O Estado de São Paulo, n. 45977, 04/09/2019. Política, p. A4

 

Partidos reagem e tentam aumentar fundo eleitoral

Camila Turtelli

Mariana Haubert

04/09/2019

 

 

Congresso. Centrão e oposição fecharam acordo a favor do projeto após o governo anunciar revisão do valor de recursos públicos destinado ao financiamento de campanhas

Reação. Partidos do Centrão se uniram à oposição para tentar aumentar o dinheiro público para campanhas eleitorais

O plenário da Câmara aprovou ontem projeto de lei que abre brecha para aumentar o valor do fundo eleitoral a ser usado no financiamento das campanhas de candidatos a prefeitos e vereadores, em 2020. A votação ocorreu horas depois de o governo admitir revisar, para baixo, após constatar um erro, o valor de R$ 2,5 bilhões que havia destinado ao fundo na proposta orçamentária enviada na sexta-feira passada ao Congresso.

Foram 263 votos a favor e 144 contra. Embora o texto-base aprovado não fixe um valor para o fundo, os congressistas esperam engordar esse caixa. A ideia dos parlamentares foi deixar a quantia em aberto para definição na discussão do Orçamento. O projeto que passou pelo crivo da Câmara também amenizou punições, ressuscitou a propaganda partidária no rádio e na TV e alterou regras eleitorais e partidárias.

A votação foi uma resposta ao anúncio da equipe econômica de que corrigiria a previsão do valor que será usado para bancar campanhas. A estimativa do governo é de que a cifra caia para R$ 1,86 bilhão, uma redução de 27% em relação aos R$ 2,5 bilhões da proposta orçamentária enviada ao Congresso.

Partidos do Centrão se juntaram à oposição e fecharam um acordo para aprovar o projeto que deixa em aberto os valores para o fundo. Os destaques, que podem alterar o texto, deverão ser votados hoje. Depois disso, o texto seguirá para o Senado.

A proposta foi articulada pelo deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade. O parlamentar propôs mudança na regra que define o fundo eleitoral, composto por um porcentual das emendas de bancadas estaduais, além de compensação fiscal de propaganda partidária na TV e rádios. O texto deixa indefinido o montante das emendas que irá compor o fundo – determinado pela Lei Orçamentária Anual (LOA) –, abrindo brecha para que seja mais do que os atuais 30%.

O acordo foi costurado com aval de líderes do Centrão – bloco informal que reúne partidos como DEM, PP, PL, Republicanos (ex-PRB), Solidariedade – e também do PT.

Uma manobra para construir um “plano B” e aumentar o valor destinado a campanhas eleitorais já havia sido discutida antes pelos parlamentares, sem avanços. Durante a negociação da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), o deputado Cacá Leão (PP-BA) chegou a anunciar a retirada de um projeto de aumento do fundo, que poderia chegar a R$ 3,7 bilhões. O recuo foi motivado pela reação das redes sociais e também por críticas do presidente Jair Bolsonaro ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

No ano passado, os partidos receberam R$ 1,7 bilhão de fundo eleitoral. O Ministério da Economia chegou a divulgar uma previsão de R$ 2,5 bilhões para 2020 na sexta-feira, mas depois mudou os números, alertado para um erro no cálculo pelo líder do Novo na Câmara, Marcel Van Hattem (RS). Líderes partidários se reuniram ao longo do dia para fechar os últimos detalhes do novo texto. Partidos como o PSL – sigla do presidente Jair Bolsonaro –, Novo e PSOL se manifestaram contra o aumento dos gastos do fundo eleitoral.

Além de afrouxar regras para as legendas, a proposta costurada inclui alterações que podem trazer novos custos indiretos à União, como a volta do programa partidário no rádio e na TV, extinto em 2017 para criação do fundo eleitoral. A proposta permite, ainda, que as siglas usem o dinheiro para impulsionar postagens na internet, previstas apenas como gastos eleitorais.

Outra regra que pode ser flexibilizada se refere ao pagamento de advogados em defesa de filiados. Em maio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) endureceu as penas impostas aos partidos no julgamento das contas anuais e proibiu que partidos paguem a defesa de investigados.

Para exibir as peças publicitárias dos partidos, o governo concedia benefícios fiscais a emissoras de TV e rádio. De acordo com a lei que criou o fundo eleitoral, esse valor da compensação fiscal seria revertido para as despesas de campanhas.

Cálculos. Segundo nota técnica do Novo, o governo somou um valor errado e considerou todo o ano de 2016, ano em que só houve propaganda dos partidos no primeiro semestre. Como era ano eleitoral, no segundo semestre foi ao ar a propaganda eleitoral dos candidatos. De acordo com o Ministério da Economia, quando a Receita Federal enviou os cálculos da compensação da propaganda de televisão os dados não estavam desagregados, o que acabou inflando o número.

No Twitter, no sábado, Bolsonaro afirmou que o valor maior em relação a 2018 estava previsto em lei e levava em consideração a compensação fiscal da propaganda partidária de rádios e televisões corrigida para 2020. Ele disse ser fake news que tenha aumentado em R$ 800 milhões o fundo eleitoral e publicou documentos do Tribunal Superior Eleitoral que tratavam sobre o cálculo do fundo.

Na prática, é a partir da proposta enviada pelo governo que o Congresso define como serão gastos os recursos públicos no próximo ano. Com os R$ 2,5 bilhões, propostos anteriormente, o PSL de Bolsonaro poderia receber uma quantia 26 vezes maior do que a obtida pela legenda no ano passado.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Verba para campanha

1. Quando o fundo foi criado?

Para driblar o fim das doações de empresas para campanhas eleitorais – vetadas pelo Supremo Tribunal Federal desde 2015 -, o Congresso aprovou em 2017 a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Mais conhecido como fundo eleitoral, ele distribuiria, na época, mais de R$ 1,7 bilhão para os partidos promoverem suas campanhas nas eleições 2018.

2. Qual a origem do dinheiro?

Abastecido com recursos do Tesouro Nacional, o fundo eleitoral integra o Orçamento-Geral da União.

3. Como é a distribuição por partido?

Na época da criação do fundo, a distribuição dos valores para cada sigla seguia critérios diferentes. Do montante total, 2% eram divididos igualmente entre todas as legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); 35% divididos entre os partidos com pelo menos um representante na Câmara; 48% divididos conforme o número de deputados de cada partido na Câmara; e 15% divididos conforme o número de senadores de cada sigla.

4. Qual é o valor do fundo eleitoral?

Ontem, o governo corrigiu a previsão do valor que será usado para bancar campanhas de candidatos a prefeitos e vereadores, no ano que vem. A previsão é a de que o montante caia para R$ 1,86 bilhão – uma redução de 27% em relação aos R$ 2,5 bilhões previstos na proposta orçamentária enviada ao Congresso na semana passada.