O globo, n.31378, 05/07/2019. Sociedade, p. 24

 

Gravidez de risco 

Ana Paula Blower 

05/07/2019

 

 

O Rio de Janeiro é o sexto estado do país mais negligente com a mulher que engravida. Segundo dados do Ministério da Saúde, 84,7 mulheres em cada 100 mil morrem de causas relacionadas à gestação (durante a gravidez, no parto ou até 42 dias depois dele). Mais de 90% dessas ocorrências seriam evitáveis, de acordo com o próprio ministério.

O Rio, pior do Sudeste, perde apenas para estados das regiões onde a situação é mais grave: Norte e Nordeste. Pará, Maranhão e Tocantins são os três com os índices mais preocupantes do Brasil (veja mais no quadro nesta página).

Os números mais atualizados referem-se a 2017. A situação do Rio acompanha uma tendência de todo o Sudeste: os últimos dados são os piores desde 2009. Naquele ano, a média de mortes na região era de 64,4 mães por 100 mil nascidos vivos; a partir de 2010, as taxas começam a melhorar, chegando a 46,5 em 2012; e voltam a subir, fechando 2017 em 62,3.

Para especialistas, o agravamento de crises econômicas e sociais acentua problemas como a falta de estrutura dos serviços de saúde, contribuindo para o aumento da mortalidade materna. Outras questões, como a falta de atenção ao pré-natal e ao parto, altas taxas de cesárea e complicações decorrentes de abortos provocados estão no pano de fundo desses óbitos.

— Vivemos uma situação muito difícil no Brasil, e problemas de saúde que acometem mais os pobres, como a mortalidade materna, tendem a piorar. Temos um aumento da pobreza em anos recentes. E de forma aguda, com desemprego, falta de suporte social. Isso tudo agrava a situação dessas pessoas que já eram vítimas desse tipo de problema. Além de um desfinanciamento na Saúde, que gera problema de insumo, falta de pessoal. Tudo impacta na qualidade do atendimento —diz a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz Maria do Carmo Leal.

—De 2017 para cá, tivemos piora nos indicadores econômicos e sociais. Então, podemos esperar um cenário mais dramático ou, pelo menos, a manutenção dele.

TRAGÉDIA EVITÁVEL

As três principais causas de mortalidade materna no país, segundo o Ministério da Saúde, são hipertensão, hemorragia e infecções. Por trás delas, dizem especialistas, estão altas taxas de gravidez indesejada, combinadas a deficiências no pré-natal, dificuldades de acesso aos serviços de saúde, carências de infraestrutura e de capacitação de profissionais.

—Há quadros, como hipertensão, que poderiam ter sido identificados em um pré natal adequado. Na imensa maioria, são mortes evitáveis. É algo que deveria ser prioritário — afirma Elaine Moisés, representante da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo no Comitê Estadual de Vigilância de Mortalidade Materna e Infantil.

No Rio, a primeira causa de morte materna é hemorragia. A ginecologista e obstetra Ana Teresa Derraik, diretora médica do Nosso Instituto, ONG com foco em direitos sexuais e reprodutivos, ressalta que é preciso investir em capacitação técnica e de profissionais para detecção precoce do problema a tempo de evitar mortes. A médica chama a atenção para as gestações não planejadas, cerca de 56% no país, o que pode, por exemplo, atrasar o pré-natal.

— A mortalidade materna diz muito sobre como a sociedade trata as mulheres. As políticas de enfrentamento do problema e o acesso aos direitos sexuais estão negligenciados como um todo. Não se está cuidando para que as populações vulneráveis não engravidem quando não querem —afirma a médica.

Outra causa relevante para as altas taxas de mortalidade é a complicação decorrente de um aborto clandestino, feito em condições precárias. Ana Derraik pontua que muitas mulheres não sabem o que é permitido por lei, como a interrupção da gravidez em caso de estupro.

A superintendente de Atenção Primária à Saúde do estado do Rio, Thais Severino, pondera que o menor índice de nascimentos e a melhor investigação dos óbitos impactam no aumento das taxas registradas pelo Ministério da Saúde. Mas reconhece que 2017 chamou a atenção pelo crescimento do índice. E afirma que há ações em andamento, como a retomada do apoio financeiro aos municípios, para melhorar a atenção primária, a capacitação de profissionais e a qualificação da assistência dos serviços estaduais.

‘AÇÕES DE ENFRENTAMENTO’

Para Thais Severino, não é possível apontar uma só causa para a alta mortalidade materna no estado. Mas ela enfatiza a questão dos leitos: 30% dos obstétricos, hoje, são ocupados por pacientes com sífilis congênita e infecção urinária, diz:

— Teríamos que olhar melhor a condição dessas mulheres para poder remanejar. Há mulheres que chegam com maior necessidade, e às vezes o leito está ocupado.

O Ministério da Saúde afirmou que, além de ações de enfrentamento do problema e fortalecimento da atenção à saúde materno infantil, vem investindo na qualificação e monitoramento das informações sobre óbito materno e infantil, com acompanhamento contínuo das ocorrências desde 2009. Naquele ano, apenas 55,3% dos óbitos maternos eram investigados. Já em 2017, esse percentual passou para 91%.