Correio braziliense, n. 20496, 03/07/2019. Política, p. 2/3

 

BPC e flexibilidades para a reforma passar

Alessandra Azevedo

Simone Kafruni

03/07/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Previdência » Relator apresenta alterações no texto da PEC previdenciária enviada pelo Executivo, mas mantém economia na casa do trilhão. Benefícios mais populares são colocados para evitar demandas judiciais. Votação deve ficar para amanhã, de acordo com presidente da comissão

Com uma semana de atraso, o relator da reforma da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentou, no fim da tarde de ontem, a nova versão do parecer à Comissão Especial — sem estados e municípios, mas com regras mais flexíveis para professoras da rede pública. Os ajustes, feitos por complementação de voto, colocam os ganhos com o projeto de volta à casa de R$ 1 trilhão em 10 anos, maiores do que os R$ 913 bilhões estimados no primeiro relatório, divulgado em 13 de junho.

Para mostrar uma economia trilionária, Moreira incluiu no cálculo o fim da isenção de contribuição previdenciária sobre exportações agrícolas, que pode gerar R$ 83,9 bilhões em uma década. A medida já estava na proposta inicial, mas não havia sido incluída na previsão do impacto fiscal.

Moreira também decidiu colocar na Constituição o critério de renda para recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A expectativa dele é de que, com a definição constitucional do critério de um quarto de salário mínimo por núcleo familiar, hoje previsto em lei, será possível evitar o excesso de demandas judiciais sobre o assunto e, com isso, economizar outros R$ 35 bilhões.

O texto apresentado ontem manteve o aumento da alíquota da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) para bancos, dos atuais 15% para 20%, o que deve render R$ 50 bilhões no mesmo período. A cobrança ficou em 17% apenas para cooperativas de crédito. A B3, bolsa de valores de São Paulo, foi formalmente excluída do aumento, como havia prometido o relator.

BNDES

A pedidos dos deputados, o relator retirou do parecer a previsão de que os 28% dos recursos arrecadados pelo PIS/Pasep que hoje vão para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passassem a ser usados para pagar benefícios previdenciários. “Acrescentamos dispositivo para garantir que os programas de desenvolvimento financiados por tais verbas sejam devidamente divulgados ao público”, explicou, na complementação de voto.

O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), citou essa mudança como um dos grandes avanços do relatório. “São recursos emprestados a médio e longo prazo para investimentos que podem gerar muitos empregos, que é o que o Brasil precisa no momento”, disse. Moreira não mudou o entendimento sobre outra demanda da oposição, quanto ao pagamento do abono salarial, que continua sendo limitado a quem recebe até R$ 1,3 mil por mês. A proposta é um meio termo entre os dois salários mínimos exigidos hoje e o corte para um salário mínimo proposto pelo governo.

O texto traz regras mais suaves para que professoras da rede pública consigam se aposentar com integralidade e paridade — ou seja, recebendo o último salário da ativa e os mesmos reajustes de quem ainda está trabalhando. Pelas novas regras transitórias, elas poderão ter os benefícios aos 57 anos de idade, não 60, como previa o relatório anterior. Para professores homens, a exigência continua a mesma, de 60 anos de idade.

O primeiro relatório de Moreira permitia que todos os professores pudessem se aposentar com idades mínimas de 60/57 anos (homens/mulheres), mas, para conseguir integralidade, precisariam completar 65/62 anos. Para os demais servidores, as idades continuam sendo de 65 anos (homens) e 62 (mulheres). Apesar da melhora nas regras, os professores têm pedido ainda mais mudanças ao relator.

Extraordinárias

O texto também prevê que estados, Distrito Federal e municípios, além da União, possam cobrar contribuições extraordinárias dos servidores públicos. No parecer anterior, Moreira havia cortado a possibilidade, que fazia parte do texto original enviado pelo governo em fevereiro. Essa contribuição terá tempo de duração determinado e poderá ser cobrada não apenas sobre a remuneração dos servidores ativos, mas também dos aposentados e pensionistas. Uma das exigências para que seja instituída é que acompanhe outras medidas que visam equacionar o deficit atuarial dos entes.

Pontos controversos, como o tempo de contribuição de 20 anos para homens e a limitação de acúmulo de aposentadoria e pensão, não foram alterados, apesar das queixas. A única diferença em relação à pensão é que o parecer garantiu benefício diferenciado a dependentes de policiais não apenas devido a agressões sofridas no exercício, mas também em razão da função.

