O Estado de São Paulo, n. 46021, 18/10/2019. Política, p. A4

 

Grupo de Bivar no PSL impõe revés a Bolsonaro

Renato Onofre

Patrik Camporez

Camila Turtelli

Daniel Weterman

18/10/2019

 

 

Partido. Crise entre presidente e a cúpula de sua sigla vira guerra declarada com áudios vazados e ameaças; Eduardo e Flávio podem perder comando dos diretórios regionais

Disputa. Ao lado do ministro Sérgio Moro, Bolsonaro participa de evento da Polícia Rodoviária Federal em Florianópolis (SC)

A crise que opõe o presidente Jair Bolsonaro e a cúpula do seu próprio partido, o PSL, se tornou ontem uma guerra declarada com a divulgação de áudios, ameaças, rasteiras e retaliações. Após se movimentar para isolar o grupo do presidente do partido, deputado Luciano Bivar (PE), Bolsonaro sofreu derrotas de peso. O presidente não conseguiu derrubar o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), que depois o chamou de “vagabundo” e disse que vai “implodi-lo”. A direção do partido, controlada por Bivar, indicou que vai destituir o deputado Eduardo Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro do comando dos diretórios regionais em São Paulo e no Rio, respectivamente.

O mais ruidoso capítulo da briga começou anteontem, quando Bolsonaro tentou substituir Waldir por Eduardo na liderança do PSL na Câmara. Para tanto, chamou um grupo de parlamentares do seu grupo para uma conversa a portas fechadas, no Palácio do Planalto, e exerceu seu poder de pressão. Irritado com Waldir, que no dia anterior orientara a bancada a votar contra a Medida Provisória que promovia a reestruturação administrativa da Casa Civil e da Secretaria de Governo, Bolsonaro cobrou apoio à troca de comando na liderança. Fez o apelo pessoalmente e em telefonemas.

Em uma das ligações para um parlamentar, Bolsonaro foi gravado detonando Waldir. “Você sabe que o humor desse cara muda”, disse ele, em referência ao líder do PSL na Câmara. Ao saber dessas articulações, Waldir não se conteve. “Eu vou implodir o presidente”, afirmou o deputado, em reunião com colegas do partido. “Eu votei nessa p..., eu andei no sol 246 cidades, no sol gritando o nome desse vagabundo.”

A ameaça de Waldir foi feita por volta de 17 horas de anteontem e também gravada, sem ele saber, pelo deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), do grupo de Bolsonaro, que estava “infiltrado” na reunião. Cinco horas depois, o protocolo da Câmara ainda recebia listas assinadas por deputados do PSL – duas delas pediam a substituição de Waldir da liderança e outra, a sua manutenção. A Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara conferiu ontem as assinaturas e invalidou quatro delas. Com isso, o líder da bancada foi mantido.

Além de uma derrota para Bolsonaro, a permanência do aliado de Bivar na liderança foi um revés para o próprio Eduardo, que na noite de ontem já havia dado entrevista como líder. “Estou vindo para tentar colocar um pouco de panos quentes”, disse ele. “Muitos deputados foram retirados de comissões. Ocorreu uma retaliação e pareceu que se estava fazendo política com o fígado”, emendou ele, antes do resultado.

O desfecho da disputa também enfraqueceu a candidatura dele a embaixador do Brasil em Washington. Embora Bivar tenha dito que ainda não assinou as mudanças nos diretórios do Rio e de São Paulo, ele admitiu que todo o processo está pronto. “Está tudo lá no partido”, afirmou. Ainda hoje, o PSL deve fazer uma convenção extraordinária, em Brasília, para referendar mudanças no estatuto que desidratam a ala bolsonarista no partido.

No meio do tiroteio, Bolsonaro também substituiu ontem a deputada Joice Hasselmann (PSLSP), líder do governo no Congresso, pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO). Da ala pró-Bivar e desafeta de Eduardo, Joice foi signatária de uma lista pedindo a manutenção de Waldir no posto. O movimento de Joice enfureceu Bolsonaro. “A Presidência da República foi usada para interferir em outro poder, que é o Legislativo”, afirmou a deputada ao Estado. “Eu carreguei muitas coisas nas costas e apaguei incêndios, mas sabia que a gratidão não estava entre as qualidades que cercam o presidente.”

Ao sair ontem pela manhã do Palácio da Alvorada, Bolsonaro foi questionado sobre suas críticas a Waldir, gravadas por um correligionário. “Eu falei com alguns parlamentares. Me gravaram? Deram uma de jornalista?”, questionou. Sem querer esticar o assunto, o presidente encerrou a conversa. “Se alguém grampeou telefone, primeiro é uma desonestidade. Eu não trato publicamente desse assunto.”

Aliado de Bolsonaro, Daniel Silveira (RJ) admitiu ter gravado a reunião da bancada do PSL em que Waldir chamou o presidente de “vagabundo”, com o objetivo de “blindar” o presidente. “Era uma estratégia pensada”, disse o deputado, confirmando que o próprio Bolsonaro participou do plano. Silveira tem experiência em trabalhar disfarçado. Quando integrava a PM do Rio, ele atuou na área do Serviço de Inteligência.

CRONOLOGIA

16/10

Pedido

Deputados se articulam para tirar Delegado Waldir da liderança do PSL na Câmara.

16/10

Reação

Deputados ligados a Bivar protocolaram outro pedido pela manutenção de Waldir.

16/10

Áudio

Divulgado áudio em que Bolsonaro pede apoio para Eduardo substituir Waldir.

17/10

‘Desonestidade’

Bolsonaro chama de “desonestidade” a divulgação do áudio.

13h16

Waldir mantido

A Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara mantém Waldir na liderança do PSL.

14h01

Joice

Planalto tira Joice Hasselmann da liderança do Governo no Congresso.

14h32

‘Implodir’

Divulgado áudio em que Waldir diz que vai “implodir” o presidente.

15h28

Substituto

Eduardo Gomes (MDB-TO) é anunciado como novo líder.

17h25

Infiltrado

Deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) admitiu ter gravado Waldir para “blindar” Bolsonaro.

18h30

Pano quente

Waldir minimiza a crise dizendo que “já passou e que somos todos Bolsonaro”.

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Crise torna incerta ida de Eduardo para embaixada

Renato Onofre

Daniel Weterman

18/10/2019

 

 

A atuação do presidente Jair Bolsonaro para colocar o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), na liderança do partido na Câmara deixou em suspenso a possibilidade de o filho “03” assumir a embaixada do Brasil em Washington. Segundo apurou o Estado, Bolsonaro informou ao Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que vai deixar a nomeação de lado por enquanto. O presidente anunciou o filho para o cargo nos EUA há três meses, mas até agora a indicação não foi formalizada junto ao Senado – que tem a prerrogativa de sabatinar e aprovar a indicação.

Segundo avaliações de pessoas próximas ao presidente, a liderança do PSL na Câmara seria uma espécie de “saída honrosa”, pelo menos por ora, para Eduardo abandonar o projeto de ser embaixador. Auxiliares de Bolsonaro afirmam também que, apesar da peregrinação no Senado, Eduardo não conseguiu convencer um número suficiente de senadores a apoiarem seu nome – o que poderia a levar a uma derrota.

Oficialmente, o Palácio do Planalto não confirma que a indicação foi suspensa. Anteontem, Eduardo admitiu que o cargo no exterior havia ficado em segundo plano diante da crise no partido. “Meu foco é ajudar o País.”