O Estado de São Paulo, n. 46027, 24/10/2019. Política, p. A12

 

Governo avalia atos em vizinhos e teme 'contaminação'

Tânia Monteiro

Julia Lindner

24/10/2019

 

 

Protestos no Chile e Bolívia são monitorados; Bolsonaro diz que Poderes podem convocar Forças Armadas ‘pela manutenção da lei e da ordem’

O presidente Jair Bolsonaro afirmou, em viagem ao Japão, que acionou o Ministério da Defesa para deixar as Forças Armadas de sobreaviso caso ocorram no Brasil protestos semelhantes aos do Chile e da Bolívia. “A gente se prepara para usar o artigo 142 da Constituição Federal, que é pela manutenção da lei e da ordem, caso eles (integrantes das Forças Armadas) venham a ser convocados por um dos três Poderes”, disse o presidente.

Bolsonaro e setores de inteligência do governo monitoram com preocupação o cenário de conflito em países vizinhos. Há um temor de que o clima de revolta possa contaminar o Brasil, que também vive momento político conturbado.

A preocupação entre auxiliares do presidente está relacionada a possíveis confrontos violentos provocados pela polarização política no País. De um lado, a avaliação é de que o resultado do julgamento sobre a prisão em segunda instância no Supremo Tribunal Federal, retomado ontem , pode ser o estopim de manifestações de apoiadores da Lava Jato e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pode ser libertado dependendo da decisão.

O Estado mostrou que grupos isolados de caminhoneiros ameaçam promover protestos caso a votação no STF possibilite a soltura de Lula. Ministros também têm sido pressionados pelas redes sociais. Os órgãos de inteligência do governo monitoram, ainda, ameaça de greve dos petroleiros e, em paralelo, a criação do chamado Grupo de Puebla, uma tentativa de reorganizar o Foro de São Paulo.

Do Japão, onde acompanha o presidente pelo tour asiático, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, acusou a “esquerda radical” de estar por trás das manifestações nos países vizinhos. “Na América do Sul, estamos vivendo um momento difícil em que a esquerda radical, desesperada com a perda de poder, vai jogar todas as suas fichas na mesa para conturbar a vida dos países sul-americanos e tentar retornar ao poder de qualquer maneira e nos jogar no abismo que nós paramos na porta”, disse.

Contaminação. Na avaliação de oficiais-generais ouvidos pelo Estado, embora os cenários sejam diferentes entre o Brasil e seus vizinhos, o monitoramento é necessário para identificar o que chamam de “contaminação”. Além de Chile e Bolívia, também citam como exemplo Argentina, Peru e Equador.

A inquietação no Brasil, de acordo com esses militares ouvidos, pode ser agravada pela demora na recuperação da economia no País, principalmente na dificuldade de diminuir os índices de desemprego – hoje em torno de 12%. Pelo menos dois dos oficiais-generais citaram ainda o fato de o comando no País estar nas mãos do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) até sexta-feira, 25, quando o vice, Hamilton Mourão, retorna de uma viagem oficial ao Peru.

Segundo na linha de sucessão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está em Londres.

Mensagens de parlamentares da oposição associando protestos no Chile ao resultado de políticas ligadas à direita também são vistas com receio no governo. Citam, como exemplo, o senador Humberto Costa (PT-PE), que, para interlocutores do presidente, “ultrapassou as raias da irresponsabilidade”.

“A paciência do povo com a direita ultraliberal, fascista, entreguista está acabando em diversos lugares do mundo. Jair Bolsonaro está com os dias contados. É questão de tempo. A hora do Brasil vai chegar. Anotem aí”, postou Costa no Twitter.

De Tóquio, Bolsonaro disse que Costa “jogou pesado nessa questão”. Carlos Bolsonaro (PSC), filho do presidente, fez ofensas ao petista. “Temos de estar preparados para combater este tipo de vagabundo”, postou. O senador negou incitar protestos.

