O globo, n.31377, 04/07/2019. Economia, p. 13

 

Recuo destrava votação

Geralda Doca 

Manoel Ventura 

04/07/2019

 

 

Depois de segurar a votação da reforma da Previdência por vários dias, os partidos do centrão fecharam ontem acordo para destravar a proposta na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. O deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), relator do texto, aceitou mudar pontos que desagradavam aos partidos, fazendo um novo adendo a seu voto. Mas um dos aspectos mais sensíveis da negociação —o lobby dos policiais federais por regras de aposentadoria mais brandas —ainda precisa ser resolvido.

Após o relator ler a complementação de seu voto, houve uma manobra de obstrução para que o texto-base não fosse votado. O presidente da comissão, Marcelo Ramos (PLAM), porém, deu seguimento aos trabalhos. Mas ainda teve de apreciar cinco requerimentos para adiar a votação: até o fechamento desta edição, à 0h15m, só dois haviam sido votados —e rejeitados.

O presidente Jair Bolsonaro interveio diretamente na negociação em favor dos policiais,

ligando para integrantes da comissão e para Moreira. No fim do dia, o Planalto chegou a anunciar um acordo para beneficiar a categoria, o que logo foi desmentido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Alegando não terem sido consultados,os policiais rejeitaram o acordo.

Este previa idade mínima de aposentadoria de 53 anos (homens) e 52 anos (mulheres) com pedágio de 100% sobre o tempo que falta para se aposentar pelas regras vigentes. A categoria, no entanto, quer pedágio de 17%, igual ao dos militares das Forças Armadas. A idade

mínima prevista no texto original da reforma e mantida pelo relator é de 55 anos (homens e mulheres).

—Vão ficar os 55 anos mesmo para homens e mulheres — disse Maia, que mais cedo havia alertado que uma concessão aos policiais poderia gerar um efeito cascata.

Ao comentar a decisão dos policiais, Bolsonaro afirmou que, agora, a situação terá que ser decidida no voto:

—Eu fiz uma excelente proposta e não aceitaram. Agora vai pro voto. Derrubaram, mas todo mundo vai ter que contribuir.

Diante do impasse, a questão dos policiais será resolvida na votação de destaque (feita em separado) ao texto principal na comissão. Os partidos do centrão devem apoiar a reivindicação dos profissionais da área de segurança, que beneficia policiais federais, seguranças do Congresso, policiais rodoviários e agentes penitenciários e socioeducativos.

Por volta de 23h30m, Maia voltou à comissão. Segundo ele, já há mais de 325 votos a favor da proposta no plenário. O mínimo necessário são 308.

—Não gosto de falar em número, mas tem mais votos do que eu imaginava —afirmou.

Perguntados e está otimista coma votação, Maia afirmou que“mesmos em acordo, há um ambiente favorável na Câmara para votação ”:

—Sentimos nos líderes colaboração e um movimento individual muito grande dos deputados para votara matéria até amanhã, para começar em plenário na próxima semana.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, por sua vez, preferiu atuar apenas nos bastidores. Ele, que adotou publicamente o discurso público de que a reforma tem que combater o lobby do funcionalismo, ficou de mãos atadas coma decisão de Bolsonaro de atuar em defesa dos policiais.

Os partidos acertaram que serão apresentados poucos destaques na Comissão Especial: um do PL (antigo PR) para alterar regras de aposentadoria de professores; um do PSD, que vai encampar o lobby dos policiais; e outro da bancada ruralista, que vai tentar derrubar a reoneração das contribuições previdenciárias sobre exportações de produtos agrícolas e a impossibilidade de negociar dívidas com o Funrural (a contribuição previdenciária dos trabalhadores rurais).

Entre os ajustes feitos pelo relator está a exclusão da possibilidade de estados e municípios criarem alíquotas extraordinárias para resolver o déficit de seus regimes próprios de previdência. Ele também recuou da decisão de permitir que a Justiça estadual julgue ações previdenciárias contra a União.

Moreira acertou com o centrão a manutenção do dispositivo que enquadra policiais militares e bombeiros nas mesmas regras de aposentadoria das Forças Armadas. Os partidos queriam retirar esse item, para evitar seus efeitos para os estados e municípios, mas acabaram aceitando.

O voto complementar ainda restringiu aos bancos o aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 15% para 20%. Não haverá aumento de tributação para aplicações em Bolsa e operações de cooperativas de crédito. (Colaborou Eliane Oliveira)

Os pontos de discórdia com o centrão

> O QUE O RELATOR JÁ ALTEROU NO PARECER

> Contribuição extraordinária. Foi retirada a autorização para que governadores e prefeitos cobrem uma contribuição extra dos servidores para solucionar déficits em

seus regimes próprios de previdência. > Foro de processos judiciais. O relator recuou da decisão de permitir que a Justiça estadual julgue ações previdenciárias contra a União.

> CSLL. O relator restringiu aos bancos o aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de

15% para 20%. Aplicações em Bolsa e operações de cooperativas de crédito ficam de fora. > BPC. O relator admitiu a adoção de “critérios de vulnerabilidade social” para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), além do critério de renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Isso será definido por lei.

> O QUE PODE MUDAR POR DESTAQUE

> Exportações agrícolas. Os deputados querem manter a desoneração da contribuição previdenciária nessas exportações.

> Funrural. Querem renegociar as dívidas.

> Professores. Os partidos defendem regras mais brandas para a categoria.

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Com reserva menor, governo pode fazer novo contigenciamento

Marcello Corrêa

04/07/2019

 

 

O governo pode anunciar novo contingenciamento de gastos neste mês. A tesourada ocorrerá caso a previsão de crescimento da economia volte a ser revisada para baixo, como em meses anteriores. Segundo integrantes da equipe econômica, o novo corte tem chance de ser mais severo que o anterior. Em maio, os técnicos usaram uma espécie de reserva de emergência para evitar um efeito real sobre o Orçamento, mas essa margem de manobra hoje é menor.

A última avaliação bimestral de receitas e despesas mostrou que era necessário cortar R$ 2,2 bilhões. Esse ajuste foi absorvido por uma reserva orçamentária de R$ 5,5 bilhões. Esse colchão também foi usado para recompor R$ 1,6 bilhão que tinham sido cortados do Ministério da Educação, após os protestos contra a redução de gastos na área.

— (A reserva de contingência) deve estar abaixo de R$ 2 bilhões. Só conseguiria acomodar esse valor. Se a perda de receita for acima disso, teria que ter um contingenciamento mesmo — disse uma fonte.

Em maio, o contingenciamento foi anunciado após o governo revisar a previsão para o PIB de alta de 2,2% para 1,6%. A expectativa é que, diante do ritmo ainda fraco da economia, essa projeção volte a cair. Analistas do mercado financeiro já preveem avanço de apenas 0,85% neste ano, segundo o mais recente boletim Focus, divulgado pelo Banco Central.

O próprio BC também revisou sua previsão para baixo e estima alta de apenas 0,8%.