O Estado de São Paulo, n. 46027, 24/10/2019. Economia, p. B8

 

Nordeste propõe taxa sobre energia do sol e do vento

Anne Warth

24/10/2019

 

 

Medida ajudaria a socorrer o caixa dos Estados; especialistas dizem que não há fundamento jurídico nem técnico para cobrança

Polêmica. Vento e sol podem ir parar na reforma tributária

Senadores da Região Nordeste querem aproveitar a discussão da reforma tributária no Congresso para buscar mais receitas para seus Estados, que são grandes produtores de energia renovável e enfrentam dificuldades de caixa. O senador Marcelo Castro (MDB-PI) sugere a criação de royalties sobre energia solar e eólica na forma de uma emenda à proposta de simplificação dos impostos.

O texto é simples: inclui, na Constituição, como “bens da União”, os “potenciais de energia eólica e solar” e permite a possibilidade de cobrança de participação ou compensação financeira, em articulação com os Estados, na exploração desses recursos. A definição da alíquota dos royalties seria feita por meio de lei, que exige maioria simples na Câmara e no Senado, bem como os critérios de divisão desses recursos entre União, Estados e municípios.

Para o senador, não há diferença entre essa proposta e os royalties cobrados sobre petróleo, minérios e cursos de água com potencial de geração de energia – o que diverge, segundo ele, é o fato de que a energia solar e a eólica ainda não eram viáveis em 1988, quando a Constituição foi feita. “O vento não é propriamente uma jazida, mas tem em alguns lugares e em outros não. A minha emenda tenta fazer com que os Estados com potencial de vento e sol tenham algum benefício, já que hoje eles não têm nenhum”, disse.

O secretário estadual de Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, disse que algum tipo de compensação – seja royalty ou imposto – aos Estados produtores é necessária, em razão das dificuldades financeiras que os governos vivem, pela transição rápida em direção a uma matriz limpa e pela desoneração de bens de capital usados na produção de energia, como baterias e turbinas de eólicas.

Controversa. A cobrança de royalties sobres oleven toé controversa. Atax atem como origem uma solução econômica para resolver conflitos de direito de propriedade. No Brasil, a Constituição definiu que aposse de petróleo, gás natural, minério seda água utilizada para geração de energia é da União – e o pagamento de royalties seria uma compensação pela cessão desse direito de propriedade a terceiros.

Noca sode petróleo, gás e minérios, tratam-sede recursos finitos, e o fim da exploração tende a inviabilizara economia das regiões atingidas. Para hidrelétricas, quase sempre há impactos irreversíveis nas áreas alagada seque inviabilizamo utras atividades–nesse caso, a cobrança sedá sobre ageração de energia, e não sobre a água em si. Em todos os casos, o royalty funciona como uma compensação às localidades atingidas.

Para especialistas, não há como comparar essas situações com ageração de energia solar e eólica. Vento e sol são recursos infinitos e sua exploração não inviabiliza outras atividades econômicas. Além disso, não há conflito de propriedade, pois outras pessoas podem utilizar, ao mesmo tempo, os recursos para outras finalidades – entre elas aquecer água para chuveiros e mover moinhos de trigo, por exemplo.

A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Élbia Gannouom, considera o conceito de royalty sobre vento inadequado. “O mesmo vento que gera energia bagunça os meus cabelos. Vamos ter de pagar pela brisa? Se o sol e o vento pertencem a alguém é a Deus, disse. “Quem vai pagar essa contaéocon sumidor. Estarãotaxando energia limpa no Brasil, enquanto ores todo mundo incentiva essa produção.”

Para o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia, não há fundamento jurídico nem técnico para esse tipo de taxa sobre a energia solar. “O sol é um recurso renovável, disponível e de uso democrático”, afirma. “O sol é também um recurso imprescindível para agricultura e traz competitividade para a produção nacional. Vão taxar o agronegócio?”, questionou.

Uma proposta alternativa para contribuir com os Estados produtores é a do senador JeanPaul Prates (PT-RN). Ele defende uma redistribuição dos recursos arrecadados com ICMS sobre energia, hoje concentrados no destino, para a origem. Essa proposta, segundo ele, reequilibraria a arrecadação entre os Estados e beneficiaria o Nordeste.

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Bolsonaro pode ter mais ganhos na China do que nos EUA

Claudia Trevisan

24/10/2019

 

 

Acordo de livre-comércio com o Brasil não está entre as prioridades do governo americano

O raivoso anticomunista Jair Bolsonaro iniciará hoje sua primeira visita à China, a nação governada pelo maior e mais longevo Partido Comunista do mundo. Se abandonar a lente ideológica que turva sua visão de mundo, o presidente brasileiro poderá obter benefícios econômicos mais imediatos para o Brasil do que as vagas promessas feitas por Donald Trump no encontro que ambos tiveram em março na Casa Branca.

