Correio braziliense, n. 20495, 02/07/2019. Política, p. 2/3

 

Crescimento depende de agenda de reformas

Alessandra Azevedo

Cláudia Dianni

Simone Kafruni

Beatriz Roscoe

02/07/2019

 

 

25 anos do real » Sem abertura comercial, mudanças previdenciárias e tributárias e desburocratização da economia, o sucesso do Plano Real será sempre limitado, e conquistas estarão em risco, dizem economistas presentes ao Correio Debate: 25 anos do real

Superada com o Plano Real, a hiperinflação não tira o sono dos brasileiros desde 1994. Mas, mesmo com os inegáveis progressos observados nos últimos 25 anos, o sinal de alerta continua aceso para problemas estruturais que, até hoje, não foram resolvidos. Apesar de ter sido o primeiro passo para tirar o Brasil da rota do caos, a estabilização da moeda não foi suficiente para garantir um crescimento econômico acima de 2,3% ao ano, em média, nas últimas duas décadas. Enquanto o país não resolver as pendências, as conquistas estarão em risco, alertam economistas que participaram, ontem, do Correio Debate: 25 anos do real, no auditório do jornal.

Sem abertura comercial, reformas da Previdência e tributária e desburocratização da economia, o sucesso do plano será sempre limitado. O caminho para o crescimento sustentável envolve, inevitavelmente, a priorização de uma agenda de reformas, “para dar mais produtividade ao Brasil”, afirmou o economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real. O “grande teste” da estabilidade monetária, segundo ele, vai acontecer quando o Brasil voltar a crescer — “e de forma acelerada”, reforçou.

Um dos principais desafios é combater o deficit público, tarefa que Arida definiu como “uma batalha constante”. Ex-presidente do Banco Central e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ele acredita que essa superação faz parte do “capítulo dois” do plano, que ainda está em andamento. Ao contrário da implementação, a segunda fase não é “uma história gloriosa, extraordinária”. É, nas palavras dele, “uma história de sustentação e de boas práticas econômicas”.

“Ao contrário do que muita gente pensa, nosso maior problema não é falta de demanda ou que a política fiscal está contracionista. Nosso problema aqui é criar clima propício, mais segurança jurídica, boa reforma tributária. Todo país emergente que cresce é de economia aberta”, lembrou Arida. A receita não é nova. Para que o país tenha sucesso na segunda fase, “tem de cortar gasto e lutar por mais eficiência”. “Não tem solução milagrosa para nada. É um processo”, acrescentou.

O economista-chefe do banco Votorantim, Roberto Padovani, que também participou do seminário, afirmou que o Brasil vive um terceiro capítulo. “A gente passou por um momento de enfrentar a cultura inflacionária do país, o Plano Real conseguiu fazer isso. Passamos por um segundo momento, em que a estabilização da economia permitiu que uma agenda de reformas caminhasse. E eu acho que, neste momento, estamos tentando completar essa agenda de reformas”, comentou.

Além de vencer o passado inflacionário, o Plano Real superou também o futuro incerto ao criar um ambiente propício para criar ferramentas de gestão da economia que são aplicadas até hoje, afirmou Padovani. “O Plano Real venceu um ambiente que era institucionalmente muito frágil e transformou a história brasileira”, ressaltou. Quando a nova moeda começou a circular, deixou para trás uma trajetória inflacionária alta de 80 anos. “Reduzimos a inflação de 5.000%, em junho de 1994, para 2%, em pouco mais de quatro anos. Algo espetacular”, disse o economista.

Padovani lembrou que o Plano Real abriu o caminho para instrumentos econômicos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, o regime cambial flutuante, o sistema de metas de inflação. Agora, ele acredita que a reforma da Previdência será aprovada pelo “medo social de ruptura, como havia quando foi feito o Plano Real”, apesar das resistências políticas. Na opinião dele, a reforma tem o potencial de atrair investimentos e “permitir um choque na produtividade da economia”.

