Valor econômico, v.19, n.4726, 09/04/2019. Brasil, p. A5

 

Mec troca comando, mas opta mais uma vez por nome sem perfil técnico

Beth Koike 

Carla Araújo

Carolina Freitas 

Hugo Passarelli

Fabio Murakawa 

09/04/2019

 

 

Weintraub: declarações públicas apontam para direcionamento ideológico

Como prometido no final da semana passada, o presidente Jair Bolsonaro decidiu colocar "na gaveta" a aliança que tinha com o agora ex-ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez e anunciou ontem a escolha no novo titular da pasta, Abraham Weintraub. Até então secretário-executivo da Casa Civil, Weintraub veio do mercado financeiro e não possui experiência conhecida em gestão pública nem em temas educacionais.

A demissão de Vélez aconteceu em uma reunião pela manhã, que inicialmente não constava na agenda e que somente o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, acompanhou. A ordem no Planalto foi reforçar que não houve indicações políticas e nem influência do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que apresentou Abraham Weintraub para Bolsonaro, nem de Olavo de Carvalho, que havia indicado Vélez e também possui influência sobre o novo ministro.

Entre especialistas, no entanto, a indicação foi recebida com cautela e acendeu alguns sinais de alerta diante da esperada reordenação da pasta depois de um primeiro trimestre repleto de controvérsias. Assim como Vélez, as declarações públicas conhecidas de Weintraub apontam para um direcionamento ideológico, fato que é visto como risco para o andamento das políticas públicas importantes para a área.

"Ele não tem histórico de formulação de políticas públicas para a educação básica. O que ele tem é uma pauta voltada para o ensino superior e muito no sentido de combater a [pretensa] ideologia marxista", afirma Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação.

A atuação de Abraham no mercado financeiro, em que trabalhou por 20 anos, não é uma credencial automática de sucesso, destaca. "A lógica da gestão privada é muito diferente. O melhor seria algum nome que já tem experiência na área, para encurtar a curva de aprendizado."

O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, procurou afastar a visão de que há disputa de poder na pasta, que desencadeou o esvaziamento do gabinete de Vélez e seu enfraquecimento. Segundo ele, Bolsonaro "não acredita em divisão" dentro do MEC e Weintraub foi escolhido por ser uma "pessoa adequada para fazer a gestão". Ainda de acordo com Rêgo Barros, a escolha do novo secretário-executivo da Casa Civil será feita por Onyx, que tem "autonomia para a escolha de seus subordinados".

O ministro da Casa Civil destacou que Weintraub "é um homem com uma sólida formação. Economista, conhece gestão, é professor concursado da Universidade Federal de São Paulo e conhece a iniciativa privada". "Foi uma das pessoas que muito cedo acreditaram na candidatura de Bolsonaro. Foi, junto com muitas outras pessoas, um dos formuladores do plano de governo de Bolsonaro e é uma pessoa muito importante nas tomadas de decisões de rumo do nosso governo."

A chegada de Abraham Weintraub não deve ser tão simples como pregam auxiliares do presidente. Além das resistências internas, o novo ministro terá que decidir o futuro do secretário-executivo da pasta, o tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira, que foi nomeado há cerca de dez dias, justamente para tentar arrefecer a crise no MEC.

Ao Valor Machado Vieira disse que ainda não tinha informações sobre sua permanência ou não no cargo. "Eu não sei de nada. Estou aqui na minha posição e aguardo instruções do novo ministro", disse. Fontes a par do assunto, no entanto, afirmam que Weintraub deve mudar todo o primeiro escalão do ministério

Próximo do ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto Santos Cruz, o brigadeiro foi nomeado em meio a uma tentativa da ala militar de tutelar o ministro Vélez, envolvido em série de polêmicas desde que assumiu.

Na última delas, em entrevista ao Valor na semana passada, afirmou ter a intenção de alterar os livros didáticos para dar uma visão "mais real" do que foi o 31 de março de 1964 e o regime de 21 anos que o sucedeu. O agora ex-ministro rechaçou classificar esses dois eventos de "golpe" e "ditadura militar". Rêgo Barros não quis comentar se essa será uma orientação dada ao novo ministro. "Declarações do ex-ministro Vélez são ex-declarações de ministro, de forma que não se faz necessário comentá-las."

Assim como ocorrera com Vélez, a nomeação de Weintraub passou pelo crivo do escritor Olavo de Carvalho. Os chamados "olavetes" disputam espaço no MEC e em outros órgãos do governo com os militares.

Segundo Rêgo Barros, Weintraub terá autonomia para formar sua equipe. "Como todos os ministros, o presidente autorizou e autorizará sempre que for necessário que seus ministros escalem seus recursos humanos", disse, após cerimônia de sanção do cadastro positivo.

A chegada de Weintraub também provocou reações em representantes do setor privado de educação. "O problema maior não é a sua falta de experiência no setor de educação porque o novo ministro pode se cercar de bons secretários. O que me preocupa é ele fazer uma gestão pautada, novamente, em questões ideológicas, de combate ao 'marxismo cultural', e continuar essa falta de foco", disse Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, sindicato das escolas de ensino superior privado.

