O Estado de São Paulo, n. 45976, 03/09/2019. Política, p. A8

 

Bolsonaro define 4 vetos à Lei de Abuso

Tânia Monteiro

Julia Lindner

03/09/2019

 

 

Entre itens que presidente vai retirar de texto, estão o que regula uso de algemas e o que pune desrespeito a prerrogativas de advogados

Análise. Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada; presidente garante vetos pedidos pelo ministro Sérgio Moro

O presidente Jair Bolsonaro já concordou em vetar a restrição ao uso de algemas e outros três pontos específicos do projeto de lei de abuso de autoridades, segundo auxiliares que acompanham as discussões no Palácio do Planalto. Estão na lista os trechos que tratam de prisão “em desconformidade com a lei”, de constrangimento a presos e o que pune criminalmente quem desrespeitar prerrogativas de advogados.

A aprovação na Câmara dos Deputados do projeto que endurece punição a juízes, procuradores e policiais, no dia 15 de agosto, provocou uma reação de parlamentares, entidades de classe e até do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que pressionam Bolsonaro a vetar trechos do texto. A medida é vista como uma reação do mundo político à Lava Jato, pois dá margem para criminalizar condutas adotadas na operação.

Bolsonaro tem repetido que vai atender a quase todos os pedidos de veto feitos pelo ministro da Justiça. “Moro pediu dez (vetos). Nove já estão garantidos”, disse o presidente ontem pela manhã, ao sair do Palácio da Alvorada, sem, no entanto, revelar sobre qual veto ainda tem dúvida. Ele tem até a quinta-feira para decidir quais artigos vai tentar derrubar no projeto.

O veto de maior consenso é o que trata do uso de algemas quando o preso não oferece resistência à ação policial, que está previsto no artigo 17.º do texto aprovado na Câmara. O presidente, segundo auxiliares, já decidiu vetar também o artigo 9.º, que prevê punição ao agente público que prender alguém em “desconformidade com hipóteses legais”. Defensores da derrubada deste item argumentam que o projeto não descreve quais parâmetros podem ser considerados como “desconformidade” para sua aplicação, abrindo margem para punir interpretações de magistrados.

Outro artigo em que já há consenso no Planalto para ser alvo de veto, segundo interlocutores do presidente, é o 13.º, que trata do “constrangimento de preso ou detento com violência, grave ameaça ou redução da capacidade de resistência”. O argumento também é a subjetividade, que pode prejudicar o trabalho policial.

Na lista dos possíveis vetos presidenciais também está o artigo 43.º, que prevê punição criminal para a autoridade que desrespeitar prerrogativas de advogados, como poder falar com seu cliente em particular, ser atendido pelo magistrado e ter acesso à íntegra dos processos.

Dúvidas. Estes itens fazem parte da lista de vetos pedidos por Moro. Há pontos, porém, em que ainda não há definição, como o trecho que prevê punição por buscas em residências “mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e desproporcional” – e o que trata sobre prolongamento de tempo de prisões.

É o caso também do artigo 16.º, que estabelece pena de seis meses a dois anos de detenção para a autoridade que deixar de se identificar durante uma prisão. No Planalto, um dos envolvidos na discussão lembrou que essa identificação pode atrapalhar missões específicas de investigadores e expor policiais de grupos de elite.

Moro também propõe a alteração da redação do artigo 20.º, que prevê detenção de 6 meses a 2 anos e multa para quem “impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado”. A sugestão do ministro é que não seja punida a autoridade que fizer essa prática com base em autorização legal ou judicial.

Não está decidido ainda o que o presidente vai anunciar em relação ao artigo 25.º, que trata da obtenção de prova por meio ilícito, já que o artigo incluiu o uso da evidência com prévio conhecimento da ilicitude. Da mesma forma, ainda em fase de discussão estão os artigos 26.º – indução de flagrantes – e o 30.º – sobre investigações sem causa fundamentada ou contra inocente.

O trecho que trata da perda do cargo como resultado da condenação também poderá ser vetado, mas ainda estão sendo analisadas ponderações feitas pelo Ministério da Justiça. Neste caso, o veto não foi pedido por Moro, mas em documento entregue a Bolsonaro pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).

PROPOSTAS

Os artigos que devem ser vetados por Bolsonaro

Prisão em ‘desconformidade com a lei’ (Art. 9º)

O QUE DIZ O ARTIGO

Prevê punição de detenção 1 a 4 anos de prisão para quem decretar a prisão ou deixar de conceder liberdade em “manifesta desconformidade, com a lei"

POR QUE DEVE SER VETADO

O projeto não descreve quais parâmetros podem ser considerados para sua aplicação.  Magistrados reclamam que, caso entre em vigor, perderão perder sua discricionariedade

Constrangimento a presos (Art. 13º)

O QUE DIZ O ARTIGO

Proposta prevê punir com detenção de 1 a 4 anos o agente público que promover “constrangimento de preso ou detento com violência, grave ameaça ou redução da capacidade de resistência”

POR QUE DEVE SER VETADO

Em parecer, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado pelo ministro Sérgio Moro, aponta forte carga subjetiva no artigo, capaz de prejudicar o exercício da atividade policial.

Restrições ao uso de algemas (Art. 17º)

O QUE DIZ O ARTIGO

Prevê que, caso um agente público submeta um preso ao uso de algemas quando "não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso",  pode ser punido com detenção de até 2 anos

POR QUE DEVE SER VETADO

Parlamentares ligados a área de segurança pública veem uma restrição ao trabalho de policiais. Eles argumentam que a necessidade. ou não, do uso de algemas depende da avaliação policial no momento da operação

Os artigos que ainda estão em análise

Perda do cargo por abuso de autoridade (Art.4º)

O QUE DIZ O ARTIGO

A questão está relacionada a uma das punições previstas na lei. O inciso terceiro do artigo quarto, prevê a perda do cargo como resultado da condenação por abuso de autoridade

POR QUE ESTÁ EM ANÁLISE

Ainda há ponderações feitas pelo Ministério da Justiça que estão sendo avaliadas. A deputada Bia Kicis (PSL-DF), por exemplo, aponta que a punição é excessiva

Obtenção de prova por meio ilícito (Art. 259)

O QUE DIZ O ARTIGO

O artigo prevê punição ao agente público (como policiais e procuradores) que obtiver prova por meio ilícito

POR QUE ESTÁ EM ANÁLISE

Ainda há uma discussão sobre a previsão de estender a punição a quem usar a evidência com prévio conhecimento da ilegalidade

Investigação sem causa fundamentada (Art. 30)

O QUE DIZ O ARTIGO

A proposta aprovada pelos deputados prevê punir com até 4 anos de detenção o agente público que iniciar uma investigação sem uma causa fundamentada ou contra inocente

POR QUE ESTÁ EM ANÁLISE

O argumento do Ministério da Justiça em defesa do veto é de que o Código Penal já prevê punição a "denunciação caluniosa". Portanto. a nova regra seria desnecessária

Negar acesso a processos a advogados (Art.32)

O QUE DIZ O ARTIGO

O artigo trata como atitude passível de detenção negar acesso a autos de investigação, sejam elas preliminares ou avançadas

POR QUE ESTÁ EM ANÁLISE

Neste caso, a equipe de Bolsonaro ainda avalia se haverá ou não o veto