Título: Marcos Valério pega 40 anos de cadeia
Autor: Campos, Ana Maria ; Mader, Helena ; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 25/10/2012, Política, p. 2

Empresário terá que pagar ainda R$ 2,7 milhões em multas. Análise do veredicto leva advogados a acreditar que a pena de José Dirceu também será alta e poderá chegar a 10 anos e sete meses

Considerado o líder do núcleo operacional do esquema do mensalão, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza foi condenado ontem a 40 anos, um mês e seis dias de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Regime inicial é fechado. A pena é 10 anos superior ao máximo de tempo que uma pessoa pode ficar atrás das grades no Brasil, mesmo aqueles sentenciados por crimes hediondos como latrocínio, roubo seguido de morte.

O cálculo das penas fixadas para Marcos Valério deixou advogados atônitos ontem no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Antes do início do julgamento, defensores apostavam nas penas mínimas previstas no Código Penal e até em prescrições. A punição estabelecida para o operador do mensalão é até maior do que a fixada para crimes rumorosos de homicídio. Suzane Von Richthofen que matou o pai e a mãe a pauladas foi condenada pelo Tribunal do Júri a 39 anos e 6 meses de prisão. Adriana de Jesus Santos, assassina da estudante Maria Cláudia Del’Isola, recebeu uma pena de 38 anos de reclusão.

Uma análise do veredicto para Marcos Valério leva a crer que a pena para o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu também será alta e em regime fechado. O petista é corréu de Valério em dois crimes em que o empresário foi condenado no total a 10 anos e sete meses: formação de quadrilha e corrupção ativa pela compra de apoio político no Congresso. Os agravantes são os mesmos. Valério foi considerado o chefe do núcleo operacional, e Dirceu, o mentor de todo o esquema, o líder do núcleo político. Criminalistas que acompanham o julgamento apostam que o STF seguirá as penas de Marcos Valério ao analisar a conduta de Dirceu. “Não tem como ser diferente”, acredita um famoso advogado.

O revisor, Ricardo Lewandowski, sem entrar no debate sobre o futuro de Dirceu, disse ontem aos jornalistas que a tendência do STF é uniformizar os critérios de aplicação de penas, de forma que acusados que cometeram os mesmos crimes tenham a mesma punição, sempre levando em conta circunstâncias peculiares de cada réu.

Limites O decano Celso de Mello e o experiente Marco Aurélio Mello avaliam que a pena de Marcos Valério e as dos demais ainda poderão ser reavaliadas, de forma que alguns crimes sejam considerados uma sequência. É o chamado “nexo de continuidade delitiva”, de forma que ilícitos com as mesmas características sejam interpretados como continuação. Para o advogado Arnaldo Malheiros Filho, há possibilidade de serem considerados dessa forma, por exemplo, corrupções e peculatos, ambos crimes contra a administração pública.

A pena mais alta fixada para Marcos Valério ocorreu justamente na parte mais emblemática do esquema. O empresário deverá passar 7 anos e 8 meses na cadeia pela compra de apoio político no Congresso. Nesse caso, também estão enquadrados Dirceu; o ex-presidente do PT José Genoino; e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. As penas para os petistas ainda serão analisadas.

Ao analisar a compra de votos, os ministros aplicaram os limites estabelecidos para as penas no texto do Código Penal em vigor. Até novembro de 2003, antes da promulgação da Lei nº 10.763, a punição mínima era de um ano de reclusão até oito anos para corrupção ativa e passiva. Com a nova lei, passou para dois a 12 anos. O texto considerado pela maioria do STF foi o que está em vigor. Eles levaram em conta que num crime continuado — o pagamento a políticos começou em 2003 e só cessou em 2005 — valem as mais rigorosas.

Mesmo que a pena de 40 anos seja mantida, Valério nunca passará todo esse tempo numa penitenciária. “No Brasil, ninguém pode passar mais do que 30 anos preso”, lembrou o advogado Marcelo Leonardo, que representa o empresário. A luta da defesa agora é reduzir a temporada na prisão. Assim que completar um sexto da pena, ou seja, seis anos e 8 meses, Valério poderá pleitear a progressão do regime para semiaberto. Com 13 anos e quatro meses, ou seja, um terço da pena, ele poderá conquistar a liberdade condicional. O revisor, Ricardo Lewandowski, considerou altas as penas e fez uma comparação: “As penas são como um tratamento de quimioterapia. Não se pode exceder a dose, sob pena de matar o paciente”. Para Joaquim Barbosa, as punições precisam ser elevadas. “Não podemos baratear a corrupção”.

“As penas são como um tratamento de quimioterapia. Não se pode exceder a dose, sob pena de matar o paciente” Ricardo Lewandowski, revisor do mensalão

As penas Confira a punição definida pelo Supremo para o empresário Marcos Valério

» Formação de quadrilha 2 anos e 11 meses de cadeia » Corrupção na Câmara dos Deputados 4 anos e 1 mês de cadeia; e multa de R$ 432 mil » Peculato na Câmara dos Deputados 4 anos e 8 meses de cadeia; e multa de R$ 546 mil » Corrupção no Banco do Brasil 3 anos, 1 mês e 10 dias de cadeia; e R$ 108 mil de multa » Peculatos do Banco do Brasil 5 anos, 7 meses e 6 dias de cadeia; e R$ 598 mil de multa » Lavagem de dinheiro 6 anos, 2 meses e 20 dias de cadeia; e R$ 78 mil de multa » Corrupção ativa (compra de apoio) 7 anos e 8 meses; e R$ 585 mil de multa » Evasão de divisas 5 anos e 10 meses de cadeia; e R$ 436 mil de multa

» Total 40 anos, 1 mês e 6 dias de prisão

» Total das multas R$ 2.783.800

A multa final será definida pelo juiz da Vara de Execução Penal que ficar responsável pelo caso. Esses valores foram calculados com base no salário mínimo da época dos crimes (R$ 260). Mas pode haver variações. Além disso, o relator, Joaquim Barbosa, já explicou que a multa definitiva deverá ser corrigida para valores atuais — o que pode aumentar bastante a sanção pecuniária final.