O globo, n.31379, 06/07/2019. País, p. 06

 

Dobrando a aposta 

Jussara Soares 

Daniel Gullino 

Jorge William 

06/07/2019

 

 

Após a divulgação de novas conversas do ministro da Justiça, Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro reforçou ontem a estratégia de usar o apoio popular para legitimar seu governo. Ele afirmou que pretende descer com Moro ao gramado do Maracanã na final da Copa América, que será disputada amanhã entre Brasil e Peru, para fazer um teste de popularidade.

O presidente afirmou que “o povo vai dizer” se ele e seu ministros estão certos, ao ser questionado sobre as novas mensagens atribuídas a Moro e procuradores da Lava-Jato, publicadas pela revista “Veja” em parceria com o site “The Intercept Brasil”. Os diálogos mostram supostas combinações do então juiz no trabalho de acusação na Lava-Jato.

— Pretendo domingo não só assistir à final do Brasil com o Peru, bem como, se for possível e a segurança me permitir, iremos (Bolsonaro e Moro) ao gramado. O povo vai dizer se nós estamos certos ou não —disse.

Não é a primeira vez que Bolsonaro leva Moro a um estádio de futebol. Em 13 de junho, dias depois da primeira reportagem que tratou das mensagens entre o então juiz e procuradores, os dois foram ao jogo entre Flamengo e CSA, em Brasília. Eles foram aplaudidos pela parte da torcida mais próxima à tribuna e vestiram camisas do time carioca.

Em falas públicas recentes, Bolsonaro, cuja relação com o Congresso é conflituosa, tem dito que o apoio popular se sobrepõe às instituições. No último domingo, ao comentar as manifestações em apoio à operação Lava-Jato, escreveu nas redes sociais: “Respeito todas as instituições, mas acima delas está o povo, meu patrão, a quem devo lealdade”.

Já em transmissão ao vivo pela internet na última quinta-feira, recorreu ao mesmo expediente, declarando que o “povo” é “muito mais importante do que qualquer instituição”.

Bolsonaro também já incentivou a população a pressionar os parlamentares em votações, como na derrubada do decreto de armas e na autorização de um crédito emergencial de R$ 248 bilhões.

O cientista político Carlos Pereira, da FGV-SP, critica a prática de Bolsonaro de jogar a população contra as instituições. Ele afirma que o presidente adota uma espécie de “presidencialismo plebiscitário”, que se acentua em momentos de crise:

— As instituições têm procedimentos, ritos, normas que precisam ser respeitadas. Isso que legitima a democracia. Quando se coloca a preferência do eleitor acima das regras, se fragiliza as instituições. Quando ele passa por momentos de dificuldade, a conexão direta se torna quase um imperativo para que o governo consiga implementar suas políticas e conter danos. É uma incompreensão de que o eleitorado e a opinião pública escolhem os governantes, mas quem governa não são os eleitores, são os representantes, através das instituições.

Já o cientista político Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ressalta o sucesso dos dois atos pró-governo realizados até agora e aposta que esse método vai se intensificar no segundo semestre, quando, após a provável aprovação da reforma da Previdência, o pacote anticrime de Moro tende a se tornar uma das principais agendas do governo:

— Ele vai jogar com a mesma estratégia para pressionar o Congresso, já que o pacote anticrime não tem o apoio tão forte no Congresso.

VAIAS

Ontem, ao ser questionado sobre vaias quando foi ao gramado no intervalo de outro jogo de futebol, entre Brasil e Argentina, em Belo Horizonte, Bolsonaro disse que os protestos foram para a seleção argentina que entrava em campo no momento.

—Houve vaia quando a seleção da argentina entrou. E aí jogaram a câmera para cima de mim, queriam o quê? A organização da Copa América disse que não há problema em Bolsonaro entrar no campo amanhã. Ao falar sobre as mensagens atribuídas a Moro, Bolsonaro pediu que a imprensa cobrasse os resultados da investigação sobre Adélio dos Santos Bispo, o agressor que lhe deu uma facada durante a campanha.

