O globo, n.31379, 06/07/2019. Sociedade, p. 24

 

Vacinas atrasadas

Ana Letícia Leão

06/07/2019

 

 

O Ministério da Saúde deixou de enviar ou atrasou a distribuição de três tipos de vacina para ao menos 18 estados e o Distrito Federal nos últimos meses. Nesses locais, secretarias de saúde estão lidando com a chegada irregular de doses de BCG, que evita tuberculose em bebês; de pentavalente, que protege contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e meningite; e de antirrábica, destinada a cães e gatos. Segundo levantamento feito pelo GLOBO, o problema existe, na maior parte dos estados, desde abril. Há casos de distribuição irregular que duram mais de um ano. Apesar disso, ainda não houve registro de falta de vacina nesses estados. O governo federal promete regularizar o envio da pentavalente na semana que vem, mas não deu prazo para a BCG e a antirrábica.

Em São Paulo, a secretaria estadual de saúde informou que há dois meses o ministério não repassa as doses da pentavalente previstas e que a BCG tem sido enviada em quantidades menores do que o combinado. A campanha de vacinação de cachorros e gatos, que ocorre em agosto, pode ficar comprometida na capital paulista. A Secretaria Municipal de Saúde afirmou ter recebido, em 28 de junho, comunicado do ministério dizendo que a antirrábica não será repassada neste ano. A prefeitura está fazendo compras emergenciais de vacina para tentar garantir a antirrábica aos animais. O Rio de Janeiro não recebe novos lotes de pentavalente desde maio. Já a última leva da antirrábica chegou no ano passado.

A Secretaria da Saúde de Minas Gerais não recebeu as doses de pentavalente previstas para julho e só teve acesso a 41% da cota mensal da BCG.

O estado do Mato Grosso disse que está recebendo quantidade reduzida da BCG há mais de um ano e, por isso, as vacinações estão sendo realizadas apenas por agendamento. A pentavalente também foi reduzida. Em Pernambuco, os envios de pentavalente e BCG estão irregulares, e a secretaria se organiza para usar o que ainda tem em estoque. Uma das dificuldades relatadas pelos estados sobre a administração dos estoques de BCG é em relação ao prazo de validade da vacina. Segundo especialistas, uma ampola aberta com dez doses precisa ser aplicada em até seis horas. As doses que não forem aplicadas no período devem ser inutilizadas. O Ministério da Saúde confirmou que a quantidade de BCG e pentavalente enviada aos estados está reduzida. Em nota, a pasta afirmou que isso acontece porque parte das doses está sob análise no INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde), órgão vinculado à Fiocruz. Segundo o ministério, as retenções para análises são rotineiras e obedecem a normas de segurança.

Análise laboratório

O INCQS informou que amostras das vacinas BCG estão sob análise laboratorial desde abril e que a conclusão do processo pode levar até de 90 dias. Em relação à pentavalente, o instituto afirmou, em nota, que “um número maior de amostras está sendo processado a pedido do Ministério da Saúde e da Anvisa”. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) relatou que um lote da pentavalente foi retido no mês passado, após análise do ICQNS por “ensaio de aspecto”, o que significa que cor, textura e presença de partículas eram diferentes do padrão.

No início da noite, o Ministério da Saúde enviou nota afirmando que 475 mil doses da vacina pentavalente serão enviadas para os estados na próxima semana, “regularizando os estoques em todo o país”.

De acordo com a pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai, manter o calendário de vacinações em dia é a única forma de eliminar a ocorrência de doenças como coqueluche, meningite e difteria. —O que vemos hoje é uma diminuição da cobertura vacinal. A BCG era a única que chegava a 100% de cobertura porque era feita ainda na maternidade. Hoje, está irregular. Vejo mães na alta hospitalar sendo orientadas a passar no posto para vacinar. Ainda tem vacina, mas estamos com uma distribuição menor —alerta. A BCG deve ser tomada pelo bebê ao nascer, em única dose, e previne contra manifestações graves de tuberculose, principalmente a meníngea, quando há inflamações nas meninges. Já a pentavalente deve ser administrada em três doses: aos dois meses, aos quatro meses e aos seis meses de idade. Para a pediatra, é importante garantir a oportunidade de vacinação em todo o país, para que não haja baixa nas imunizações. Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, ressalta que a coqueluche, que só pode ser prevenida com o uso da vacina pentavalente, é responsável pela maior parte das mortes de bebês com até uma semana de vida.

— É a vacina que mais preocupa ficar sem. Enquanto o bebê não completa a terceira dose, não está protegido. No recém-nascido, pela imaturidade do sistema imunológico, a coqueluche é muito grave.