Correio braziliense, n. 20493, 30/06/2019. Economia, p. 11

 

Altos e baixos de uma moeda

Simone Kafruni

30/06/2019

 

 

São Raimundo Nonato (PI) — Os anos passam, a tecnologia avança, mas o sonho da população de São Raimundo Nonato ainda é o mais básico: água. A obra da Adutora de Engate Rápido, inaugurada há um ano, está mais para pesadelo. Com 26 quilômetros de extensão, a construção deveria levar água dos poços da Serra Branca ao sistema adutor do Garrincho, possibilitando o abastecimento de nove municípios da região. Apesar do custo de R$ 15,4 milhões, ainda não funciona. O Aeroporto Internacional Serra da Capivara, que gerou muita expectativa em 2014 como porta de entrada para impulsionar o turismo, é outro elefante branco. Consumiu R$ 20 milhões, está pronto, mas só recebe aviões particulares.

Apesar disso, a tecnologia chegou com tudo ao município. A internet avançou graças ao empreendedorismo de Antônio Castro do Rosário Júnior, 38 anos, que, em 1994, quando o Plano Real foi lançado, era um menino de 13 anos, mas já cursava informática. “Aprendi muito ao longo dos anos e nos empregos que tive. Em 2005, decidi parar de trabalhar e focar na manutenção de computadores”, conta. Em 2008, percebeu que o acesso ao crédito era fácil e que havia demanda por equipamentos. Abriu a Infoxente, loja de informática, cujo slogan era “Tecnologia arretada”.

“Vendi muito bem no início, mas depois todas as lojas passaram a oferecer computadores e perdi competitividade. Em 2012, montei um laboratório e decidi focar em redes, área que estava crescendo. Fechei a loja e trouxe os seis funcionários para a Oxente Net”, conta. A empresa, hoje, é a maior provedora de internet da região. Começou com 120 clientes em 2014 e atualmente atende 5 mil, com 50 funcionários, num raio de 100 quilômetros, competindo com as grandes operadoras. “Hoje, 80% dos dados da região passam pela Oxente Net”, destaca. O negócio continua em expansão e a empresa investe em fibra ótica. A projeção é dobrar de tamanho em dois anos. “A ideia é fornecer mais dados e baratear o preço.”

Enquanto a tecnologia avança, o comércio tradicional se mantém na cidade, que é polo para 13 municípios. Vendedora no mercado de carnes de São Raimundo, Sidnaura Araújo, 41, diz que o quilo da carne de bode custava R$ 4,50 em 2004. Em 2014, passou para R$ 11, mas, nos últimos cinco anos, não valorizou muito. “Hoje, eu vendo a R$ 14, mas, se o mercado está ruim, faço a R$ 13. O pessoal está chorando mais”, conta. Ela lembra que a vida melhorou com o Plano Real. A família dela adquiriu carro, moto e equipou a casa com eletrodomésticos modernos. Agora, ela conta com um aliado: o aplicativo do celular. “As vendas melhoraram porque eu fecho negócio por WhatsApp. Vendo até para Teresina. É só encomendar, que eu entrego”, conta.

Tirando a pele

Em 1994, o pernambucano Cosme de Souza Cazé, conhecido como Galego das Peles, dono de uma empresa para comprar pele de animais dos produtores locais e revender para curtumes, era um dos mais entusiasmados com a chegada do real. Chegou a faturar R$ 15 mil por mês. Mas a animação caiu com o faturamento. Em 2004, uma década depois da implantação da moeda, o caixa registrava R$ 8 mil mensais. Em 2014, aos 70 anos, Galego contou que mal fazia R$ 3 mil. Quando a moeda completa 25 anos, ele está aposentado e nem passa mais pela loja no centro da cidade.

Um dos maiores produtores de animais da região, o empresário Absolon Rubem de Araújo, 69, tem a loja agropecuária Casa do Campo na cidade e uma propriedade rural na localidade de Barreira do Doca, a cerca de 22km do centro de São Raimundo Nonato, onde, em 2014, criava 400 cabeças. “Continuo produzindo, agora com foco em melhoramento genético. Mas reduzi o rebanho. Estou com 200 cabeças”, conta. Há cinco anos, estava entusiasmado com o crescimento da cidade. Hoje, Absolon lamenta que o dinheiro esteja curto. “Tem muita loja fechando. A gente vai levando porque é insistente e vai se adaptando”, ressalta.

Empresária em São Raimundo Nonato, Socorro Macedo, 64, lembra que o real representou estabilidade. Nos últimos cinco anos, no entanto, Socorro nota perda no valor de compra da moeda. “Os combustíveis subiram muito, daí tudo fica mais caro por causa do frete. A energia também encareceu. E eu não consigo repassar o aumento de custo para os clientes”, ressalta Socorro, que investiu em tecnologia para se manter no mercado.

