Correio braziliense, n. 20499, 06/07/2019. Economia, p. 9

 

Moeda é estável, mas voo ainda é de galinha

Cláudia Dianni

06/07/2019

 

 

Em tempos de hiperinflação, a estabilidade dos preços era apontada como condição para a economia brasileira deslanchar. No entanto, desde a implementação do Plano Real, em julho de 1994, o país ainda não conseguiu alcançar crescimento econômico sustentável. Nestes 25 anos em que a inflação está sob controle — média anual de 6,5% —, a taxa média de crescimento da economia foi de 2,5%. O padrão de expansão anual do Produto Interno Bruto (PIB) é o mesmo das décadas anteriores, ou seja, instável. Cresce e recua. É o chamado voo de galinha. Nos últimos anos, porém, a economia saiu do padrão, e não foi para melhor.
Em 2105 e 2016, o PIB recuou 3,5% e 3,3% respectivamente. Dois anos de retração era algo que não acontecia desde o início da década de 1930, sob os efeitos da crise econômica de 1929, que afetou o mundo depois do famoso crash da Bolsa de Nova York. Nos últimos dois anos, o Brasil cresceu apenas 1,1%. O mercado já conta com mais um resultado raso para 2019. Confirmadas as previsões, o crescimento médio da década deve ficar em apenas 0,9%, segundo previsão da Fundação Getulio Vargas (FGV), pior até que os números dos anos 1980, considerada a “década perdida”, quando a taxa média de crescimento foi de 1,6%.
Economistas ouvidos pelo Correio acreditam que, para mudar de patamar, o Brasil precisa crescer acima de 4% de forma sustentável. Os analistas atribuem o desempenho às condições macroeconômicas a partir de 2008, principalmente, depois de 2011, com sucessivos deficits nas contas do governo, que elevaram a dívida pública — despertando a desconfiança —, e a falta de um projeto econômico para além da reforma da Previdência.
Eles receitam a retomada das reformas e o ajuste fiscal — que “ficaram pelo caminho”, quando da implementação do Plano Real — para voltar a crescer. A reforma da Previdência é vista como o primeiro passo, mas não como garantia. Será preciso, afirmam, simplificar e dar racionalidade ao emaranhado tributário para melhorar a arrecadação e facilitar os negócios, já que são céticos com relação a um reforma capaz de reduzir a carga tributária. Parcerias públicas e privadas para investimentos em infraestrutura e modernização regulatória também integram o receituário que visa melhorar a combalida economia brasileira.
O pai do Real
A equipe econômica que criou e colocou para funcionar o Plano Real já tinha a percepção de que seria necessário fazer um ajuste fiscal para controlar os gastos públicos. O Plano não se limitava a criar uma moeda, continha outras iniciativas expressas no Programa de Ação Imediata (PAI), elaborado em junho de 1993. Eram cerca de 60 medidas, como corte de gastos, privatizações, reformas administrativa e da Previdência, entre outras.
É sobre esse conjunto de providências que os economistas se referem quando falam em “retomar o projeto do Real”. Muita coisa aconteceu na segunda metade dos anos 1990, a maioria para aumentar a receita, como a criação do Fundo Social de Emergência, o antecessor da Desvinculação de Receitas da União (DRU); e do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), que precedeu a CPMF, e privatizações. Outras medidas para cortar despesas, porém, não chegaram a ser iniciadas ou malograram, como a reforma da Previdência, que não passou na Câmara em 1998.
“Era preciso resolver uma série de coisas antes de chegar à nova moeda. Houve várias medidas, como proibir bancos estatais e o Tesouro de manter uma única conta. Parou o financiamento inflacionário nas contas dos estados, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) deixou de financiar o que os bancos privados podiam financiar. Quando veio a desindexação, as coisas estavam no seu lugar”, conta a economista Elena Landau, assessora da presidência do BNDES e diretora da área responsável pelo Programa Nacional de Desestatização no governo Fernando Henrique Cardoso.
Para ela, a retomada do crescimento será lenta, já que o governo “pendurou todas as expectativas” na reforma da Previdência. “Não se sabe quais são as ideias do governo para depois da reforma.” Para o Brasil voltar a crescer, afirma, será preciso adotar uma agenda de reformas de pressupostos, que inclui a do funcionalismo público, a abertura comercial e as privatizações. “Tem de recuperar as iniciativas que foram feitas lá atrás, com o Plano Real, e dar um passo à frente, pois o mundo está mudando. Não é mais possível manter privilégios”, finaliza.
“O processo iniciado com o Plano Real se consolidou em maio de 2000, com a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, as privatizações de estatais elevaram as receitas fiscais e auxiliaram no processo de geração de resultados para conter o crescimento da dívida interna”, opina Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI). “Houve a negociação das dívidas dos estados (entre 1993 e 1997), e a última frente de trabalho foi a renegociação da dívida externa, pois a moratória (em 1987) havia feito o país perder credibilidade”, resgata o economista