O presidente da comissão, Marcelo Ramos (PL-AM), descartou a possibilidade de que o relatório seja votado hoje. Ele vai se reunir pela manhã com coordenadores de bancadas para definir os próximos passos. A expectativa é de que a próxima sessão, que ainda não foi agendada, seja dedicada à análise de destaques (sugestões de mudanças no parecer). “Se tiver acordo, o esforço é para votar amanhã (hoje). Se não, pode ser votado na quinta-feira”, disse.

Acordo para acelerar

 

Para acelerar a tramitação e aumentar as chances de que o texto chegue ao plenário da Câmara ainda neste semestre, Ramos pretende construir, com as lideranças partidárias, um acordo para que partidos favoráveis à reforma retirem os destaques. Os deputados apresentaram 109, sendo 24 de bancada e 85 individuais. Em nota, a liderança do PSL na Câmara afirmou que o partido não manterá nenhum. “Nossos parlamentares reafirmam o compromisso em votar, de forma unânime, a Nova Previdência”, diz o documento.

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Discussão afeta bolsa

 

 

Rafaela Gonçalves

03/07/2019

 

 

 

Após ter reduzido perdas com o acordo para votação da reforma da Previdência na Comissão Especial na Câmara dos Deputados, o Ibovespa voltou a registrar queda de -0,72%, fechando a 100.605 pontos. A preocupação com a decisão contrária do PSL ao texto final lido, ontem, pelo relador, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), gerou instabilidade e deixou os investidores à espera do Legislativo. A CPI do Senado que apura o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho também teve influência, fazendo as ações da mineradora caírem 4,21%.

Alex Agostini, analista da Austin Rating, considera importantes para a oscilação do mercado as movimentações dos EUA e o relatório para a votação previdenciária. “O relatório da Previdência, com a posição do PSL, tem impactado de forma negativa, pois pode ter a frustração de não ocorrer a aprovação. Além disso, as commodities de petróleo, com forte queda internacional, e a CPI de Brumadinho, que envolve a Vale, têm bastante peso na B3”, diz.

No cenário externo, as bolsas operam em oscilação após o otimismo elevado com o avanço das negociações comerciais entre Estados Unidos e China. Porém, o presidente Donald Trump disse que os termos do acordo devem ser mais benéficos aos EUA para que seja aceito. O dólar fechou em alta de +0,34%  a R$ 3,86. “O capítulo Trump tem a estratégia de avançar devagar, falando algo e esperando os efeitos da economia. A expectativa é de que a tensão vá se reduzindo a cada passo novo na negociação, que tende, a médio prazo, ir perdendo um pouco o protagonismo”, analisa Agostini.

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A esperança de incluir estados

 

 

Alessandra Azevedo

Simone Kafruni

03/07/2019

 

 

 

As conversas em busca da reinclusão de estados, do Distrito Federal e de municípios na reforma da Previdência não geraram os resultados esperados pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mesmo após dias de negociação, os governadores, principalmente do Nordeste, não conseguiram convencer os líderes partidários de que estão dispostos a engrossar a lista de votos favoráveis ao projeto no plenário da Câmara. O resultado também foi decepcionante para o governo, que defende a inclusão de todos os servidores na reforma, não apenas para os da União, como prevê o parecer atual.

Sem a garantia de apoio na hora da votação, o relator, Samuel Moreira (PSDB-SP), preferiu não incluí-los na complementação de voto apresentada ontem à Comissão Especial, apesar de a leitura do parecer ter sido adiada duas vezes para que as conversas com os governadores pudessem avançar. No texto, ele deixou clara a “ausência de efeitos imediatos da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre estados, Distrito Federal e municípios”.

O relator defende, agora, que a inclusão seja feita no plenário, por meio de uma emenda aglutinativa ou votação de um destaque. “Temos a convicção de que estados e municípios são da maior importância. Estamos criando todas as condições para que possam ser incluídos em plenário. Toda a estratégia está sendo neste sentido”, disse, após a apresentação do voto complementar na Comissão Especial.

Para serem incluídos durante a discussão no plenário, eles precisam do apoio de 308 deputados. Se essa opção não der certo, os entes precisarão fazer as próprias reformas e lidar com o ônus político de tocar em um assunto impopular.  A líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann (PSL-SP), acredita que, “se houver envolvimento dos governadores, podemos ter uma reforma ainda mais completa”.

