Título: Depoimento falso na mira da polícia
Autor: Almeida, Kelly
Fonte: Correio Braziliense, 20/10/2012, Cidades, p. 34

Quatro acusados por desvio de verba do Programa DF Digital são indiciados também por tentativa de atrapalhar as apurações

Investigado por peculato e formação de quadrilha, o ex-grão-mestre da instituição maçônica Grande Oriente do DF Jafé Torres pode ser indiciado também por denunciação caluniosa e fraude processual. A Polícia Civil e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apuram uma ocorrência registrada em março na 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul), segundo a qual um homem teria informado que foi contratado para encontrar um pistoleiro a fim de matar Jafé. O depoimento, entretanto, acabou alterado no mês passado, quando Carlos (nome fictício) disse aos policiais que fez o relato a pedido de Jafé e de outros três homens para que uma testemunha do inquérito da Delegacia de Combate ao Crime Organizado (Deco), que investiga o ex-grão-mestre por irregularidades na gestão do Programa DF Digital (veja Entenda o caso), perdesse credibilidade.

A suposta denúncia caluniosa e a tentativa de atrapalhar as investigações fizeram com que a Deco e a Promotoria de Fundações pedissem, no mês passado, a prisão preventiva de Jafé Torres, Reginaldo Silva, Stuart do Rêgo e Tasso de Siqueira Ottoni. O pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). “Mas já recorremos. Essas pessoas estão querendo macular provas para atrapalhar as investigações e não serem condenadas”, afirmou o promotor Rogaciano Bezerra Leite Neto. “É importante que eles fiquem presos por tempo indeterminado. Eles querem denegrir as fontes de informações que temos”, acrescentou Rogaciano.

“Uma ocorrência falsa foi registrada na 1ª DP, a pedido de Jafé e dos outros três, para que essa testemunha, que estava denunciando irregularidades do DF Digital, fosse desqualificada tanto na polícia quanto no MPDFT. A mentira só foi revelada no mês passado, quando Carlos foi chamado para depor novamente na 1ª DP e contou tudo”, informou o delegado Henry Peres, chefe da Deco. Carlos é um ex-funcionário da Fundação Gonçalves Lêdo (FGL) — responsável por gerir, à época, o DF Digital. Segundo o depoimento dele à polícia, a acusação supostamente relatada falsamente à 1ª DP teria ocorrido em troca de Carlos ter o emprego de volta. “Ele revelou que a promessa de Jafé nunca foi cumprida. Ele não conseguiu ser recontratado e se sentiu traído”, detalhou o delegado Peres.

Testemunha

À polícia, Carlos detalhou que “tinha que dar um jeito de inventar uma tentativa de homicídio contra Jafé Torres, um roubo contra Stuart e uma agressão contra Reginaldo”. O relato ainda ressalta que, “em razão do depoente dar aulas na periferia, poderia inventar que iria contratar algum bandido para concretizar tais afirmações”. As orientações dadas ao ex-funcionário da FGL, segundo as apurações, teriam ocorrido em uma sala no Setor Comercial Sul, onde estavam os investigados.

O latrocínio contra Jafé ocorreria por ele guardar dinheiro em casa, Reginaldo seria surpreendido quando estivesse fazendo uma caminhada e Stuart seria vítima de um sequestro relâmpago. “A intenção era de que Carlos ressaltasse que essa nossa testemunha era quem havia planejado todos esses crimes. E, por estar respondendo por isso, ela não teria credibilidade no inquérito”, explicou o delegado Henry Peres.

Paulo (nome fictício), a principal testemunha, trabalhava na FGL quando começou a ser perseguido. “Eu e outros funcionários notamos o desvio de verbas do DF Digital, no ano passado, e denunciamos ao MP. Com isso, deixei a fundação e tentaram tramar para que os meus relatos fossem desqualificados e eles conseguissem renovar os contratos. Também fui ameaçado várias vezes”, explicou. Ele só soube que era investigado na 1ª DP recentemente. “Há poucos meses, descobri que haviam registrado a ocorrência relatando que eu teria pedido que Carlos arranjasse alguém para matar Jafé. Íamos fazer uma acareação com todos os envolvidos, então, Carlos se antecipou e admitiu à polícia toda a farsa”, detalhou a testemunha.

A defesa de Jafé Torres nega qualquer armação para o registro de uma denúncia caluniosa. “Jafé ficou sabendo que estavam querendo matá-lo, mas em momento nenhum disse o que ele (Carlos) tinha que fazer ou deixar de fazer. Carlos deu todas as informações que pareciam verdadeiras e agora muda de conversa”, disse Cléber Monteiro, advogado de Jafé e ex-diretor da Polícia Civil do DF. Monteiro informou que, desde agosto, o cliente está afastado da instituição maçônica. “Ele mesmo que pediu afastamento e o adjunto dele assumiu a função. Com esse afastamento, ele não é mais o grão-mestre da Grande Oriente”, explicou.

"É importante que eles fiquem presos por tempo indeterminado. Eles querem denegrir as fontes de informações que temos” Rogaciano Bezerra Leite Neto, promotor da Promotoria de Fundações

Entenda o caso

Operação Firewall Desde 2010, a Polícia Civil do DF investiga um suposto esquema de corrupção que teria começado em 2009 por meio dos recursos destinados ao Programa DF Digital, da Secretaria de Ciência e Tecnologia. De acordo com a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Deco), a Fundação Gonçalves Lêdo (FGL), então administrada por Jafé Torres, Reginaldo Silva, Stuart do Rêgo e Tasso de Siqueira Ottoni, recebeu R$ 34 milhões para gerir o programa e promover inclusão digital à população do Distrito Federal. A verba, entretanto, teria sido desviada. As investigações indicam ainda que a fundação subcontratava empresas com valores superfaturados para desviar o dinheiro. Em 2 de agosto deste ano, policiais da Deco cumpriram oito mandados de prisão e 17 de busca e apreensão no DF e no Piauí, durante a Operação Firewall. Três pessoas foram presas. Jafé Torres não estava em casa, quando os policiais chegaram. Ele era considerado foragido, até a defesa conseguir a revogação da prisão.