O globo, n.31381, 08/07/2019. País, p. 06

 

No Maracanã, Bolsonaro recebe vaias e aplausos

Janaína Figueiredo 

Marcelo Regua 

08/07/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse na sexta-feira que “o povo” iria dizer, no Maracanã, se o governo estava no caminho certo ou não. Apesar de não cumprir o plano de descer ao gramado no intervalo da final da Copa América entre Brasil e Peru para fazer uma espécie de teste de popularidade, Bolsonaro aceitou o convite para participar da cerimônia de premiação. E, mesmo com o Brasil campeão, recebeu vaia — tanto na entrada como na saída do campo. Os aplausos em apoio ao presidente, porém, competiram com os protestos.

Depois de assistir ao jogo ao lado de vários ministros, entre eles Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), o chefe do Executivo uniu-se ao comitê organizador, mas, ao contrário do que se esperava, não foi o encarregado de entregar a taça à vitoriosa seleção brasileira. O privilégio foi do presidente da Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol), Alejandro Domínguez.

Na comemoração, jogadores brasileiros chamaram o presidente para segurar a taça tirar fotos com o time campeão.

No segundo tempo, o presidente e os principais ministros de seu gabinete abandonaram a tribuna de honra para que Bolsonaro pudesse chegar a tempo ao encerramento da Copa. A intenção do Palácio do Planalto foi, desde o princípio, aproveitar o jogo para fortalecer a imagem pública do presidente e, também, de Moro, nas últimas semanas alvo de denúncias sobre suposta interferência nas ações da Lava-Jato.

A politização da final da Copa América como um referendo informal sobre a atuação de Moro e do governo acabou, no entanto, como coadjuvante no estádio onde, como escrevia Nelson Rodrigues, até o minuto de silêncio é vaiado.

No intervalo, Bolsonaro não desceu ao campo e preferiu se aproximar de torcedores que estavam em arquibancadas próximas à tribuna. Tirou fotos e abraçou seguidores. O grupo era pequeno e recebeu o presidente com entusiasmo.

— Sobre a presença do presidente (no gramado), eles vão ao campo, isso é normal. No pré-jogo ou no intervalo, isso é normal — declarou Thiago Jannuzzi, gerente de competições do Comitê Organizador Local da Copa América.

Durante todo o jogo, os mais próximos de Bolsonaro foram Moro e Guedes, que esta semana enfrentará dias decisivos na Câmara para a aprovação da reforma da Previdência. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, chegou minutos depois de Bolsonaro e demorou um certo tempo para entender onde deveria sentar-se.

AS PRIMEIRAS VAIAS

Também estiveram presentes o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que recentemente enfrentou questionamentos públicos por parte do vereador Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente (Carlos não fez parte da comitiva). Foram incluídos, no entanto, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) e o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Acompanharam ainda o presidente os ministros Osmar Terra (Cidadania) e o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley.

O presidente e sua comitiva foram recebidos num clima de alegria no estádio. Nas tribunas inferiores, vários torcedores tiraram fotos de Bolsonaro. A todos o presidente respondeu com sorrisos e bom humor. No entanto, passados apenas quatro minutos de jogo, a imagem de Bolsonaro ao lado de Moro apareceu no telão do Maracanã e as primeiras vaias, ainda tímidas, apareceram.

Entre os torcedores, as opiniões estavam divididas. Para Yuri Conde Arrighi, administrador de empresas de 30 anos, “a presença de Bolsonaro, Moro e vários ministros é algo normal, todos os presidentes fazem isso”.

— Não vejo utilização política alguma nem o governo tentando se beneficiar da Copa América. Todos os presidentes se vinculam ao mundo do futebol, Lula não fez diferente —comentou.

O técnico em material cirúrgico Igor Pereira também considerou “normal” a presença e os gestos de Bolsonaro durante os jogos da Copa América. Para ele “é um estilo, não tem nada de utilização política”.

LIMITES

Já Arthur Zico (em homenagem ao craque) Ferreira, que tem 29 anos e trabalha com marketing, disse não ter dúvida de que “Bolsonaro está usando esta Copa. Ele não sabe governar, só fazer campanha”.

— Não gosto do Lula, acho que ele foi a pior coisa que nos aconteceu. Mas também acho que é um perseguido político do Moro e Moro, por esse motivo, não deveria ser ministro —opinou Artur.

Mais moderado, Enrique Silveira disseque“o presidentepode vira o estádio, até aí tu dobem. Mas descera o campo é ultrapassar um certo limite”.

Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, de São Paulo, ficaram claras novas fronteiras para Bolsonaro:

—O ocorrido (a vaia) vai ao encontro da ideia de que existe um limite para explorar símbolos. Diante da ideia de que o quadro econômico segue ainda deteriorado, a tendência é uma trajetória de perda de popularidade —analisa, acrescentando: — O capital político de Bolsonaro neste momento parece refletir apenas o bolsonarismo do eleitor que tem identidade com sua agenda, e não mais o que estava presente no campo do antipetismo, da centro-direita. (Colaborou Leo Branco)