O globo, n.31380, 07/07/2019. País, p. 04

 

A batalha pela agenda 

Bruno Góes 

07/07/2019

 

 

Na última quarta-feira, enquanto o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), tentava emplacar a proposta do presidente Jair Bolsonaro para privilegiar policiais federais na reforma da Previdência, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) explodiu. Na residência oficial, ele disse a interlocutores que o presidente não mandava na Câmara e que estava de “saco cheio”. A cena relatada ao GLOBO mostra o tom elevado dos ruídos entre Legislativo e Executivo — uma constante nos

primeiros seis meses de governo e que deve continuar no próximo semestre. Os tropeços na articulação política só reforçaram a intenção de deputados de levar adiante uma agenda própria. Entre os principais líderes, a disposição será dar prioridade às pautas econômicas, algumas em consonância com os objetivos do governo. Reformas como a tributária, administrativa e agendas relacionadas ao emprego e renda são o foco de Rodrigo Maia. A expectativa, entretanto, é que o Parlamento dê pouca ou nenhuma atenção a propostas relacionadas aos costumes, caras ao governo.

Logo após o fim da tramitação da reforma da Previdência na Câmara, uma comissão especial para tratar da reforma tributária será instalada. Maia pretende ainda dar celeridade ao projeto que dá à iniciativa privada a condição de tocar obras de saneamento básico. O pacote anticrime, principal bandeira do ministro da Justiça, Sergio Moro, também deve ter prioridade, mas passará por uma profunda revisão, principalmente em temas polêmicos, como a mudança no conceito de legítima defesa. Além disso, o Congresso deve dar prosseguimento a projetos que têm restrições de figuras importantes do governo, como o abuso de autoridade, já aprovado pelo Senado. A medida é vista com receio por Moro, mas defendida pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente suspeito de ser beneficiário de uso irregular de verba de gabinete quando era deputado estadual. Na esteira da divulgação de mensagens trocadas entre o ministro da Justiça e integrantes da Lava-Jato, uma nova regulação sobre delações premiadas também pode ser analisada por parlamentares.

GRUPO MONTADO POR MAIA

Sem ilusões, um vice-líder do governo na Câmara disse ao GLOBO que a perspectiva é o acúmulo de derrotas em projetos que não são de interesse da maioria dos parlamentares. Com o enfraquecimento do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que foi retirado da função de mediar a relação entre Executivo e Legislativo, poucos arriscam uma previsão positiva sobre o futuro da interlocução. Esse mesmo vice-líder acredita que a intenção de Bolsonaro é esticar a corda e queimar ainda mais as pontes entre o governo e o Congresso.

O novo ministro responsável pela articulação, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), não tem trânsito suficiente entre parlamentares para organizar e negociar as demandas. Sua nomeação é vista com desconfiança por deputados. Maia montou um grupo de parlamentares que estão selecionando propostas para a modernização do Estado. Os deputados, após conversas com técnicos do Ministério da Economia, escolheram 30 projetos para tocar. Desses, cinco foram separados para votação ainda no primeiro semestre, mas devem acabar ficando para depois do recesso parlamentar. São leis como a da “eficiência pública”, que trata da desburocratização e informatização de documentos públicos. Ainda há “o CPF como número único do cidadão”, para redução da burocracia, e reestruturação de cargos e carreiras em agências reguladoras.

Reforma tributária, de quem é a bandeira?

Trata-se da prioridade de Rodrigo Maia para o segundo semestre. Apesar de haver um consenso entre Executivo e Legislativo sobre a necessidade da reforma, a proposta deve enfrentar dificuldades de negociação devido às diferenças regionais de alíquotas. Há divergências ainda sobre o modelo da reforma: Maia prefere o que foi desenhado pelo economista Bernard Appy e Paulo Guedes, o do secretário da Receita, Marcos Cintra.
Pacote anticrime e correção de rumos
Congresso tende a alterar medidas polêmicas propostas pelo ministro Sergio Moro (Justiça), como a mudança no conceito de legítima defesa. Parlamentares avaliam que o desgaste do ministro em razão das conversas divulgadas pelo site “The Intercept” reduzirá seu poder de fogo para manter todos os pontos do pacote, inclusive o excludente de ilicitude, que beneficia agentes de segurança que matam em serviço.

A disputa pelo projeto do abuso de autoridade

O projeto que trata do abuso de autoridade, já aprovado pelo Senado no fim de junho, deve passar sem dificuldades pela Câmara, na avaliação dos líderes. Além disso, desconfianças sobre a Lava Jato podem provocar alteração nas regras para delação premiada, presentes na Lei Anticorrupção. A medida é vista com receio por Moro, mas defendida pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigado por irregularidades na Alerj.
Saneamento, pauta urgente
Depois de parlamentares deixarem caducar a Medida Provisória que estabelece o marco legal para o saneamento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assumiu publicamente o compromisso de aprovar com rapidez um projeto de lei apresentado pelo Legislativo sobre o tema. O texto deve contemplar a participação do setor privado nas atividades relacionadas ao saneamento básico. Menos da metade do esgoto do país é tratada.