O globo, n.31378, 05/07/2019. País, p. 04

 

Base em construção

Natália Portinari

Bruno Góes 

05/07/2019

 

 

Em meio à troca de comando na articulação política, o governo enviou nos últimos dias a parlamentares uma lista de programas prioritários em ministérios para que eles indiquem prefeituras para receberem obras e outras ações. A medida visa a formação de uma base aliada, especialmente para o avanço da reforma da Previdência no Congresso.

O gesto, porém, causou ruídos dentro e fora do governo porque o documento, ao qual o GLOBO teve acesso, não inclui os ministérios de Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Sergio Moro (Justiça). Só programas das pastas da Saúde, Educação, Agricultura, Desenvolvimento Regional e Cidadania serão contemplados.

Os deputados aliados terão a oportunidade de indicar, em um primeiro momento, até R$ 10 milhões nessas ações. Os programas que constam no “Plano de políticas públicas Programas e Ações - Fase 1/ 2019” são aquisição de veículos e apoio para a construção de escolas, fomento à agricultura familiar, obras de saneamento, obras civis, energia, conservação de estradas nas zonas rurais, entre outros.

Na introdução do documento, afirma-se que “foram designados os ministérios cujas políticas têm eficácia comprovada e capilaridade no atendimento das principais demandas nacionais”. O plano diz ainda que há “efetividade finalística comprovada” nessas ações dos ministérios escolhidos.

A negociação com o Congresso, conduzida até então pelo ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), prevê a liberação de R$ 40 milhões até o fim do ano. A promessa feita a líderes partidários e deputados foi que o governo liberaria R$ 10 milhões para cada parlamentar antes da votação da reforma da Previdência em primeiro turno no plenário; depois, seriam mais R$ 10 milhões e outros R$ 20 milhões até o fim do ano. A lista de municípios contemplados já foi encaminhada para a maioria dos partidos no Congresso.

No PSL, segundo o deputado Coronel Chrisóstomo (PSL-RO), alguns parlamentares ligados à área de segurança recorreram ao líder do partido na Câmara, Delegado Waldir (GO), para poder destinar verba ao Ministério da Justiça.

Waldir, porém, diz que não houve negociação para ampliar o leque de ministérios para a destinação de recursos. Para ele, seria importante atender a diferentes áreas, mas afirma que a decisão do governo foi um “pacote fechado”. O líder do PSL na Câmara destinou os R$ 10 milhões a que tem direito agora à compra de material escolar para municípios de Goiás.

— Na verdade poderia abrir para todos os ministérios. Assim teríamos mais opções. Mas a gente tem que ver o que o governo está querendo. Não sei qual é a opinião do governo —disse ele.

A ministra Damares Alves disse anteontem que ficou “muito triste” quando tomou conhecimento do assunto. Segundo pessoas próximas, ela teria recebido uma ligação de um parlamentar relatando que tentou direcionar cerca de R$ 2 milhões para seu ministério, mas foi impedido.

Ao participar de um seminário sobre adoção, Damares afirmou que fez uma reclamação “dura” internamente no governo a respeito do assunto. E disse que, por conta do tom que adotou, não sabia se permaneceria no cargo. A ministra não especificou para quem teria direcionado as críticas dentro do governo.

DESCONFIANÇA

A ideia é que os deputados possam “apadrinhar” as obras e entregas feitas com essas verbas, apesar de não serem emendas individuais. Como o governo nega que tenha oferecido o dinheiro a parlamentares que votarem a favor da Previdência, alguns têm desconfiado da promessa.

— Como vai fazer para anunciar esse tipo de coisa? É um presente de grego — diz Capitão Augusto (PLSP), líder da bancada da bala, que nega ter indicado prefeituras.

No início de junho, a Casa Civil negou ao GLOBO que os R$ 10 milhões tenham sido oferecidos e disse se tratar de ficção. “Quem precisava comprar votos era o PT, que era corrupto e não tinha projeto para o país. Este governo não se assemelha em nada àqueles e nem o Congresso é o mesmo que o PT estava acostumado a lidar”, disse o ministério em nota. A Casa Civil foi procurada ontem novamente, mas não respondeu.

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Na largada, pouca familiaridade com congressistas 

Bela Megale 

Naira Trindade 

Jussara Soares 

05/07/2019

 

 

Recém-empossado na pasta que responde pela articulação política do governo, o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) mostrou pouca familiaridade com os congressistas, pelo menos na cerimônia que o oficializou no cargo, realizada ontem.

Assediado por diversos parlamentares para posar para selfies após a cerimônia, ele foi avisando:

—Pessoal, tenho que começar a anotar os nomes dos deputados para vocês me ajudarem —disse o novo ministro, que emendou, questionando aos parlamentares quais estados representavam.

Na solenidade, o presidente Jair Bolsonaro disse que Ramos ajudará a buscar soluções nos debates sobre a reforma da Previdência. O ministro, que é amigo do presidente, assume o cargo de Santos Cruz, que foi demitido. Seu antecessor era alvo de críticas de congressistas pela falta de diálogo e de traquejo político.

Ramos afirmou que vai trabalhar em sintonia com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni , na articulação política com o Congresso. Formalmente, a Casa Civil perdeu essa atribuição, que foi transferida para a Secretaria de Governo em recente reformulação feita por Bolsonaro. A mudança ocorreu em meio a derrotas do governo no Congresso.

— Não se troca o técnico em meio ao jogo — afirmou o novo ministro, após almoçar no bandejão do Palácio do Planalto.

Em seu primeiro dia como ministro, Ramos decidiu descer do quarto andar e almoçar com os funcionários em um restaurante self service que fica no térreo do Planalto. Após dizer que adorou a carne assada, o ministro brincou:

—Vou comer onde? Sempre almocei com meus soldados.

Ramos admitiu que já vem mantendo contato com deputados com os quais tinha relação quando era assessor parlamentar do Exército.

Ramos terá como desafio formar uma base aliada. O governo tem enfrentado dificuldades para aprovar pautas prioritárias para o Planalto, como a reforma da Previdência; a manutenção da flexibilização do porte e da posse de armas, feita por decreto; e o pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça).

Para não repetir tropeços de Onyx, Ramos terá que construir um bom relacionamento com o Congresso, mas não tão próximo a ponto de gerar desconfianças de Bolsonaro e seu entorno.