Obstáculos

O economista Claudio Adilson Gonçalez, da MCM Consultores Associados, afirmou que há um obstáculo político. Para ele, o Brasil não sairá tão cedo do atoleiro se o governo continuar com a teimosia de atrapalhar o Congresso na aprovação das reformas e com a fixação em assuntos poucos relevantes, conforme alertou. O risco do regresso de inflação alta está sempre presente, destacou. “Não se pode brincar com isso. As reformas e o ajuste fiscal são urgentes para garantir a estabilidade do país, a maior conquista do Plano Real”, disse no seminário.

Para o economista, a agenda de reformas estruturais é extensa e sofre grande resistência política. “Além disso, o PIB (Produto Interno Bruto) efetivo, comparado com o que se poderia ter em situações normais, tem um hiato de 6%, ou seja, está 6% abaixo do que poderia ser”, afirmou. Melhorar o ambiente do país poderia passar por medidas de estímulo de curto prazo, segundo Gonçalez. “A começar pela queda na Selic”, sugeriu.

Ele também frisou que a produtividade total do país mergulhou a partir de 2013 e agora está negativa. “A média dos últimos três anos, computado 2019, é de -35%. Isso rouba crescimento que decorreria das horas trabalhadas e dos investimentos na ampliação da produção”, disse. A atual crise foi creditada, pelo especialista, a investimentos equivocados nos governos petistas, ao sistema tributário ineficiente, à infraestrutura precária, à presença excessiva do Estado na economia, ao baixo nível de qualificação da força de trabalho e, sobretudo, ao fato de o Brasil ser um país muito fechado.

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FHC: Guedes não tem a força necessária

Hamilton Ferrari

02/07/2019

 

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), um dos idealizadores do Plano Real, disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não aparenta ter a força necessária para levar o país adiante e que mostra dificuldades de se relacionar com o Congresso. Para ele, o governo precisa entender que o Parlamento tem poder e que os “impulsos” do presidente Jair Bolsonaro “assustam”.

Em vídeo reproduzido na abertura do Correio Debate: 25 anos do real, Fernando Henrique afirmou que crença e confiança são fatores que têm mais força na vida econômica contemporânea e que, por isso, o governo precisa compreender que as instituições são fortes e funcionam. Nos primeiros seis meses de gestão, o Executivo teve atritos com outros Poderes, principalmente com o Parlamento.

“Eu vejo o ministro Paulo Guedes, de vez em quando, na televisão. Ele crê (no que diz), que é algo importante. Eu não vou discutir se está certo ou errado, mas ele acredita naquilo. Só que ele não tem o jeito de lidar com o Congresso”, declarou o ex-presidente. “Os impulsos presidenciais assustam: demite, muda. Dá a impressão de que o ministro da Economia não tem tanto poder quanto é necessário para levar adiante o país”, completou.

O tucano destacou que é preciso respeitar e compreender as instituições e “não expulsá-las”. “O povo conta. Tem que falar com a nação. Ganhar a nação e ter o respeito do Congresso. Existe a burocracia pública, que tem o seu valor também, e não pode se deixar levar por ideologias. As reformas não se fazem de supetão. Elas vão acontecendo”, frisou FHC.

Ele lembrou que a implementação do Plano Real foi um processo difícil, mas que se baseou na previsibilidade. “Sem credibilidade, as coisas não vão. Quando fizemos, muitos já tinham trabalhado nos planos anteriores. Não é um ato. É um processo que leva tempo para se estabilizar. Nós anunciamos com antecipação o que iríamos fazer para ganhar credibilidade”, disse. “Você tem de ganhar a população e não ganhar o mercado. Mercado ganha quando eles ganham dinheiro, a população é quando é bom para ela.”

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"Real mostra que o Brasil tem jeito"

Hamilton Ferrari

Cláudia Dianni

Thaís Moura

02/07/2019

 

 

 

 

Presidente do Banco Central em duas ocasiões, antes (1992/1993) e depois do Plano Real (1995/1997), o economista Gustavo Loyola disse que “o real foi uma belíssima obra que mostra que o Brasil tem jeito”. De acordo com ele, o órgão merece um presente de aniversário de 25 anos, que a moeda completou ontem: a independência.

