O Estado de São Paulo, n. 46026, 23/10/2019. Política, p. A12
STF retoma julgamento da 2ª instância
Rafael Moraes Moura
23/10/2019
Plenário dividido entre ministros ‘garantistas’ e ‘legalistas’ será novo teste de liderança para o presidente do Supremo, Dias Toffoli
Com a tendência de novo placar apertado, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomará hoje a análise de três ações sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O julgamento deve mudar o entendimento da Corte sobre a execução antecipada de pena e testar novamente a capacidade do presidente do Supremo, Dias Toffoli, na construção de consenso entre os colegas. A prisão após condenação em segunda instância é considerada um dos pilares da Operação Lava Jato.
O debate sobre a legalidade da medida deverá, mais uma vez, provocar um racha no plenário, opondo de um lado ministros legalistas – que defendem uma resposta rigorosa da Justiça no combate à corrupção – e, de outro, os garantistas, chamados assim por destacar o princípio constitucional da presunção de inocência e os direitos fundamentais dos presos. A expectativa dentro do STF é a de que o tema divida a Corte, com Toffoli desempatando o placar e definindo o resultado final.
Em duas ocasiões recentes, Toffoli defendeu a tese de que é possível a prisão após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como uma terceira instância. Se o ministro mantiver o entendimento, essa posição não beneficiaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que já teve o caso do “triplex do Guarujá” julgado pelo STJ, em abril. Naquela ocasião, a Quinta Turma – conhecida como “câmara de gás”, por ser linha dura com réus – manteve a condenação do petista por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas reduziu sua pena.
Impasse. Integrantes do STF ouvidos reservadamente pela reportagem acreditam, no entanto, que Toffoli poderia mudar de lado diante da divisão no plenário, eventualmente migrando para a corrente dos ministros garantistas, que defendem a prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos – o chamado “trânsito em julgado”. Enquanto isso, em um esforço para “reduzir danos”, ministros que são favoráveis à execução antecipada de pena avaliam a hipótese de abraçar a tese de prisão somente após uma decisão do STJ. Seria uma espécie de solução intermediária para impedir uma derrota maior da Lava Jato.
Os diferentes entendimentos das duas alas já provocou um impasse na Corte no início deste mês, quando o tribunal entendeu que réus delatados, alvos de acusações, devem falar depois dos delatores na etapa final dos processos. Na ocasião, Toffoli ficou do lado da corrente majoritária, composta em sua maioria por ministros garantistas, mas defendeu uma tese para delimitar os efeitos da decisão, fixando critérios para anular condenações da Lava Jato.
Pela proposta de Toffoli, a condenação dos réus pode ser anulada nos casos em que o delatado pediu à Justiça para falar por último, teve a solicitação negada, reiterou o pedido em instâncias superiores e comprovou, dessa forma, o prejuízo à defesa. A tese foi melhor acolhida pelo grupo dos legalistas e, diante do impasse, a decisão final foi adiada.
Pressão. Na véspera da retomada do julgamento, ministros avaliaram que a pressão das redes sociais e de grupos isolados de caminhoneiros, que ameaçaram até fazer paralisações, não deve influenciar o resultado. A intimidação mais agressiva partiu de caminhoneiros que gravaram vídeos ameaçando novas paralisações, caso Lula saia da prisão, onde está há um ano e meio. “Isso faz parte do processo democrático, mas é preciso observar os trâmites que a Corte tem de seguir”, disse Gilmar Mendes. Indagado se a pressão sobre o STF poderia afetar a discussão, Gilmar respondeu: “Não tem nada disso.”
O julgamento será retomado hoje pela manhã com as manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Só depois disso o relator das ações, ministro Marco Aurélio, fará a leitura do voto, que deve demorar cerca de trinta minutos. A discussão seguirá pelo período da tarde e pode se estender para a sessão de amanhã.
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Turma sentencia Geddel e Lúcio por 'bunker' com R$ 51 milhões
Rafael Moraes Moura
23/10/2019
Penas impostas aos irmãos, por lavagem de dinheiro e associação criminosa, somam mais de 24 anos de prisão
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou ontem o ex-ministro Geddel Vieira Lima e seu irmão, o ex-deputado federal Lúcio Vieira Lima, ambos do MDB da Bahia, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa no caso que ficou conhecido como “bunker de R$ 51 milhões”, em referência ao apartamento, em Salvador, onde o dinheiro estava escondido em malas. Geddel foi condenado a 14 anos e dez meses de prisão; Lúcio, a 10 anos e seis meses. Os dois terão de cumprir a pena inicialmente em regime fechado, além de pagar indenização de R$ 52 milhões por danos morais.
Preso preventivamente há mais de dois anos, Geddel foi ministro da Secretaria de Governo na gestão de Michel Temer, titular da Integração Nacional no governo Lula e um dos vice-presidentes da Caixa na administração de Dilma Rousseff. Ele, Lúcio e a mãe, Marluce Vieira Lima, foram denunciados em dezembro de 2017, três meses após a deflagração da Operação Tesouro Perdido, que apreendeu aproximadamente R$ 51 milhões em dinheiro – R$ 42,6 milhões e mais US$ 2,6 milhões – em um apartamento na capital baiana. Geddel e Lúcio também terão de pagar multas pela condenação – cerca de R$ 1,4 milhão e R$ 843 mil, respectivamente, em valores corrigidos.
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), no período de 2010 a 2017, os irmãos Vieira Lima e a mãe praticaram uma série de atos para ocultar valores oriundos de crimes: repasses de R$ 20 milhões pelo doleiro Lúcio Funaro a Geddel por um esquema de corrupção na Caixa Econômica Federal; recebimento de R$ 3,9 milhões do Grupo Odebrecht e apropriação de parte da remuneração paga pela Câmara a secretários parlamentares.
De acordo com o MPF, os valores foram dissimulados por meio de empreendimentos imobiliários.
“É inegável que a atuação sorrateira de agentes públicos, com o auxílio de familiares, que desviam suas atividades para a articulação de negociações espúrias voltadas para a manutenção de um instrumento apto a lhes garantir, de forma indevida, recursos, ao fim e ao cabo, pertencentes à sociedade brasileira”, escreveu o ministro Edson Fachin, relator da ação penal no Supremo.
Família. Fachin, Celso de Mello e a ministra Cármen Lúcia votaram para condenar os irmãos Vieira Lima tanto por lavagem de dinheiro quanto por associação criminosa. Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, por outro lado, divergiram parcialmente dos colegas por entenderem que as condutas praticadas não se enquadrariam como associação criminosa.
“Para que determinado indivíduo possa ser considerado sujeito ativo do crime, para que responda por essa infração criminal, é preciso que tenha consciência de que participa de uma organização que tenha como finalidade delinquir”, observou Lewandowski. Embora Gilmar Mendes tenha acompanhado o colega nesse argumento, a posição dos dois foi vencida. Procurada pelo Estado, a defesa dos irmãos Vieira Lima não respondeu à reportagem.
Ex-ministro
Preso desde setembro de 2017, Geddel foi condenado a 14 anos e 10 meses