Título: Proteção que não chegou a tempo
Autor: Puljiz, Mara
Fonte: Correio Braziliense, 24/10/2012, Cidades, p. 23

Tribunal investiga se oficial de Justiça deixou de entregar documento que restringia a aproximação do acusado de matar a ex-companheira

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) apura a suposta falha na entrega de uma ordem restritiva que poderia ter ajudado a salvar a vida de Mariane de Oliveira Alves, 43 anos. O Judiciário local havia definido, no último dia 19, uma sexta-feira, a aplicação de medidas protetivas contra Fábio de Jesus Campos, 34. Segundo a determinação judicial, o ex-companheiro de Mariane deveria ficar pelo menos 200 metros distante dela. Mas a responsável pela entrega do comunicado de afastamento do lar só teria comparecido à casa de Fábio, em Sobradinho, três dias depois, na última segunda-feira, mesma data do assassinato da vítima, na Quadra 16.

A assessoria de imprensa do TJDFT havia informado, preliminarmente, que uma oficial de Justiça tinha ido à residência de Fábio várias vezes, inclusive no fim de semana, mas não o teria encontrado. Ontem, porém, o órgão adotou cautela em relação ao caso. Preferiu aguardar a apresentação de algum protocolo ou certidão que comprove a presença da servidora no imóvel do acusado nesse período. No documento expedido na última sexta-feira, o juiz determinava o afastamento do lar e, em caso de descumprimento, Fábio poderia ser preso.

Para a secretária da Mulher do DF, Olgamir Amâncio, o comunicado das medidas de proteção não impede a prática de crimes, mas serve para constranger o envolvido. “Ela (ação protetiva) cria uma possibilidade de intervenção numa morte anunciada. Quando o Judiciário assegura que o autor não pode se aproximar da mulher, há um movimento de intimidação, mas que, às vezes, não é suficiente, porque nem todos têm receio de descumprir decisões judiciais”, disse. “Já pedi as demais informações para saber o que aconteceu no caso do comunicado e seria leviano dizer agora se houve alguma falha.”

As medidas de proteção vão desde o afastamento do lar e a prisão do autor da agressão até o encaminhamento da vítima de violência doméstica para a Casa Abrigo, gerenciada pelo GDF. Olgamir avaliou o caso de Mariane como atípico. “Ela seguiu o percurso mais correto, mas isso não pode desencorajar as mulheres a denunciarem. Temos muitos exemplos de rompimento da violência graças à denúncia”, ressaltou.

O enterro de Mariane ocorreu às 15h de ontem no Cemitério de Sobradinho. A família preferiu não dar entrevistas. Fábio estava divorciado de Mariane havia quatro meses e ameaçava matá-la caso ela não reatasse o relacionamento. Cumpriu a promessa na última segunda-feira, quando subiu em uma árvore, na Quadra 16 de Sobradinho, e esperou ela passar para esfaqueá-la. O acusado acabou preso horas depois. Em depoimento, disse não ter se arrependido do assassinato. “Ela merecia morrer”, afirmou ele, na 13ª Delegacia de Polícia (Sobradinho), onde o caso foi registrado. A vítima havia iniciado um novo relacionamento dias antes do crime.

Denúncias Apesar de a denúncia significar um auxílio na luta contra a violência, autoridades ouvidas pelo Correio são unânimes: falta um sistema de monitoramento eficaz para acompanhar o cumprimento das medidas protetivas. “Esse é um dos problemas que estamos identificando. Essas mulheres não estão sendo observadas como deveriam. Têm casos que a intimação acontece um ou dois meses depois”, destacou a senadora Ana Rita Esgario (PR-ES), relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional, que investiga a violência contra a mulher no Brasil.

O DF ocupa o 7º lugar no ranking nacional de homicídios, com 5,8 mortes a cada grupo de 100 mil mulheres (leia arte). Enquanto isso, a média no Brasil é de 4,4 assassinatos. Segundo Ana Cristina Melo, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), a unidade registrou quase 3 mil ocorrências de violência doméstica em 2012. No ano passado, foram cerca de 5 mil. “A denúncia é a única chance que a mulher tem. O caso da Mariane foi dramático, mas é uma exceção. Temos milhares de situações bem-sucedidas”, garante.

Memória Eloá Pimentel Desesperado com o fim do namoro, o motoboy Lindemberg Fernandes Alves, 22 anos, manteve encarcerada a ex-namorada Eloá Pimentel, 15 anos. Depois de mais de 100 horas sob a mira da arma do ex-companheiro, Eloá foi baleada na cabeça e na virilha, não resistiu aos ferimentos e morreu em 18 de outubro de 2008. Lindemberg se encontra preso.

Ângela Diniz Raul Fernandes do Amaral Street, conhecido como Doca Street, matou a namorada Ângela Diniz, apelidada de Pantera de Minas, em 1976, com um tiro, por não aceitar o fim do relacionamento. Ele cumpriu pena por homicídio.

Suênia Alves de Farias A jovem morreu com três tiros em 30 de setembro de 2011, após uma discussão com o ex-professor de direito Rendrik Vieira Rodrigues. Segundo depoimentos, ele não aceitou o fim do relacionamento e a matou com cinco tiros, após abordá-la no estacionamento de uma faculdade. Ele ainda levou o corpo para a 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas). Rendrik vai a júri popular, em data ainda não marcada.

Três perguntas para

Mariane registrou ocorrência em 18 de outubro, quando informou à polícia que estava sendo ameaçada. O que deu errado? Existe um prazo para o juiz apreciar o pedido de aplicação da medida protetiva e, nesse caso, o juiz o fez em menos de 24 horas. Só que a medida protetiva, por si só, não é capaz de impedir que o autor se aproxime. Ele pode descumprir uma decisão judicial. Era a primeira ocorrência registrada por ela, mas a violência vinha de muito antes. Há muitos relatos nos quais o ex-marido era violento e, depois da separação, ele ainda rondava a casa. Essa subnotificação é um grande problema. As mulheres precisam relatar à polícia e ao Judiciário na primeira ameaça, injúria, agressão física ou psicológica. A família também tem o dever de denunciar e apoiar essa mulher vítima de violência doméstica.

Então, a vítima procurou ajuda tarde? Ela demorou para registrar ocorrência. Todos sabiam que ela estava sendo ameaçada e poderiam ter denunciado. Na delegacia e no Judiciário, o processo andou rápido, mas não houve tempo de a oficial de Justiça comunicar o autor da determinação de ficar 200 metros longe da Mariane. De qualquer forma, a medida protetiva, por si só, não resguarda a vida de uma pessoa se não houver um respaldo de toda a sociedade, uma vigilância e um cuidado da vítima de informar o descumprimento do autor em relação às medidas determinadas.

Se a medida protetiva não resguarda a vida, o que está faltando para que isso aconteça? Falta uma legislação que vise ao monitoramento do cumprimento dessas medidas. O Estado todo precisa ser aparelhado para garantir um acompanhamento da situação mais de perto, para que o autor não se aproxime da mulher. A sociedade também precisa participar mais ativamente e acabar com essa cultura de que não deve se envolver em briga de marido e mulher. Não basta a lei autorizar. Fiscalizar é um dever de todos.