"Espero que o governo tenha aprendido e não permita que os erros persistam", disse Haroldo Rocha, secretário-executivo de Educação do governo do Estado de São Paulo e ex-secretário de Educação do Espírito Santo. Ele considera que a gestão de Vélez Rodríguez foi "desastrosa" porque o ex-ministro concentrou-se em pautas periféricas e deixo de lado questões relevantes.

"Temos, por exemplo, de resolver a questão dos livros didáticos, cujas discussões estão paradas desde janeiro devido à revisão de temas ideológicos", afirmou.

O MEC também enfrenta atrasos na entrega de livros literários, os chamados paradidáticos. São 60 milhões de obras em um contrato avaliado em R$ 250 milhões, segundo fontes. Das 250 editoras escolhidas, apenas 70 conseguiram assinar os contratos e entregar os livros para as escolas. O processo de contratação deveria ter sido concluído no fim do ano passado, com entrega entre janeiro e fevereiro.

Ainda segundo as fontes, o MEC chegou a dizer que o problema estava ocorrendo por falta de verba, mas depois admitiu que a razão era a falta de pessoal, após a série de exonerações na Pasta.

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Novo ministro é crítico do 'marxismo cultural'

Hugo Passarelli

Carolina Freitas

09/04/2019

 

 

Número 2 de Onyx Lorenzoni na Casa Civil e discípulo de Olavo de Carvalho, o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, veio do mercado financeiro, mas é bastante alinhado às ideias de seu antecessor, Ricardo Vélez Rodríguez. Em dezembro do ano passado, durante a Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu, ele disse que é preciso vencer um suposto marxismo cultural nas universidades.

Na mesma ocasião, Weintraub afirmou ter sido perseguido pela esquerda na universidade, mesma queixa feita com frequência por Vélez. E disse ter criado um "método" a partir da adaptação da teoria de Olavo de Carvalho "para vencer a esquerda" no debate intelectual. "Dá para ganhar deles. É Olavo de Carvalho adaptado", disse Abraham. "E como ganhamos deles? Não sendo chatos. Temos que ganhar com humor e inteligência", completou.

O novo ministro da Educação foi apresentado formalmente ao presidente Jair Bolsonaro por Onyx Lorenzoni há um ano. Ao lado do irmão Arthur Weintraub, o economista foi colaborador da campanha eleitoral do ano passado e compôs oficialmente a equipe de transição.

A contribuição dos irmãos para a campanha foi na área previdenciária. Os planos deles para as aposentadorias, vetados posteriormente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, incluiam duas frentes: a aposentadoria fásica, que seria a reforma do sistema atual, e a poupança individual de aposentadoria (PIA).

A despeito desse revés, os irmãos ganharam rapidamente confiança e espaço junto a Bolsonaro. Em julho de 2018, por exemplo, eles foram os responsáveis por treinar, por três horas, o então candidato a presidente para falar sobre economia com um grupo de empresários reunidos em São Paulo por Abilio Diniz.

Foi Weintraub quem assinou as demissões no Ministério da Educação na semana passada, no lugar de Onyx. O ex-ministro Vélez já estava em baixa.

Formado em Ciências Econômicas pela USP em 1994, Weintraub fez carreira no mercado financeiro. Trabalhou por 18 anos no Banco Votorantim, onde começou como office-boy e chegou a economista-chefe e diretor. Ele comandou a Votorantim Corretora e a BV Securities. Atuou ainda na Quest Investimentos, em breve passagem. Recentemente, era professor da Unifesp e diretor-executivo do Centro de Estudos em Seguridade. Integrou o comitê de trading da BM&F Bovespa e se tornou mestre em Finanças pela FGV.

Seu currículo na plataforma Lattes destaca uma série de artigos sobre Previdência e outros temas macroeconômicos, mas nenhum com foco em educação.

Em setembro do ano passado, em transmissão na internet sobre o plano de governo de Bolsonaro, ao lado do herdeiro da família real brasileira Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Weintraub afirmou: "É importante ver a correlação: onde a esquerda vai, a droga vai atrás". Ele comentava dados que mostravam os cinco Estados com maiores índices de violência.

Entre 2007 e 2010, quando estava na Votorantim, Weintraub escreveu artigos para o Valor, sobre inflação, macroeconomia e mercado de capitais. Em agosto de 2007, ele comentou a situação monetária na China: "Normalmente, o país que entra na economia de mercado é que se adapta. Ocorre que a China é um mastodonte sendo inserido na economia mundial, deslocando os preços relativos em todo o mundo livre", afirmou.

Em maio de 2010, mostrou otimismo ao prever que 2025 seria o "apogeu brasileiro". "Chineses e indianos consumirão mais energia, papel, açúcar, minérios. O Brasil será um grande fornecedor", afirmou à época.

"Não seremos a fagulha do renascimento libertário econômico ou político, tampouco um vetor obscurantista. Nessa idade de incertezas, o Brasil, moreno faceiro, é um país inteligente o bastante para não ser radical. Historicamente, nossos movimentos são suaves. Há uma deterioração mundial, mas aqui ela é marota, quase imperceptível", disse.