Título: Autodeclaração será o único pré-requisito
Autor: Pompeu, Ana; Alcântara, Manoela
Fonte: Correio Braziliense, 20/10/2012, Cidades, p. 32

O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, é enfático ao falar sobre como negros, pardos e indígenas serão avaliados para se adequarem à nova Lei de Cotas Sociais: “Será utilizada somente a autodeclaração”, ressaltou, na entrevista coletiva em que divulgou o decreto e a portaria que regulamentaram a Lei Federal nº 12.711. A exigência vale para todas as 59 instituições federais de ensino superior que deverão adotar o sistema nas próximas seleções.

A UnB seguirá a regra para os 12,5% de reservas estipulados pela legislação, mas manterá a banca avaliadora para todos os que pretendem disputar uma vaga por meio dos 20% reservados com exclusividade para a população negra e parda desde 2004, sem distinção de currículo escolar. A experiência de conservar, por oito anos, a cota para negros mostrou diversos pontos a serem considerados sobre a autodeclaração.

Uma das principais polêmicas em torno desse tipo de avaliação ocorreu em 2007, quando a UnB usava duas fases para definir quem poderia concorrer às vagas. A primeira delas era a análise de fotografias, feitas na instituição. Apenas quem fosse considerado negro ou pardo nessa etapa era convocado para uma entrevista. Naquele ano, os gêmeos Alan e Alex Teixeira tentaram, juntos, ingressar pelo sistema, mas somente um obteve êxito. “A gente estava no cursinho, quando soube que o resultado havia saído e eu fui olhar. Encontrei meu nome e, na mesma hora, imaginei que os dois tinham sido aprovados”, lembra Alan, 23 anos. Quando procurou pelo nome do irmão e não viu, o rapaz voltou para a sala de aula e contou aos colegas.

Ao saber da história, o professor que ministrava a aula o aconselhou a entrar com recurso. “Fizemos isso e também pedimos explicações à UnB sobre critérios usados, mas não tivemos nenhuma explicação”, conta o rapaz. A universidade apenas reviu o resultado de Alex e aceitou que ele também é negro. Alan fez a prova para educação física e o irmão, para nutrição. Nenhum deles foi aprovado, mas o caso alimentou a discussão da validade da seleção para as cotas. No ano seguinte, Alan conquistou a vaga que desejava e Alex passou para ciências de alimentos na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais.

Para o diretor do Centro de Convivência Negra da UnB, Ivair Augusto Alves dos Santos, o erro colocou o sistema em xeque. “Ficou claro que a autodeclaração era uma fria. O nosso sistema de banco de dados não dizia se havia parentes disputando ao mesmo tempo, não detalhava quase nada. As fotografias nem sempre eram fiéis e nós dependíamos de detalhes técnicos, como fundo e iluminação. A gente percebeu que não era suficiente”, explica.

Após a negativa dos gêmeos, a etapa de avaliação das fotos foi descartada e todos que se autodeclaravam negros, no ato de inscrição para o vestibular, começaram a ser automaticamente convocados para um encontro pessoal com a banca examinadora.

Kit negro Antes de as avaliações pessoais começarem a ser feitas, diversas tentativas de fraude ao sistema ocorreram. Ivair dos Santos conta que, no início, não imaginou que encontraria tantas estratégias de burlar o processo. “Era praticamente um kit negro. Vi gente que colocava uma camisa do Bob Marley e vinha bronzeado. Outros usavam perucas. Eles transferiam para nós a responsabilidade de decidir. Chegavam sem constrangimento algum”, lembra.

O coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB, Nelson Inocêncio, também teme o ingresso por autodeclaração. Para ele, teoricamente, o modelo bastaria, mas as pessoas podem usar a boa-fé da lei para tentar se beneficiar. “Até a década de 1990, as pessoas se declaravam negras por uma questão de identidade. Com as políticas afirmativas, declarar-se negro significa também mudar todo o curso de uma vida, beneficiar-se”, lamentou.

Inocêncio afirma ainda que o critério para uma pessoa ingressar no sistema de cotas não deve depender da árvore genealógica do indivíduo, mas, sim, do fenótipo dele. “As pessoas são discriminadas pela cor, pela aparência. A nova lei coloca a autoavaliação como critério. É preciso que haja um acompanhamento disso para avaliar se dá certo ou não.”