O Estado de São Paulo, n. 46021, 18/10/2019. Política, p. A10

 

PGR vê 'retrocesso' em fim de 2ª instância

Rafael Moraes Moura

18/10/2019

 

 

Procuradoria fala em prejuízo para a ‘credibilidade’ do Supremo, que começou a julgar três ações que contestam a prisão antecipada

Julgamento. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, ao chegar para a sessão de ontem

Em documento apresentado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que a possibilidade de derrubar a execução antecipada de pena representaria um “triplo retrocesso” que poderia atingir “a própria credibilidade da sociedade na Justiça e nessa Suprema Corte”. O Supremo iniciou ontem o julgamento de três ações que questionam a prisão após condenação em segunda instância – discussão que será retomada na próxima quarta-feira.

Pelo texto da PGR, antecipado pelo portal estadao.com.br, a mudança da atual jurisprudência seria um retrocesso tanto para o sistema jurídico – que perderia “em estabilidade e segurança jurídica e teria sua seriedade posta em xeque” – quanto para a rede de investigações no País – que voltaria ao “cenário do passado e teria sua efetividade ameaçada por processos infindáveis”. Ao se referir à imagem do Supremo, a PGR fala em “restauração da sensação de impunidade”.

A autorização para a prisão em segunda instância é considerada um dos pilares da Operação Lava Jato e sua mudança pode abrir margem para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre outros. Durante a sessão de ontem, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, tentou rechaçar as avaliações de que os ministros têm como foco a situação do petista.

“Que fique bem claro que as presentes ações e o presente julgamento não se referem a nenhuma situação particular. Estamos diante de ações abstratas de controle de constitucionalidade. O objetivo é dar o alcance efetivo e a interpretação a uma das garantias individuais previstas na nossa Constituição Federal. Esse entendimento se estenderá a todos os cidadãos brasileiros sujeitos à sua eventual aplicação, sem distinção”, disse Toffoli.

Dentro do Supremo e até mesmo da Procuradoria é dado como certo que a Corte deve derrubar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. A dúvida é saber se vai prevalecer o entendimento de que condenados pela Justiça podem aguardar em liberdade até o esgotamento de todos os recursos (o “trânsito em julgado”) ou até uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como uma terceira instância.

A tese do STJ foi defendida em pelo menos duas ocasiões distintas pelo próprio Toffoli. O ministro Gilmar Mendes votou nessa solução intermediária ao analisar um habeas corpus de Lula em abril do ano passado, mas já avisou que vai trocar de lado e migrar para a corrente que defende o trânsito em julgado.

Críticas. A sessão foi dominada por sustentações orais de entidades interessadas na causa e dos autores das três ações que terão o mérito analisado definitivamente - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Patriota e o PCdoB.

Advogado do PCdoB, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo defendeu a tese de que a prisão só deve ocorrer após o esgotamento de todos os recursos. “Podemos discordar da Constituição, podemos dizer que ela é atrasada, mas há de se respeitá-la. A expressão trânsito em julgado não foi colocada lá por acaso”.

Na véspera do recesso do final do ano passado, o ministro Marco Aurélio Mello chegou a conceder liminar que derrubava em todo o País a prisão após condenação em segunda instância. No mesmo dia, Toffoli suspendeu a liminar do colega, restaurando a execução provisória de pena.

‘Palpite’

Para o ministro Marco Aurélio Mello, a prisão em 2ª instância será derrubada por 7 votos a 4. “É meu palpite.”

‘Situação particular’

“Que fique bem claro que as presentes ações (sobre prisão em segunda instância) e o presente julgamento não se referem a nenhuma situação particular.”

Dias Toffoli

PRESIDENTE DO STF