Loyola afirmou que a medida é importante para que a instituição possa cumprir seu papel sem interferências governamentais. “O banco fica protegido, pois com pressões políticas, o BC pode acabar não fazendo o seu trabalho, que é manter a inflação baixa e estável. Por exemplo: pode não agradar a alguns políticos que o banco aumente as taxas de juros, porque isso gera impopularidade, ou pode ser levado a estimular a economia em um ano eleitoral”, explicou, durante o Correio Debate: 25 anos do real. Com a independência, os dirigentes do Banco Central passariam a ter mandatos fixos com estabilidade, a exemplo das agências reguladoras.

O economista disse que o BC cresceu muito e que não há nenhuma instituição brasileira que teve maior estabilidade. Ele também vê o Plano Real como um processo de modernização e de reformas em curso. “Sendo um processo, não acabou. Continuamos com uma agenda inacabada. Isso não é um juízo negativo, mas a constatação de que é um processo e, dificilmente, poderia se esgotar durante o governo FHC”, resumiu.

De acordo com o analista, até 2008, de forma geral, houve continuidade das políticas de responsabilidade fiscal e macroeconômicas, propiciadas pelo fim da inflação. “No início do governo Lula, até 2008, houve alguns pequenos retrocessos na gestão macroeconômica, mas tudo mudou com a crise financeira”, avaliou. “Embora a resposta à crise financeira tenha sido, no geral, correta, o governo gostou de gastar mais, e criou-se um ambiente intelectual no mundo de que precisava ter medidas de estímulo, mas, de maneira muito conveniente, se deixou de lado a ideia de que esses estímulos têm que ser usados na hora certa e na dose certa.”

Para o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, o Brasil tem uma carga tributária que condiz com os altos gastos públicos. “Só teremos carga tributária menor quando a despesa pública for menor. Ela é produto de um custo crescente”, ressaltou. Ele também explicou que a expansão quase colocou em xeque as conquistas dos últimos 25 anos. “Nós estamos celebrando o 25º ano do Plano Real, mas nós flertamos com o risco de a história ser bem diferente.”

O especialista disse que a mudança de viés iniciada em 2016 permitiu a reversão do quadro de risco. Ele destacou, principalmente, a Emenda Constitucional nº 95, que estabeleceu o teto dos gastos. De acordo com o economista, mesmo sendo um tema, recolocou o país na trajetória de solvência fiscal.

Reforma trabalhista

Honorato também entende que a reforma trabalhista, aprovada em 2017, direciona o país para o caminho correto da flexibilização do mercado. “Sei que tudo isso gera uma frustração, porque nós, economistas, defendemos muito essas reformas e, hoje, somos cobrados pelo crescimento (pequeno). O capítulo do crescimento é a parte. Lembra muito a fase de transição do governo FHC para o do Lula, em que muitas reformas foram feitas, e o mundo estava desabando. Quando o governo petista, corretamente, não só mantém como aprofunda algumas reformas, inclusive do mercado de crédito, o país decola”, declarou. “Nós estamos vivendo exatamente esse processo na minha visão. Nós fizemos uma série de reformas que vão dar resultado”, comparou.

Loyola, por sua vez, é otimista com relação à aprovação das mudanças estruturais, mas entende que elas só sairão do papel com a “boa e velha política”. “Estamos em um momento bom, até porque, o sistema atual tributário, como o previdenciário, faliu. Há também espaço para reforma no marco regulatório do saneamento, privatizações, concessões”, afirmou.

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O país está numa "travessia no deserto"

 

 

Simone Kafruni

Alessandra Azevedo

Ingrid Soares

02/07/2019

 

 

 

No ano em que comemora um quarto de século de estabilidade da sua moeda mais longeva, o Brasil atravessa um deserto, flerta com a recessão e corre o risco de uma convulsão social, porque quase um terço da população sofre com as consequências da desocupação. As preocupantes considerações foram levantadas por economistas presentes, ontem, no Correio Debate: 25 anos do real.

O economista-chefe do banco UBS, Tony Volpon, definiu o momento atual vivido pelo Brasil como uma “travessia no deserto”. O país saiu de um lugar difícil, com hiperinflação e forte dependência do Estado, mas não chegou aonde “tem que chegar”. Para ele, não há atalho: o caminho é continuar o processo de reformas estruturantes, com foco em melhorar as condições de produtividade e concorrência. “Qualquer outra alternativa é ilusão”, disse.

