Correio braziliense, n. 20402, 31/03/2019. Política, p. 4

 

Uma visita delicada para Jair Bolsonaro

Cláudia Dianni

Rosana Hessel

31/03/2019

 

 

Poder/ Em Israel, presidente terá de ser cauteloso para não criar conflito com países árabes, nem desagradar a exportadores brasileiros ou ao eleitorado evangélico

O presidente Jair Bolsonaro desembarca hoje em Israel para uma visita com potencial polêmico dentro e fora do Brasil. Suas falas e decisões podem desencadear reações no mercado, na comunidade internacional e entre seus eleitores. Ele chega a Israel a poucos dias de o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, sob investigação por prática de corrupção, disputar a reeleição, no dia 9 de abril. “O Brasil deve ter pouco a ganhar nessa viagem, mas, para Netanyahu, será um sinal de prestígio em pleno fim de mandato”, avalia o conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Marcos Azambuja, que espera que o presidente não faça algo que crie desconforto. “O que se espera mesmo é que não haja um dano maior. Israel é um espaço pequeno onde muitos conflitos acontecem com múltiplas fontes de tensão.”

A visita do presidente tem uma dimensão de reciprocidade a Netanyahu, que esteve presente em sua posse e enviou militares para ajudar nas buscas em Brumadinho (MG), em janeiro, quando do rompimento da barragem da Mina do Feijão, da Vale. Mas esse não é o cerne da estratégia política de Bolsonaro ao se aproximar de Israel.
Na cena internacional, a diplomacia do presidente busca cumprir a agenda antiglobalista, propagada por seu guru, o escritor Olavo de Carvalho, que mora na Virgínia (EUA). ”O governo acredita que Israel é uma espécie de referência da luta antiglobalista. Em sua posse, o chanceler Ernesto Araújo disse que o Brasil iria reconstruir suas relações com Estados Unidos, Hungria, Polônia, Israel e a Nova Itália, ou seja, o atual eixo populista conservador global”, disse Guilherme Casarão, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista nas relações do Brasil com o Oriente Médio.
Política interna
Domesticamente, Bolsonaro mira seus eleitores evangélicos. Antes mesmo de tomar posse, o presidente prometeu transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, uma atitude polêmica na comunidade internacional, já que a maioria dos países espera um acordo de paz entre Israel e a Palestina, antes do gesto simbólico que reconhece Jerusalém, reivindicada por ambas as partes, como a capital de Israel. Apenas Estados Unidos, aliado histórico de Israel, e por iniciativa de Donald Trump, e a Guatelamala têm suas embaixadas em Jerusalém.
“Os evangélicos neopentencostais, que representam boa parte de seu eleitorado, acreditam que, para o cumprimento de uma profecia bíblica da volta de Jesus Cristo à Terra, é necessário que a Terra Santa esteja nas mãos dos judeus e que eles sejam convertidos”, explica Casarão.
Se a mudança da embaixada atende aos princípios ideológicos dos olavistas e religiosos dos evangélicos, que representam boa parte do eleitorado do presidente e têm uma forte bancada no Congresso Nacional, provoca a comunidade internacional e desagrada aos exportadores brasileiros de aves e carnes para países árabes. Já em janeiro, depois de sua posse, a Liga Árabe enviou uma carta em que pedia que o Brasil cumprisse o direito internacional e ameaçou retaliação. E elas vieram. A Arábia Saudita descredenciou cinco frigoríficos brasileiros que exportam para o país.  Antes de embarcar, o presidente ensaiou um recuo e disse que pode abrir um escritório comercial em Jerusalém.
A aproximação de Bolsonaro com Israel começou em maio de 2016, quando, em missão parlamentar, ele viajou ao país com os três filhos e foi batizado no rio Jordão pelo pastor Everaldo. Mas o alinhamento é mais antigo. Em 2014, quando Israel bombardeou o território de Gaza, matando centenas de pessoas, principalmente crianças, a então presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff criticou o ataque, que classificou de desproporcional. Em resposta, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, chamou o Brasil de “anão diplomático”. O então deputado Jair Bolsonaro enviou uma carta à embaixada de Israel pedindo desculpas pelo posicionamento do Itamaraty, acusando Dilma de praticar terrorismo durante a ditadura militar.
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Missão leva empresários, mas foco é político

31/03/2019

 

 

Está previsto que Brasil e Israel assinem acordos na área de tecnologia, aviação e segurança pública. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) organizou cerca de 60 empresas brasileiras para participar da missão. O governo brasileiro também pretende aproveitar a viagem para atrair startups estrangeiras .  Mas analistas acreditam que a importância da missão é mais política do que comercial, considerando o volume de comércio entre os  países.
Em 2018, as exportações do Brasil para Israel somaram US$ 321 milhõesm e as importações, US$ 1,2  bilhão. O país de nove milhões de habitantes, menos da metade da população de São Paulo, compra pouco do Brasil e, em grande parte, commodities, como soja, suco de laranja e café. As exportações nacionais, de 2000 a 2018, nunca chegaram a 1% do total das vendas, conforme levantamento feito pela economista Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE-FGV).
“O Brasil não é competitivo para exportar para Israel, que é um mercado muito pequeno e não tem escala para justificar o custo da distância. Um acordo no campo tecnológico, com preferências nessa área, seria interessante, assim como na área de irrigação, em que eles têm bastante conhecimento”, destaca Valls.
O  presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, avalia que as primeiras viagens do presidente para Estados Unidos, Chile e Israel mostram as prioridades do novo governo. “Ficou claro que o Mercosul não é prioridade, apesar de ser o segundo maior mercado de manufaturados. Não sei qual a razão para o presidente não ter ido à Argentina até agora”, critica. O presidente chega a Tel Aviv nesta manhã e será recebido pelo primeiro-ministro israelense em sua casa para um jantar. Antes, os dois terão uma reunião para assinatura de acordos. Está previsto também um comunicado conjunto à Imprensa.
Na segunda-feira pela manhã, Bolsonaro visita uma Unidade de Contraterrorismo da Polícia Israelense e participa de uma cerimônia de condecoração da Insignia da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul à Brigada de Busca e Salvamento de Israel, que participou das buscas em Brumadinho (MG). Na parte da tarde, o presidente visita o Santo Sepulcro e o Muro das Lamentações.
Na terça-feira, ele participa de encontro com empresários brasileiros e israelenses, vai a uma  exposição de inovação com o premiê de Israel, e à empresa Mobilieys, onde fará um passeio em veículo autônomo. Depois de um almoço com empresários, visita uma exposição sobre o holocausto e participa de cerimônia de oferenda de flores. O presidente volta ao Brasil na quarta, no início da tarde, mas antes vai conhecer uma comunidade de brasileiros em Raanara.
A missão inlcui os ministros das Relações Exteriores; das Minas e Energia; da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação;  o Gabinete de Segurnça Institucional e senadores, entre eles, Flávio Bolsonaro.  (RH e CD)