Correio braziliense, n. 20496, 03/07/2019. Política, p. 4

 

Na Câmara, Moro vira alvo de artilharia

Renato Souza

Luiz Calcagno

03/07/2019

 

 

Poder » Ex-juiz é atacado por deputados de oposição por supostas conversas com procuradores da Lava-Jato. Ele nega parcialidade e diz que objetivo do hackeamento é invalidar condenações

Pela segunda vez no Congresso para explicar diálogos divulgados pelo The Intercept, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, encontrou na Câmara um clima mais hostil do que o enfrentado no Senado. Durante oito horas, ele se esquivou de críticas da oposição, rebateu acusações de que agiu parcialmente durante a condução de ações penais da Lava-Jato quando era juiz e recebeu apoio de parlamentares governistas. Na sessão, o presidente do PSol, deputado Ivan Valente, apresentou um requerimento para que Moro preste esclarecimentos sobre uma eventual investigação da Polícia Federal contra o jornalista Glenn Greenwald. A audiência foi encerrada após ofensas ao ministro e bate-boca entre os deputados.

Enquanto Moro respondia perguntas dos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o site O Antagonista revelou que a PF solicitou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Economia (Coaf) informações sobre movimentações fiscais de Greenwald, autor das reportagens com denúncias contra Sérgio Moro. A medida gerou forte reação de deputados da oposição. Em resposta, o ministro afirmou que “defende a liberdade de imprensa” e informou que a corporação age de forma independente, sem que ele interfira no curso de investigações. Informações obtidas pelo Correio junto a fontes na PF, indicam que as investigações sobre invasões nos celulares de procuradores e de Moro avançaram e, nas próximas semanas, devem resultar em ações policiais para aprofundar as apurações.

Em relação aos diálogos, Moro repetiu o que tinha dito no Senado, que não pode garantir a veracidade das mensagens, mas que, se existiram, não representam nenhuma ilicitude. De acordo com ele, a Lava-Jato está sofrendo ataques com o objetivo de invalidar sentenças. “A meu ver, o que existe é uma tentativa criminosa de invalidar condenações, e o que é pior: a minha principal suspeita é de que a intenção seja evitar o prosseguimento das investigações”, destacou. “Criminosos que receiam que as investigações possam chegar até eles estão querendo se servir desses expedientes para impedir que as investigações prossigam.”

Moro ressaltou que a PF investiga o hackeamento de aparelhos celulares. “A impressão que tenho é de que quem fez isso tem um poder financeiro elevado. Não se trata de um garoto cheio de espinhas atrás de um computador”, completou. Ele também chamou o episódio de revanche. “Se eu tivesse deixado a corrupção correr durante a Lava-Jato, hoje não seria alvo desses ataques”, disse.

Entre os deputados, o clima foi de tensão, com troca de acusações e muitos momentos de ânimos exaltados. Apesar de ter encontrado um cenário hostil, Moro foi elogiado por muitos congressistas. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) afirmou que conversas entre as partes de uma ação penal é absolutamente normal. Ela também frisou que as supostas mensagens entre Moro e procuradores da Lava-Jato são “mentirosas e foram alteradas”.

Adriana Ventura (Novo-SP) defendeu Moro e afirmou que o ministro e a Lava-Jato têm respaldo das ruas. Para a parlamentar, o ministro estava “tranquilo”. “A oposição fazendo oposição, e o ministro, tentando responder e argumentando. O que eu acho é que as ruas já falaram o apoio que querem dar”, destacou. “Então, eu não entendo como um parlamentar se diz representante do povo. Tem gente que eu não sei quem está representando, pois o povo, com certeza, não é.”

Do lado dos críticos, ficou a sensação de que muitas dúvidas não foram sanadas, e que Moro não deixou claro o que ele realmente escreveu pelo aplicativo de mensagens. “Ele não respondeu grande parte das perguntas. Eu sei o motivo: é porque as mensagens publicadas são verdadeiras, e ele não tem o que dizer. Faltou coragem”, afirmou o deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ).

Moro deixou a CCJ após ser chamado de “ladrão” e em meio a uma confusão armada por deputados. Integrantes da base do governo pediram que a ofensa fosse retirada das notas taquigráficas da Câmara, mas quem era da oposição foi contra, gerando tumulto.

Suspeição

Sérgio Moro foi convidado para dar explicações sobre supostas conversas entre ele e o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol. Os diálogos divulgados pelo site The Intercept Brasil teriam acontecido quando Moro ainda atuava como juiz federal em Curitiba. Por causa delas, Moro tem sido alvo de críticas por sua conduta na Lava-Jato.