A mudança também pode ser feita no Senado, o que atrasaria a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019. Se os senadores fizeram alterações no texto, ele volta ao estágio inicial da tramitação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

Sem consenso

Governadores e líderes partidários se reuniram novamente com Maia e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ontem, na Residência Oficial da Presidência da Câmara, em uma última tentativa de inclusão na reforma. Na saída, o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (PSDB-SP), explicou que os parlamentares chegaram à conclusão de que não vale a pena incluir estados e municípios no parecer, porque alguns governadores não estão, de fato, comprometidos com os votos. A decisão teria sido tomada em acordo com as lideranças partidárias.

Entre os participantes estavam os governadores do Piauí, Wellington Dias (PT), e do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB). Eles garantiram que todos estão empenhados na busca por votos favoráveis nas bancadas. “Os governadores têm muito boa vontade de criar um ambiente propício à votação da reforma incluindo os estados e municípios, mas, infelizmente, ainda não temos uma posição definitiva nem um sinal do que vai acontecer com o relatório na Comissão Especial. A decisão está nas mãos dos líderes dos partidos”, disse Casagrande.

Em troca do apoio à reforma, os governadores do Nordeste tentam negociar a aprovação de alguns projetos que aumentem a arrecadação de estados. O líder da Maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), afirmou que vai ouvir as demandas e reforçou que defende a reinclusão, “desde que haja o compromisso com o voto”.

Mais categorias

Idades mínimas e tempos de contribuição menores para a aposentadoria de policiais e agentes penitenciários poderão ser aprovados pelos estados, segundo a proposta de Samuel Moreira. Isso significa que a lista de categorias de servidores públicos que poderão ter regras diferenciadas de aposentadoria aumentou. Professores e servidores com deficiência eram os únicos que poderiam se aposentar antes do tempo, segundo a primeira versão do texto do relator. Porém, é necessário que os legislativos estaduais, municipais e do DF aprovem essas regras diferenciadas para que elas comecem a valer.

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Protesto de policiais

Ingrid Soares

Luiz Calcagno

03/07/2019

 

 

 

Agentes de segurança e policiais civis realizaram uma manifestação em frente ao Congresso, principalmente contra a reforma da Previdência. Depois de discursos e gritos no gramado, eles se dirigiram ao Palácio do Planalto, cantaram o Hino Nacional e pediram a saída do ministro da Economia, Paulo Guedes. Representantes das categorias de vários estados participaram do ato. Eles reclamam do tratamento diferenciado concedido às Forças Armadas e às polícias militares dos estados. Uma das propostas discutidas no encontro foi uma paralisação nacional. As vias S1 e N1 foram fechadas temporariamente durante o horário de pico, o que atrapalhou o trânsito local.

Um dos gritos que mais chamou a atenção foi “Bolsonaro traidor”. O porta-voz da Presidência afirmou que Bolsonaro reconhece que “as forças de segurança, em especial as federais, são essenciais para um projeto maior de segurança pública do país”. “O presidente continua acompanhando isso com olhos de quem vivenciou ao longo de 28 anos de mandato as preocupações, seja das Forças Armadas, seja dos órgãos de segurança públicas e, por compreendê-las, atua na medida de suas possibilidades para adequá-las”, explicou Otávio do Rêgo Barros.

Os representantes das categorias reclamaram mesmo com as palavras do presidente. Segundo André Gutierrez, presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), se a reforma da Previdência passar como está, policiais terão que se aposentar mais tarde, e mais velhos, nas ruas, correrão ainda mais risco de vida. Ainda segundo ele, agentes perderão o direito de se aposentar com o último salário e a possibilidade de, quando fora da ativa, receber os mesmos reajustes dos colegas mais jovens. Outro ponto sensível é a pensão para a mulher em caso de morte do policial, que será apenas de quatro meses nos casos em que a companheira tiver menos de 40 anos.

“Não estamos tentando ganhar nada. Queremos preservar nossos direitos. O que um policial de 55 anos vai fazer na rua? Isso vai gerar mais mortes. Ele não vai entrar em combate com um criminoso, ou correrá o risco de perder a arma e ser assassinado. E um policial casado com uma mulher de 28 anos? Se ele morre, ela recebe quatro meses de pensão? Fica sem marido, com filhos órfãos e é isso que recebe? É inadmissível”, reclama Gutierrez.

Policial Civil aposentado de Goiás, Generoso Ferreira Júnior, 59 anos, acredita que a corporação ficará profundamente desmotivada, caso seja incluída na reforma da Previdência com outras categorias. “Trabalhei por 30 anos, oito deles no Entorno. Todos conhecem a realidade. Depois de todo esse tempo de serviço, é isso que ganhamos? É assim que nos tratam? Fico olhando o pessoal mais jovem. O que esperam deles com esse tipo de tratamento”, questionou.