Título: O fator religião
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 23/10/2012, Mundo, p. 20

Em uma disputa que será definida voto a voto, Barack Obama e Mitt Romney são cautelosos ao tratar da fé. Embora minoritários, católicos ajudaram a eleger o presidente em 2008

Em uma eleição presidencial na qual cada fator pode fazer a diferença, uma pesquisa sobre o comportamento do eleitor com relação à religião, especialmente a católica, mostrou como deve votar o importante "grupo da fé" no apertado pleito deste ano. Em 2008, Barack Obama conquistou a Casa Branca graças ao apoio desse eleitorado, de quem obteve 54% dos votos. Mas um levantamento divulgado ontem pelo Instituto Público de Pesquisa Religiosa aponta que o chamado "voto católico" traz variáveis e, acompanhando o panorama geral da corrida presidencial de 2012, também está igualmente dividido entre os candidatos. Tema que passou praticamente despercebido na campanha, a discussão sobre a religião tende a prejudicar o republicano Mitt Romney, que é cristão da vertente mórmon, minoritária e desconhecida da maioria da população. Ainda assim, seu trabalho como missionário foi usado para traçar um perfil "humano" e "caridoso".

Na reta final, as pesquisas de intenção de voto continuam mostrando uma disputa acirrada. De acordo com uma compilação das sondagens feita ontem pela rede de tevê CNN, Obama e Romney aparecem empatados com 47%. A maioria das pesquisas coletadas foi realizada depois do segundo debate entre os candidatos, há uma semana, na Universidade Hofstra (Nova York), no qual o presidente foi percebido como o vencedor. Ontem, os candidatos voltariam a se enfrentar em Boca Raton, na Flórida, no último debate antes da eleição de 6 de novembro. Confirmando o cenário de uma chegada cabeça a cabeça, a média do site Real Clear Politics mostrava empate entre os candidatos, com leve vantagem para Romney, que aparecia com 47,8% contra 47,1% de Obama.

A Sondagem Sobre os Valores Americanos, divulgada ontem, mostrou um forte contraste entre os eleitores católicos, um grupo religioso que representa mais de 70 milhões de americanos, cerca de um quarto da população — embora representem um grupo mais uniforme que o dos protestantes, que são pouco mais de 51%, mas obedecem a diferentes denominações. Estados decisivos nesse pleito, como Flórida e Ohio, têm um grande número de eleitores ligados à Igreja Católica. Ouvidos pelo instituto, eles se mostraram bastante divididos. No total, 49% declararam apoio a Obama e 47%, a Romney. Mas os números são outros quando se cruzam os dados sobre etnia.

Entre os católicos brancos, 54% dizem preferir Romney. Entre os hispânicos, 70% manifestam apoio a Obama. Em 2008, o presidente teve um total de 35 milhões de votos de católicos, equivalentes a 27% da votação popular. Uma reportagem do jornal eletrônico Huffington Post lembra que, nos últimos 40 anos, a maioria dos votos populares nas eleições presidenciais ficou com o candidato que saiu vencedor entre os eleitores católicos.

Apesar das relações estabelecidas pela interpretação das estatísticas, a religião não aparece explicitamente como um fator determinante na escolha dos eleitores, e quase não foi abordada como tema nessa campanha — o que parece bom para Romney, segundo avalia o professor Williams Gonçalves, especialista em Estados Unidos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O professor lembra que a religião do candidato republicano é desconhecida da maioria da população, acostumada a ter presidentes protestantes, como é o caso de Obama — o único católico a conquistar a Casa Branca foi John Kennedy, em 1960. Mais grave para Romney, uma pesquisa divulgada em março pela Bloomberg News mostrou que um entre três americanos tem opinião negativa sobre a Igreja Mórmon.

No armário

O republicano mantém grande discrição no que diz respeito a sua fé, mas passou a usar seu trabalho como missionário mórmon e a mencionar suas vultosas doações a ela para embasar a criação de um perfil mais "humano". No discurso em que aceitou a nomeação de seu partido para concorrer às eleições, em agosto, Romney dedicou uma parte da sua fala ao tema. "Seu filho mais novo até fala espanhol por conta do trabalho missionário. Isso tudo ajuda a invocar a condição de Romney como um homem religioso, preocupado com os mais necessitados", pondera Gonçalves. Se vencer essas eleições, ele será o primeiro presidente americano filiado à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Antes dele, a tentativa foi feita por seu pai, George Romney, pré-candidato em 1968, e pelo fundador da igreja, Joseph Smith, em 1844.