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Juros altos oneram investimentos

06/07/2019

 

 

 

 

Na avaliação de Silvia Matos, da FGV, não há dúvidas de que debelar a inflação foi a missão maior do Plano Real, mas a elevação da taxa de juros, embora hoje no menor patamar da história — a Selic, taxa básica de juros da economia, está em 6,5% desde março de 2018 —, continua alta em comparação com as praticadas por outros países, inclusive os em desenvolvimento. Ela explica que juros altos oneram investimentos e tornam as aplicações financeiras bem mais atraentes, o que tem sido um desestímulo a investimentos produtivos de longo prazo, afetando o crescimento e a geração de empregos.
A elevação da taxa básica de juros foi uma estratégia do Plano Real para manter o dinheiro no Brasil, mas no banco, rendendo juros. Esse montante atraído por altas remunerações financeiras segurava a paridade do real com o dólar, o que tornava as importações mais baratas — mais uma ajuda para segurar a inflação —, devido à competição dos importados com a produção nacional.“Seria bom se tivéssemos aproveitado para atrair tecnologias e investir na renovação do parque industrial, mas ficou mais no consumo”, diz. Para a economista da FGV, o tripé macroeconômico é uma herança positiva do Plano Real, porém acabou ficando “capenga sem a variável mágica para fechar a conta: a taxa de juros”.
Apesar do peso que os juros altos representavam para o investimento, entre 2003 e 2007, já no governo Lula, o Brasil viveu uma bonança com os altos preços das commodities no mercado internacional. “Tínhamos de ter aproveitado esse momento para fazer mais superavit”, avalia Silvia Matos. Para ela, foi o “boom” das commodities que evitou uma crise no balanço de pagamentos e ajudou a compor reservas internacionais robustas. Ela lamenta, porém, que, na sequência, na gestão de Dilma Rousseff, o governo tenha abraçado uma política expansionista que desorganizou as contas. 
“A principal medida é investir em infraestrutura, como ferrovias, energia e saneamento, para empregar também a mão de obra não qualificada, pois já estamos com mais de 13 milhões de desempregados e, com os desalentados, somamos cerca de 28 milhões”, ressalta Paulo Feldmann, professor de economia da Universidade de São Paulo. “É preciso ter políticas para atrair o capital estrangeiro, principalmente o chinês, mas não existe política. O governo parece ser contra políticas públicas. Tudo é qualificado como ideológico.”
Para Feldmann, também é preciso desenvolver políticas públicas voltadas às pequenas empresas, as maiores geradoras de emprego. “O Brasil não tem proteção para a pequena empresa. O governo protege as grandes, que não precisam e formam cartéis. Precisamos aprender com a França e com Itália a valorizar o pequeno negócio”, opina. (CD)
Ferramenta

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Distribuição desigual de renda

06/07/2019

 

 


