM); R$ 2,19 bilhões (3%) serão distribuídos para os Estados onde estiverem localizadas as jazidas de petróleo; R$ 48,9 bilhões ficarão com a União.

As áreas do megaleilão pertencem ao Rio. Por isso, a verba extra, capitaneada pelo senador Flávio Bolsonaro (PSLRJ), será toda direcionada ao Estado. O repasse de R$ 2,19 bilhões será feito ao governo estadual. Antes dos recursos extras, o Rio receberia R$ 326,136 milhões, ficando atrás de outros 17 Estados, entre eles Amapá, Acre e Bahia.

Se o leilão não atrasar, os recursos devem entrar no caixa da União no dia 23 de dezembro. O Tribunal de Contas da União (TCU), no entanto, ainda não aprovou o edital. Apesar disso, o governo sustenta que vai publicar o edital, mesmo sem o aval do TCU, até sexta-feira.

O texto foi aprovado em dois turnos na mesma sessão. Na primeira votação, foram 74 votos favoráveis, nenhum contra e nenhuma abstenção. Já no segundo turno a aprovação foi por 69 votos favoráveis e uma abstenção. De acordo com a proposta aprovada no Senado, os governadores e prefeitos terão de obrigatoriamente destinar os valores para investimentos e aportes em fundos previdenciários.

No critério definido pelo Senado, os mesmos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FMP) ,Norte e Nordeste são os mais beneficiados na divisão. Dos dez Estados que devem receber os repasses maiores, nove estão nessas duas regiões.

Cálculos

6 bi a 15 bi

de barris existem na área do pré-sal, segundo estimativa feita pelo governo

R$ 106,5 bi

é quando o governo espera arrecadar com um megaleilão, marcado para novembro