Volpon não negou que houve avanços desde 1994, com algumas privatizações, progressos na questão fiscal e “uma certa abertura da economia”, mas explicou que as medidas adotadas desde a implementação do real não foram suficientes para alavancar a economia brasileira. “Ao fim do dia, as políticas não conseguiram nos levar até uma taxa de crescimento média acima de 2%”, lamentou. “Ainda temos um ambiente de negócios hostil, carga tributária alta e distorcida, e não somos uma economia aberta”, enumerou.

Para José Luis Oreiro, professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), o baixo crescimento da economia brasileira é uma questão estrutural. O especialista destacou que o país está afundado no problema cíclico do desemprego. “Hoje, 13% da população está desempregada. Quando se coloca na conta desalentados e os que trabalham menos do que gostariam, chega a 25% da força de trabalho, ou seja, 25 milhões de pessoas”, contabilizou.

Ao considerar uma família média de três pessoas, são 75 milhões de brasileiros que sofrem os efeitos da desocupação, um terço da população. “Isso, em algum momento, pode provocar uma convulsão social”, alertou. Além disso, como o desemprego de longo prazo, por mais de dois anos, já atinge quase 3,5 milhões, há o risco de o país sair da renda média e cair na pobreza.

Crescimento pífio

Para o professor da UnB, o que explica a redução do crescimento da economia brasileira a partir dos anos 1980 foi a queda sensível do esforço de arrumação de capital. “Enquanto nos anos 1950, 1960, 1970 crescia em 9%, 10%, a partir de então, a média caiu para 2,5% ao ano. Isso porque o Brasil investiu uma fração muito pequena do PIB (Produto Interno Bruto) na expansão da capacidade produtiva e não é possível ter desenvolvimento de longo prazo sem produtividade”, frisou.

Para Volpon, uma combinação de “azar e má escolha” interrompeu o processo de crescimento na década de 1980. “Reverter o quadro é importante para que o país não desperdice outras oportunidades de crescimento. Desde 1980, duas janelas foram perdidas: a da urbanização e a da industrialização”, destacou.

Para resolver o problema, segundo o economista-chefe do UBS, é preciso acabar com o “vício” em políticas de “suporte” adotadas pelo Estado nos últimos anos. “O que ocorreu nos últimos anos para levar a taxa de crescimento, que já é decepcionantemente baixa, a cair? Houve muito direcionamento e alocação de capital do Estado, em um processo que a economia privada ficou meio viciada no crédito, no subsídio e no corte de impostos”, assinalou.

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Industrialização ainda é capenga

02/07/2019

 

 

 

Para o Brasil sair do quadro desolador de baixo crescimento com alto desemprego, os economistas presentes ao Correio Debate, ontem, apontaram a necessidade das reformas estruturantes para aumentar a produtividade brasileira. “Só uma série de reformas para gerar mais concorrência e novos entrantes. Sejam estrangeiros, sejam nacionais, tanto faz. Investidores têm que entrar e tornar os setores da economia mais competitivos”, defendeu Tony Volpon, economista-chefe do banco UBS.

O país ainda sofre com o problema da industrialização, que não era voltada para exportações, mas para substituição de importação, segundo ele. “No primeiro momento, foi, talvez, a coisa necessária. Mas depois era a hora de abrir a indústria ao mundo e forçar a competir”, comentou Volpon. “O ganho de produtividade gera uma indústria grande, potente, que exporta e pode ser o carro-chefe do crescimento econômico.”

No entender do professor da UnB José Luis Oreiro, a redução do ritmo de crescimento da economia e da expansão da produtividade está relacionada com a queda de esforço de arrumação de capital tanto do setor privado quanto do setor público. “O salto que a economia deveria ter dado era aumentar a participação no mercado de manufaturados. O que podemos dizer é que os momentos em que a taxa de crescimento do PIB per capita cai, são momentos em que há contração da participação da indústria”, destacou.