Houve períodos de crescimento econômico mesmo durante os anos de inflação alta, mas com distribuição desigual da riqueza, a grande distorção gerada pela hiperinflação. Entre 1980 e 1993, ou seja, antes do Plano Real, a taxa média anual de inflação foi de 428,11%, e a de crescimento do PIB, de 2,1%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Portanto, não muito abaixo da média pós-Real. “As classes média e alta têm lembranças positivas da época da inflação, porém, o crescimento não gerava benefícios no andar de baixo. O primeiro impacto na distribuição de renda foi o Plano Real, e o segundo, os programas sociais, como Bolsa Família. O problema é que não estamos crescendo”, pondera o economista Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI).
“O maior benefício do Plano Real foi acabar com a inflação inercial, provocada pelo reajuste constante dos preços, por falta de confiança”, lembra Paulo Feldmann, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP). “Os ricos se protegiam no over night (aplicação diária com correção monetária), e os pobres corriam para os supermercados tentando chegar antes de mais um reajuste de preços. Era uma distorção enorme.”
Segundo Silvia Matos, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), a inflação é especialmente cruel para a população pobre, porque o peso dos alimentos na cesta que mede o Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) é bem maior, pois há maior volatilidade no valor dos produtos alimentícios. De acordo com o IPCA que mede a variação de preços para famílias com renda de até 2,5 salários mínimos, a inflação acumulada nos últimos 12 meses (medida em maio) pesou mais: 5,49%, enquanto o IPCA geral, que mede a inflação para um conjunto fixo de bens e serviços habituais de famílias com nível de renda situado entre um e 33 salários mínimos, ficou em 5%.
Para ela, o controle da inflação virou um bem da sociedade. Na avaliação da especialista, os problemas de popularidade da então presidente Dilma Rousseff começaram quando ela passou a tolerar inflação em nome do crescimento econômico. Em 2010, o índice chegou a 10,67%, a segunda vez que atingiu dois dígitos, depois da implementação do Plano Real. A primeira foi em 2002, ano da eleição do presidente Lula. A instabilidade e a desconfiança política na campanha eleitoral fizeram o índice subir para 12,53%. (CD)

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Antes e depois do real

 

 

06/07/2019

 

 


Pressa para gastar
O casal Cátia e Gabriel Sasse começou um empreendimento em 1992, ambos aos 32 anos. Eles queriam estabilidade financeira para se casar. Antes, vendiam camisetas na rua. “Naquela época, o dinheiro não tinha valor, mas a mercadoria tinha. Entrando dinheiro no caixa, a gente tinha que, rapidamente, tomar decisões sobre o destino que daria, para ele não ficar parado”, lembra Gabriel. Com a transição para o Plano Real, o casal sobressaiu no ramo de produtos personalizados. Cátia conta sobre a influência da inflação e do real na administração do negócio hoje. “Sempre pagávamos à vista, dando o passo que podíamos dar. Acho que isso ajudou a crescer”, diz. 
Quartinho para compras
A inflação diária se concretizava na rotina da secretária Elizabeth Borges, 61 anos, por meio de uma despensa construída em seu apartamento especialmente para armazenar compras de supermercado. A mudança da moeda trouxe também novos horizontes profissionais. Ela foi transferida para Brasília. Vendeu o apartamento em São Paulo e conseguiu comprar uma casa no Lago Sul. “Todas as minhas conquistas foram dentro do limite do que eu poderia gastar.” Hoje, ela utiliza da experiência do passado pré-real para controlar o consumo. “Consumir é bom, mas não é a coisa mais importante. As coisas melhoraram muito com o real.”
Primeira viagem
Conhecer os Estados Unidos, em especial os parques da Flórida, é um sonho concretizável para muitas crianças e adolescentes hoje em dia. Porém, antes do real, isso só era possível, na maioria das vezes, para classes altas. Mas era um desejo dos irmãos Leonardo e Flávia Mello. Filhos de funcionários públicos, eles tinham boa qualidade de vida, mas fazer uma viagem era uma realidade distante. Com a paridade da moeda brasileira com o dólar, proporcionada pelo Plano Real, o cenário mudou. “Eu tinha 17 anos, e Flávia, 19. Foi maravilhoso, e uma conquista grande”, se emociona Leonardo. Na época, um dólar custava menos de R$ 1, o que permitiu planejar a viagem e os gastos.“