Olho no turista

Lucas de Macedo Negreiros, 44, chef e dono de uma pousada, começou a carreira trabalhando com o pai, que percebeu que os representantes comerciais tinham poucas opções para se hospedarem na cidade e viu nisso uma oportunidade. Montaram a Pousada Zabelê, que sobreviveu a muitos planos econômicos do país. “Com o Parque da Serra da Capivara e a estabilidade do real, tentamos difundir o turismo na cidade, criamos comitês. O Sebrae foi um parceiro”, conta Lucas. Com o fim das obras do aeroporto, que, em 2014, estavam quase concluídas, houve uma expectativa positiva. No entanto, não se concretizou. “O governo queria que os voos partissem de Teresina, quando nosso movimento é todo por Petrolina. A estratégia foi errada”, avalia.

Os últimos anos não têm sido fácil. “A energia e o gás subiram muito e não consigo repassar para a diária dos hóspedes. Além disso, temos o eterno problema da água”, diz. A logística para chegar a São Raimundo Nonato também não ajuda, acrescenta Lucas. “A chegada a Petrolina é na madrugada. O turista tem que passar uma noite lá, para, só no dia seguinte, pegar a estrada, que ainda não está totalmente pronta. É preciso alugar um carro. O destino se torna caro”, lamenta.

Por conta disso, o movimento na pousada ainda é 80% comercial. “A tecnologia é nossa aliada. Mas precisamos mesmo é de infraestrutura”, afirma.

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On-line no meio da caatinga

30/06/2019

 

 

Coronel José Dias (PI) — No meio da caatinga nordestina, um novo empreendimento surpreende pela modernidade. O Museu da Natureza, totalmente tecnológico, superou o número de visitantes do vizinho Parque Nacional da Serra da Capivara nos primeiros seis meses de operação. Enquanto o parque, que reúne 170 sítios arqueológicos e completou 40 anos em junho, atraiu 20 mil visitantes pela primeira vez em 2018, o museu atingiu a marca de 27 mil pessoas em meio ano. “Para um local assim, perdido no sertão, é muita gente”, diz a diretora do Museu da Natureza, Rosa Trakalo.

A concepção do espaço começou há muito tempo, em 2003, a partir da iniciativa de Niède Guidon, 86, arqueóloga responsável pela criação do parque da Serra da Capivara e pela Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham). “O Museu do Homem Americano, que inicialmente incluía fauna e flora, ficou pequeno para todas as descobertas que fomos acumulando”, conta. “O novo museu é mais um projeto de ligação entre a ciência e o desenvolvimento comunitário. Só com o envolvimento da população é possível garantir a preservação”, ensina Niède.

Foram 10 anos até que o contrato fosse assinado. “A primeira parcela foi liberada para o projeto, mas colocaram como condição que a pista do aeroporto fosse homologada. A Niède tinha ganho um prêmio e decidiu pagar do próprio bolso. Assim, em junho de 2017, começou a obra, inaugurada em 18 de dezembro de 2018”, revela Rosa. Para montar a exposição, foi chamado Marcello Dantas, um dos principais museólogos do país. “O que está fazendo do museu um sucesso é que ele atrai todo tipo de público”, afirma.

Ponto para a educação

Formado apenas por peças originais encontradas na região, com apenas uma réplica, o espaço tem atraído escolas de todo o Piauí. A visitante Lunara Oliveira, 19, conta como foi convencer o pessoal da Unidade Escolar Areolino Fernandes Braga, do município de Fartura do Piauí, para levar uma turma ao museu. “A gente insistiu até conseguir e valeu a pena. Superou todas as nossas expectativas”.

O professor Wellington dos Santos, responsável pela turma de 34 alunos e familiares da cidade distante 90km de Coronel José Dias, diz que o equipamento incentiva a valorização do ambiente do próprio estado. “Os recursos tecnológicos são fantásticos e ajudam no aprendizado”, afirma. Aos 75 anos, o piauiense Cirano Borges Paes Landim, que mora em Brasília desde 1984, estava encantado. “Estou orgulhoso. Nunca vi nada parecido em lugar nenhum do mundo”.

O conhecimento em arqueologia e o interesse em tecnologia da informação (TI) trouxeram Leandro Santos Paes Landim, 34, de volta a São Raimundo Nonato. Funcionário da Fundação Museu Homem Americano (Fumdham) desde 1998, em 2012, Leandro decidiu viajar. Só retornou à cidade por conta do Museu da Natureza. “O que mais gosto é ver todo mundo sair encantado daqui. Ninguém diz que no meio da caatinga tem um museu com tanta tecnologia”, diz. (SK)