Conforme Oreiro, a causa da crise de 2014 se baseia no colapso do investimento público com o privado e na redução da taxa de lucro motivada pelo superaquecimento da economia. “Problemas no grau de utilização de capacidade produtiva, a participação dos lucros na renda e as taxas de câmbio e de juros levaram à queda do investimento”, apontou.

O remédio para corrigir as distorções, no entanto, foi errado. “O governo Dilma achava que o baixo crescimento econômico era escassez de demanda agregada, quando na verdade estava relacionado com a mudança na composição da estrutura produtiva na economia. Com diagnóstico errado, foram utilizados instrumentos equivocados”, observou. (SK, AA, IS)

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Uma sinfonia inacabada

Cláudia Dianni

02/07/2019

 

 

 

25 anos do real » Presidente do Ipea afirma que o Plano Real ficou incompleto, o que resultou em juros altos

O Plano Real foi uma grande conquista, mas é uma obra inacabada, que deixou como herança uma alta de taxa de juros. Essa é a avaliação de Carlos von Doellinger, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para ele, com o Plano Real, o Brasil conseguiu “relativa estabilização” monetária, um pacote de privatizações e debelou crises externas. Faltou, porém, acredita, completar a missão em dois aspectos: fazer ajuste fiscal e eliminar o deficit nominal (receitas e despesas do governo, inclusive gastos com o pagamento de juros da dívida pública).

“A herança ruim foi ter se sustentado muito tempo na âncora cambial, até 1999, e ter que fazer um choque de juros com grande elevação da taxa real para compensar câmbio, como o que convivemos até hoje”, disse. “Como não conseguimos fazer o ajuste pela despesa, apelou-se pela receita, o que aumentou a carga tributária em cerca de oito pontos percentuais do PIB e ficamos com essa carga tributária de 33%, 34% do PIB, um ônus pesado que carregamos até hoje, que atrasa o desenvolvimento.”

Ele ressaltou que o ajuste iniciado pela equipe econômica do Plano Real precisa ser completado e afirmou que a equipe econômica tem um conjunto de propostas para complementar “a sinfonia inacabada do Plano Real”. Segundo ele, a reforma da Previdência, prioritária, é uma delas, mas não resolve todos os problemas. “Pode gerar uma onda de otimismo, e o investidor estrangeiro pode se animar, mas o que vai alavancar o crescimento é uma onda pesada de investimentos, basicamente, do setor privado.”

Doellinger citou também a reforma tributária, mas disse que ela não vai conseguir reduzir a carga tributária no médio prazo, porém poderá simplificar os impostos e reduzir o custo das transações.  Outra reforma que “está no pipeline”, conforme afirmou, é a do Pacto Federativo, que será encaminhado ao Senado. Segundo ele, as mudanças propostas pelo governo na divisão das receitas entre os entes federativos lembra o Fundo Social de Emergência do Plano Real, uma desvinculação de receitas que permitiu uma alocação mais racional dos fundos públicos.

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Reforma tributária é mais urgente e importante

 

 

Ingrid Soares

02/07/2019

 

 

 

O vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Rodrigo Spada, afirmou, no Correio Debate: 25 anos do real, que não vê a PEC das aposentadorias como a mais emergencial para o país. “Não somos contra a reforma da Previdência, mas achamos que a reforma tributária é mais urgente e mais importante, porque é ela quem vai fazer o país crescer”, argumentou. “A reforma da Previdência não cria empregos, não aumenta competitividade. Ela só olha o lado da despesa do gasto público.” Ele ressaltou que se o PIB do Brasil viesse crescendo de 2015 para cá, 1% ao ano, não teríamos deficit, mas uma arrecadação suficiente para superar a crise.

Para ele, o modelo tributário é perverso, por gerar desarmonização e incidir na guerra fiscal horizontal, entre os estados (quando um estado quer roubar a base produtiva de outros) e vertical, com a União (invadindo a base dos estados, municípios e vice-versa).

“Isso gera erosão da base fiscal e distorções de indústrias migrando para lugares onde não teriam um ponto de eficiência ótimo. A tributação deveria ser neutra, e os empresários escolheriam o melhor ponto de investimento, tanto de logística quanto de matéria-prima e mercado consumidor. Não é o que acontece. As empresas se alocam em algum local para obter benefícios tributários”, comentou. Spada frisou que os benefícios fiscais são vistos pelo governo como uma forma de alavancar a arrecadação, mas que acaba gerando um sistema falido.