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Lula: MPF pede anulação da condenação

Luís Vassallo

Pepita Ortega

24/10/2019

 

 

O procurador da República Maurício Gerum pediu ontem ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) a anulação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação penal que envolve o sítio de Atibaia. No parecer, Gerum requer que seja declarada a nulidade do processo, e que ele volte à fase de alegações finais. Lula foi condenado neste caso a 12 anos e 11 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O parecer é embasado na decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou sentenças do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobrás Aldemir Bendine e do ex-gerente da estatal Márcio de Almeida Ferreira. O STF entendeu que delatores devem entregar seus memoriais antes de delatados em ações penais. No processo, Lula entregou sua defesa antes do delator Marcelo Odebrecht. O petista chegou a pedir mais prazo, mas a 13.ª Vara Federal de Curitiba rejeitou.

“Não há diferença substancial entre o rito observado neste processo quanto à ordem de apresentação das alegações finais e aquele considerado pelo STF como ofensivo à Constituição em dois recentes precedentes, um deles decidido pelo Plenário e com indicação de formulação de tese”, escreveu Gerum.

O julgamento do caso do sítio de Atibaia, que pode anular ou manter a condenação de Lula no processo, foi marcado para ser realizado no próximo dia 30 pelo desembargador federal João Pedro Gebran Neto, relator dos casos relacionados à Lava Jato no TRF-4. A 8.ª Turma do tribunal decidirá se o processo contra o petista voltará ou não para a primeira instância para correção na ordem de apresentação de alegações finais. A avaliação também leva em conta o entendimento do STF.

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Lava Jato apura propina de R$ 49 milhões para ex-diretor

Pedro Prata

Pepita Ortega

Fausto Macedo

24/10/2019

 

 

Renato Duque, ex-chefe do setor de Serviços da Petrobrás e ligado ao PT, é um dos alvo da 67ª fase da operação

Operação. Policiais federais com documentos apreendidos

Os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) disseram acreditar que o grupo multinacional ítalo-argentino Techint pagou, entre 2008 e 2013, cerca de US$ 12 milhões de propina, aproximadamente R$ 49 milhões, a Renato de Souza Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás. O nome de Duque para a direção da estatal foi uma indicação política do PT, conforme disse José Dirceu em depoimento ao juiz Sergio Moro no ano passado. O pagamento de valores indevidos é alvo da Operação Tango & Cash, fase 67 da Lava Jato, deflagrada ontem.

Os investigadores consideram que a propina tenha sido uma contrapartida para a contratação da Confab Industrial, subsidiária brasileira da Techint, para fornecer tubos à Petrobrás. De 2006 a 2012, ano em que Duque deixou a Diretoria de Serviços, a Confab celebrou contratos com a petrolífera no valor de R$ 3 bilhões.

Segundo o MPF, representantes da Confab no Brasil teriam realizado pagamentos por meio de contas bancárias na Suíça para empresas offshore controladas por um intermediário de Duque. “Posteriormente, conforme demonstraram os documentos recebidos das autoridades italianas, as transferências ilícitas passaram a ser feitas diretamente pela alta administração do Grupo Techint a um operador financeiro ligado ao ex-diretor de Serviços”, disse o MPF.

A offshore era controlada pelo operador financeiro João Antônio Bernardi Filho, apuraram os investigadores da Lava Jato.

As penas do ex-diretor da Petrobrás na Operação Lava Jato chegaram a 123 anos e 11 meses de prisão – ele está detido desde fevereiro de 2015.

O MPF também investiga pagamentos a Jorge Luiz Zelada, ex-diretor da área Internacional da Petrobrás. Conforme a Lava Jato, ele recebeu diversas visitas do diretor do grupo Techint no Brasil, Ricardo Ourique Marques, e recebeu, em 2012, por meio de contas offshore, 539 mil francos suíços, equivalente a R$ 2,2 milhões.

Outro alvo de buscas e apreensões ocorreram em endereços do ex-gerente-geral da Diretoria de Abastecimento da Petrobrás Fernando Carlos Leão de Barros. Ele teria US$ 3,25 milhões em contas na Suíça.

Defesa. A Petrobras disse que “é reconhecida pelo próprio Ministério Público Federal e pelo Supremo Tribunal como vítima de uma esquema de corrupção envolvendo agentes políticos e privados”. Os demais alvos da operação de ontem foram procurados pela, mas não se manifestaram.

Punição

123 anos

é a pena acumulada até agora pelo ex-diretor da Petrobrás Renato de Souza Duque na Operação Lava Jato. Ele está preso desde fevereiro de 2015