O Estado de São Paulo, n. 46023, 20/10/2019. Política p. A14

 

Governadores falam em atuação direta no Congresso

Ricardo Galhardo

20/10/2019

 

 

Chefes dos Executivos do Sudeste e do Sul discutem como dar suporte ao Planalto no Legislativo para destravar pauta econômica

Com o governo federal mergulhado em mais uma crise política, governadores de sete Estados das regiões Sul e Sudeste decidiram atuar direta com as bancadas no Congresso Nacional para destravar pautas econômicas que consideram paralisadas em razão da falta de articulação do Palácio do Planalto.

Os governadores se reuniram nos últimos dois dias em Florianópolis (SC) durante encontro do Consórcio de Integração Sul Sudeste. “Falamos muito da importância de os governadores trabalharem para pacificar o País e manter contato com o Congresso Nacional lançando pontes para o governo federal que está com muitas dificuldades na articulação política”, disse ao Estado o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB).

Ele e os governadores de São Paulo (João Doria), Rio de Janeiro (Wilson Witzel), Minas Gerais (Romeu Zema), Rio Grande do Sul (Eduardo Leite), Paraná (Ratinho Junior) e Santa Catarina (Carlos Moisés) participaram anteontem e ontem da reunião do Cosud na capital catarinense. Juntos estes Estados respondem por 56% da população de 70% do PIB do Brasil.

Ao final do encontro eles divulgaram a Carta de Florianópolis, com foco exclusivamente na economia. No documento, os governadores se comprometem a adequar as legislações locais à Lei da Liberdade Econômica e reduzir a burocracia estatal; defendem a revisão do pacto federativo por meio de uma reforma tributária e pedem a inclusão de Estados e municípios na PEC paralela à reforma das Previdência em tramitação no Senado.

O documento não fala em política, mas a crise que já se arrasta há mais de uma semana entre o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e a direção de seu partido, o PSL, permeou as reuniões fechadas e as entrevistas dos governadores. Segundo eles, o Brasil precisa de estabilidade em Brasília para seguir avançando na agenda de modernização e reformas da economia. A avaliação é que sucessivas oscilações políticas criadas pelo governo impedem a retomada do crescimento.

“Há um consenso de que o País neste momento precisa de paz, diálogo e entendimento. Sem isso nós não vamos evoluir nas pautas do Congresso nem nas necessidades reformadoras de um país com 13 milhões de desempregados, sete milhões de subempregados e que precisa retomar o crescimento em uma velocidade superior à deste primeiro ano de governo”, disse o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Apontado como possível adversário de Bolsonaro na eleição de 2022, Doria disse que não se trata de propor uma agenda antagônica à do governo, mas de usar a influência dos governadores no Congresso.

“Nossa visão é que este entendimento (da pacificação) deveria se estender a todos, a começar por quem dá suporte ao governo federal no Congresso. Não é uma posição antagônica mas uma posição harmônica dos governadores”, afirmou Doria.

Nordeste. Anteontem, governadores de oito dos nove Estados do Nordeste, em outro contexto, também chamaram a atenção para a responsabilidade de Bolsonaro de criar um ambiente de “serenidade, solidariedade e entendimento” em uma nota na qual prestam solidariedade ao governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), alvo de críticas de Bolsonaro.

“O País precisa de reunião de esforços para superar desafios. É fundamental que este compromisso, que todos esperamos ver cumprido pelos gestores públicos, não seja debochadamente ignorado por alguém que deveria ser uma de suas maiores referências”, diz a carta assinada pelos governadores da Bahia (Rui Costa), Alagoas (Renan Filho), Camilo Santana (Ceará), Flávio Dino (Maranhão). João Azevedo (Paraíba), Wellington Dias (Piauí), Rio Grande do Norte (Fátima Bezerra) e Sergipe (Belivaldo Chagas).

A nota foi uma reação ao fato de Bolsonaro ter chamado Câmara de “espertalhão” e “desonesto” por reivindicar paternidade sobre a criação do 13º salário para beneficiários do Bolsa Família em outdoors. O governador diz que fez a promessa 40 dias antes do presidente na campanha do ano passado.