— Falam tanto na questão do Moro, telefone, etc. Cadê o caso Adélio? Vocês não vão dar uma forcinha no caso Adélio? A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pediu para não quebrar o sigilo de telefone de alguns —disse o presidente.

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Ex-juiz alertou MPF para inclusão de prova, diz revista 

06/07/2019

 

 

Segundo mensagens, Moro teria avisado sobre a ausência de uma informação em denúncia contra operador de propina

Em novos diálogos divulgados pela revista “Veja”, em parceria com o site “The Intercept Brasil”, o então juiz Sergio Moro teria alertado o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, sobre a ausência de uma prova em processo contra o operador de propina Zwi Skornicki. Ele também teria feito pressão contra a negociação de delação premiada do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ). Moro e Dallagnol contestam a autenticidade das mensagens, denunciam a invasão ilegal de suas comunicações e negam infrações. Em conversa de 28 de abril de 2016, Dallagnol teria dito à procuradora Laura Tessler que Moro o avisou sobre a ausência de uma informação — um depósito a um funcionário da

Petrobras —na denúncia contra Skornicki, representante do estaleiro Keppel Fels. “Laura no caso do Zwi, Moro disse que tem um depósito em favor do (Eduardo) Musa e se for por lapso que não foi incluído ele disse que vai receber amanhã e da tempo. Só é bom avisar ele”, teria escrito Dallagnol. “Ih, vou ver”, teria respondido Laura.

De acordo com a revista e o site, o comprovante do depósito de US$ 80 mil, feito por Skornicki a Musa, foi incluído no dia seguinte. Moro aceitou a denúncia e, para isso, citou o documento. Em nota, Moro afirma que não tem como “confirmar ou responder pelo conteúdo de suposta mensagem entre terceiros”. E que a acusação relativa ao depósito não foi reconhecida como crime. —Eu absolvi. Vou pedir para incluir fato na denúncia e depois absolver? Não é nem questão de parcialidade. É esquizofrenia —reagiu Moro. Em 5 de julho de 2017, Moro teria questionado Dallagnol sobre eventual colaboração premiada de Eduardo Cunha. “Rumores de delação do Cunha... Espero que não procedam”, teria escrito o então juiz. “Só rumores. Não procedem. Cá entre nós, a primeira reunião com o advogado para receber anexos (nem sabemos o que virá) acontecerá na próxima terça. Sempre que quiser, vou te colocando a par”, teria respondido Dallagnol. “Agradeço se me manter informado. Sou contra, como sabe”, teria escrito Moro em resposta. Em nota, a assessoria de Moro afirma que eventual colaboração de Cunha, por envolver supostos pagamentos a autoridades com foro privilegiado, “jamais tramitou na 13ª Vara de Curitiba ou esteve sob a responsabilidade do ministro, então juiz”.

DATAS DE OPERAÇÕES

Em 13 de outubro de 2015, Moro teria sugerido data para operação da força-tarefa. “Estava lembrando aqui que uma operação tem que sair no máximo até por volta de 13/11, em razão do recesso e do pedido do russo (Moro) para que a denúncia não saia na última semana”, teria escrito o procurador Paulo Galvão ao colega Roberson Pozzobon. “Após isso, vai ficar muito apertado para denunciar”. Pozzobon teria respondido: “Uma grande operação por volta desta data seria o ideal. Ainda é próximo da proclamação da república. rsrs”. Segundo a revista, a operação mencionada seria a Passe Livre, que prendeu em 24 de novembro o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula. Ele foi denunciado em 14 de dezembro. Moro teria recebido a denúncia no dia seguinte, perto do recesso do Judiciário.

Moro disse, em nota, que quando se discutem datas de operações, “trata-se do cumprimento de decisões judiciais já tomadas, sendo necessário que, em grandes investigações, como a Lava- Jato, haja planejamento para sua execução, evitando, por exemplo, a sua realização próxima ou no recesso Judiciário”.

Já em 13 de julho de 2015, ainda de acordo com a reportagem, Dallagnol teria comentado em grupo de colegas do MPF sobre um encontro com Fachin. “Caros, conversei 45 m (minutos) com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso”, teria escrito.