O principal objetivo de Bolsonaro deve ser a atração de investimentos chineses, em particular no setor de infraestrutura. O Brasil já ocupa uma posição de destaque na alocação de recursos de empresas do país asiático no exterior.

No período de 2005 a 2018, o Brasil foi o quinto maior destino de investimentos chineses, à frente de Canadá e Alemanha e atrás apenas de Estados Unidos, Austrália, Inglaterra e Suíça, de acordo com o China Global Investment Tracker, do American Enterprise Institute.

Os aportes perderam fôlego no ano passado, em meio à campanha eleitoral no Brasil e à redução global de investimentos chineses no exterior, decorrentes da imposição de medidas de controle da saída de capitais do país. Bolsonaro deveria usar sua visita a Pequim para demonstrar que o Brasil continua aberto a recursos dos chineses.

Em 2015, os dois países lançaram o Fundo de Cooperação Brasil-China para Expansão da Capacidade Produtiva, que demandou três anos para ser estruturado. Os recursos devem ser aplicados no Brasil, mas até hoje nenhum centavo de seus US$ 20 bilhões (R$ 82,6 bilhões) foi desembolsado.

Perfil dos investimentos. Brasília também deve se empenhar para mudar a natureza dos investimentos chineses e estimular sua destinação a novos projetos – e não apenas a aquisições de empreendimentos já existentes. Os dados do China Global Investment Tracker indicam que os chamados investimentos “greenfield” representaram menos de 10% dos US$ 57 bilhões destinados por companhias chinesas a atividades no país desde 2005.

Para algumas empresas, o Brasil é a prioridade. A State Grid, maior companhia de energia elétrica do mundo, colocou 50% de seus investimentos no exterior no Brasil, onde tem sua maior operação fora da China. No caso da China Three Gorges, outra estatal do setor elétrico, os investimentos no Brasil representam 18% do total. Para a petroleira Sinopec, o porcentual é de 16%.

A visita à China é a expressão concreta dos limites econômicos e políticos do desejo de Bolsonaro de alinhar o Brasil aos Estados Unidos. O país ganharia com a aproximação, mas o desejo de caminhar nessa direção não é correspondido na mesma intensidade pelos americanos.

Integrantes do governo Trump deixaram claro a emissários de Bolsonaro que o início de negociações de um acordo de livre-comércio com o Brasil não está entre as prioridades da administração americana. Tudo indica que nada acontecerá nessa área antes da eleição presidencial de 2020. O cumprimento da promessa de apoiar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi deixado para um futuro incerto.

Além disso, o fato de a China ser o destino de 76% das exportações de soja brasileiras e de 30% das de carne transformou a bancada ruralista no Congresso em um poderoso lobby a favor de boas relações com Pequim. Depois de Bolsonaro fazer juras de amor aos EUA e atacar a China durante a campanha ao Palácio do Planalto, representantes do setor se mobilizaram para baixar o tom da retórica do presidente eleito com o apoio da esmagadora maioria dos produtores rurais.

A guerra comercial deflagrada por Trump contra a China aumentou ainda mais a importância do país asiático para os exportadores de soja brasileiros, que viram seus embarques aumentarem em 20% no ano passado em consequência de barreiras impostas por Pequim à soja americana. Em julho, a China abriu seu mercado de leite a produtores brasileiros. Na visita de Bolsonaro, o governo de Xi Jinping deverá ampliar a entrada de carne brasileira em seu país.

O país asiático não é só o principal destino das exportações brasileiras. É também uma fonte crescente de investimentos, tendo rivalizado na última década com tradicionais investidores no Brasil, em especial os Estados Unidos.

O Boletim de Investimentos Estrangeiros – Países Selecionados, elaborado pelo Ministério da Economia, mostra que os Estados Unidos lideraram os investimentos no Brasil no período de 2003 ao segundo trimestre de 2019, com US$ 81,6 bilhões, o equivalente a 33% do total. Os chineses ficaram quase empatados, com US$ 79,7 bilhões (32%) – o levantamento abrange período maior que o do China Global Investment Tracker e usa metodologia distinta. A China tem capacidade de financiamento e vasta expertise nessa área. Cabe a Bolsonaro convencêlos de que sua retórica anticomunista não levará a decisões que discriminem o capital chinês.