“Falamos da importância de os governadores trabalharem para pacificar o País”

Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo

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Os 'caminhos secretos' do poder

Rafael Moraes Moura

Renato Onofre

Tânia Monteiro

20/10/2019

 

 

Privacidade / Chefes dos três Poderes criam passagens para escapar do assédio do público e da imprensa

Por baixo. Obra da nova passagem subterrânea de veículos de ministros do Supremo

Durante os momentos mais turbulentos da Operação Lava Jato, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pediram à segurança da Corte uma solução para o que consideravam um problema: o assédio da imprensa, que abordava os magistrados nos corredores da instituição, enquanto eles caminhavam por um túnel que liga o prédio anexo – onde estão os gabinetes – ao edifício-sede, que abriga o plenário. Agora, a gestão do presidente Dias Toffoli pretende garantir a privacidade com uma “passagem reservada”, que dará acesso exclusivo para os ministros e outras autoridades chegarem e saírem do Supremo sem serem vistos.

O desejo de passar despercebido se reflete nas placas dos carros oficiais, que possuem três modelos removíveis: a verde e amarela (de ministro do STF, com o brasão da República); uma de fundo branco; e a placa cinza, dos cidadãos comuns, usada para se camuflar. Ao abrir o novo espaço de passagem para os veículos, o Supremo transferiu de lugar parte das instalações da TV Justiça, localizadas no subsolo. A justificativa da Corte é a de que as atuais condições de trabalho dos funcionários da TV Justiça são insalubres, com casos até de infestação de ratos. Dessa forma, o desejo dos ministros por maior privacidade e segurança veio a calhar com a necessidade de transferir a equipe da emissora.

“Não se trata de projeto de garagem, mas de uma decisão que, ao mesmo tempo, visou promover a sinergia entre as equipes de comunicação do tribunal e restabelecer o projeto histórico original de Oscar Niemeyer”, disse o Supremo. A existência de “atalhos privados” não é exclusividade do STF, que vem sendo alvo de ameaças nas redes sociais e de protestos nas ruas em meio a julgamentos polêmicos, como a prisão após a condenação em segunda instância.

No Congresso e no Executivo, também existem “caminhos alternativos”, na terra e até mesmo na água, sempre com o mesmo objetivo – tentar criar passagens secretas para que autoridades mantenham uma “agenda paralela” de audiências e compromissos. Na prática, essas passagens reservadas abrem brechas para que audiências ocorram sem que sejam informadas à população. No caso de Jair Bolsonaro, o Lago Paranoá tem servido como “entrada VIP” para convidados que chegam de lancha ao Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. Um dos assíduos do acesso aquático é o ex-deputado Alberto Fraga, amigo pessoal do presidente que o influenciou na escolha do nome de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República (PGR). O próprio Bolsonaro já utilizou uma lancha para dirigir-se à cerimônia de passagem do Comando da Marinha, no Clube Naval, em janeiro.

De acordo com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), não é comum o presidente receber visitas que chegam de barco no Alvorada, “embora não haja impedimento para tal, desde que seguidos os procedimentos já estabelecidos para visitas à residência oficial”. Há um perímetro de segurança, delimitado por boias amarelas sinalizadoras, a fim de assegurar que embarcações mantenham distância da residência oficial.

Proximidade. Vizinhos, os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), abriram de maneira discreta uma passagem privada entre as residências oficiais dos presidentes da Câmara e do Senado, localizadas no Lago Sul, área nobre da capital. No início deste mês, líderes da Câmara foram à casa de Maia discutir a votação do desbloqueio de R$ 3 bilhões do Orçamento para emendas. Após afinarem o discurso na casa de Maia, o grupo atravessou o jardim e bateu à porta de Alcolumbre. Lá, ouviram a promessa de que o texto seria votado – o que aconteceu na semana retrasada.

Na Câmara, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, também costuma seguir caminhos alternativos para evitar o assédio da imprensa e de apoiadores. Nas duas vezes em que foi convocado a participar de comissões, o ex-juiz da Lava Jato usou “atalhos” como uma passagem de emergência perto da sala da presidência da Comissão de Constituição e Justiça. A porta dá acesso direto estacionamento do anexo 2 e 3, longe das entradas oficiais.

Bandeira. A busca por uma maior privacidade levou o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a editar, no último dia do seu segundo mandato, um decreto que rompia com uma tradição do hasteamento do pavilhão presidencial.

Até o governo Lula, a bandeira deveria sempre ser hasteada no palácio ocupado pelo presidente – o do Planalto ou Alvorada –, indicando a sua presença, um costume adotado a partir do governo Médici (1969-1974).

Com o governo Dilma, a bandeira passou a tremular só para indicar a presença da presidente no Distrito Federal. Agora, Bolsonaro retomou a tradição dos militares.