Correio braziliense, n. 20497, 04/07/2019. Opinião, p. 11

 

Letramento em programação para uma escola do século 21

Mozart Neves Ramos

04/07/2019

 

 

A preparação de pessoas para as demandas deste século requer uma educação que seja capaz de potencializar as qualidades humanas, na perspectiva de um desenvolvimento pleno, em consonância com o próprio artigo 205 da Constituição Federal, “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Isso, por sua vez, significa dizer que precisamos ir além do desenvolvimento cognitivo tradicional e buscar mecanismos e estratégias que possam promover o desenvolvimento das chamadas competências socioemocionais.

Nessa direção, numerosos estudos revelam que o uso de tecnologias digitais no ambiente escolar, na perspectiva de um currículo que integre de forma intencional o desenvolvimento dessas competências, pode ser uma estratégia assertiva, capaz de promover, entre outras habilidades, a colaboração, o pensamento crítico, a criatividade, a inovação e a comunicação.

Na perspectiva de uma educação voltada para o século 21, ensinar crianças e jovens a programar, no contexto do uso das tecnologias digitais, habilitando-as a comunicar-se, acessar e produzir informações e conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria, pode ser considerado um componente curricular importante para a promoção de uma educação integral no ambiente escolar. Pensando assim foi que, há cinco anos, o Instituto Ayrton Senna iniciou, no âmbito do seu planejamento estratégico, o projeto de letramento em programação nas escolas municipais de Itatiba, no estado de São Paulo, em parceria com a Fundação Lemann, a Secretaria Municipal de Educação e a Universidade São Francisco (USF), com o apoio decisivo das empresas Boeing e Linx.

O que se viu ao longo dos anos foram estudantes cada vez mais engajados e motivados, de tal forma que o projeto se tornou política pública do município de Itatiba, mediante a Lei n° 5.079 de 8 de dezembro de 2017. O sucesso do projeto foi além dos limites do município, contagiando municípios vizinhos que incluíram o letramento em programação no currículo escolar, como foi o caso dos municípios de Morungaba e Vinhedo.

Ao mesmo tempo, uma rede nacional de letramento em programação começou a ser estruturada, com destaque para Passo Fundo,  no Rio Grande do Sul, e Caruaru, em Pernambuco, como polos estratégicos dessa rede nacional. Hoje, o letramento em programação está em quatro regiões do Brasil, formando uma rede colaborativa que tem no seu DNA a participação do terceiro setor, por meio do Instituto Ayrton Senna, de universidades locais, empresas apoiadoras e das secretarias municipais de Educação.

Tal iniciativa vem ajudando a levar ao chão de escola a competência de número cinco da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que trata da compreensão, da utilização e da criação de tecnologias digitais para que as linguagens de programação e de conceitos e práticas de computação possam cada vez mais promover a construção de uma escola que responda às demandas do século 21. Ou seja, que a cultura digital seja utilizada de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

As crianças e os jovens precisam de uma escola que traga significado para sua vida, e o letramento em programação é um dos exemplos que promove tal significado pelo uso de jogos e aplicativos construídos por eles próprios na perspectiva não só de resolver problemas reais no ambiente escolar, mas também do dia a dia do município. Um dos momentos mais marcantes é o Tech Oscar — evento de encerramento anual do projeto —, no qual os alunos apresentam para a comunidade escolar e suas famílias os projetos desenvolvidos com base em programação. (...)

Mozart Neves Ramos

Diretor do Instituto Ayrton Senna e membro do Conselho Nacional de Educação