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Estabilidade permitiu ao BC avançar

 

 

Augusto Fernandes

Beatriz Roscoe

Rafaela Gonçalves

Simone Kafruni

02/07/2019

 

 

 

A estabilidade do real permitiu ao Banco Central avançar numa agenda de eficiência e modernização do Sistema Financeiro Nacional (SFN). A afirmação foi feita, ontem, pelo diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central (BC), João Manoel Pinho de Mello, no painel O Brasil do futuro: um mundo novo a ser explorado, tecnologias e dinheiro, durante o Correio Debate: 25 anos do real. Segundo ele, ao olhar para o futuro, o papel da autoridade monetária é ter proatividade para que os novos modelos de negócio se adaptem rapidamente, garantindo segurança, mas sem inibir a inovação.

Pinho de Mello explicou que, entre as missões do BC estão “assegurar a estabilidade da moeda com cumprimento de meta da inflação e garantir um sistema financeiro sólido e eficiente”. “A primeira missão, é o motivo da comemoração dos 25 anos do real. A despeito de discordâncias é notável o que nós conseguimos fazer no que se refere à estabilização monetária”, afirmou.

Sobre o segundo quesito, Pinho de Mello garantiu que o Brasil tem um sistema sólido. “Nós tivemos uma recessão, com uma perda do PIB (Produto Interno Bruto) per capita de mais de oito pontos percentuais, que não foi causada nem teve como consequência uma crise bancária, o que é algo bastante notável”, justificou. Segundo ele, não há como negar o êxito nos dois quesitos. Contudo, a segunda missão é desdobrada em duas: além de sólido, o sistema tem que ser eficiente. E é aí que entra a nova agenda do BC.

“Nós construímos um sistema sólido. Agora, é preciso centrar esforços na conclusão de um sistema financeiro ainda mais eficiente. É sinal de maturidade da sociedade brasileira e do governo que o debate hoje esteja mais focado em temas como juros, spread bancário, fintechs, intermediação financeira e mudanças regulatórias. Isso significa que nós resolvemos boa parte da agenda para dar espaço à  próxima”, assinalou.

Ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Aldo Luiz Mendes lembrou que a instituição já conseguiu, por meio de ações regulatórias, ampliar o sistema financeiro com a normatização de novos métodos de pagamento. “Nós trouxemos para o sistema financeiro uma boa parte da população que antes só fazia transações com dinheiro. Hoje, a sociedade não precisa necessariamente ter uma conta nos bancos tradicionais”, frisou. “Basta um cadastro em instituições de pagamento virtuais. Isso universalizou o uso de instrumentos como cartão de crédito e débito.”

Novas tecnologias

O desafio do BC para os próximos anos, de acordo com Mendes, está na elaboração de um sistema de pagamentos instantâneos, em que qualquer pessoa possa fazer transferências por meio do celular, sem a necessidade de aplicativos e com cobranças de tarifas mais amenas.

Para o gerente executivo da Fundação Getulio Vargas, Carlos Augusto Costa, a tendência é de que as novas tecnologias no mundo financeiro aumentem ainda mais os gastos da população. “Se tivermos a mesma quantidade de dinheiro em espécie e em um cartão, os gastos do cartão serão muito maiores, pois a população sabe que só terá de pagar mais adiante”, contou.

Ele frisou, no entanto, que as inovações terão de se adaptar aos costumes dos consumidores. “Adoramos novidades, mas gostamos da familiaridade. Se a tecnologia não se transformar em algo que eu fique confortável, eu vou esquecer”, opinou.

De acordo com Costa, as transformações devem impactar diretamente o mercado de emprego. “Passamos por mudanças pessoais e no mundo moderno. A internet alterou tudo, e novas tecnologias surgiram, como a inteligência artificial”, afirmou. Isso faz com que as pessoas se preocupem com a existência de empregos no futuro, portanto, é preciso pensar em como contribuir para que esse cidadão seja educado para entender as novas tecnologias e saibam lidar com um ambiente mais competitivo e mais exigente.”